A decepção Obama
A realidade levantou a sua cabeça feia. Barack Obama foi eleito com
aprovação esmagadora para inaugurar uma era de mudança. E
na sua conferência de imprensa de 25 de Novembro afirmou que a sua
vitória decisiva lhe conferira um mandato para alterar a
direcção em que se movia a América. Mas as suas recentes
nomeações em economia e política externa tornam claro que
ao
escolher "mudança" como seu slogan de campanha ele NÃO
se estava a referir aos sectores financeiro, dos seguros e do
imobiliário, nem à política externa. São nestes
que os interesses estabelecidos concentram a sua riqueza e poder. E a
mudança já está a ser acelerada aqui. Infelizmente, a sua
direcção tem sido no sentido de os 1% do topo da
população americana aumentarem a sua fatia de riqueza, que era de
37% há dez anos, 57% cinco anos atrás e hoje de aproximadamente
70%.
A mudança de que o sr. Obama está a falar é em grande
medida marginal a esta riqueza, não afectando a sua substância
económica ou a sua direcção. Não há
dúvida de que ele provocará uma mudança benvinda nas
relações raciais, regulamentações ambientais e uma
regra da lei mais civil. E ele provavelmente dará aos assalariados uma
folga no imposto sobre o rendimento (permitindo-lhes com isso que se mantenham
a pagar as suas dívidas aos bancos). Quanto aos ricos, em primeiro
lugar eles preferem não ganhar rendimentos. Sobre os rendimentos
há que pagar impostos, de modo que eles obtêm os seus retornos na
forma de ganhos de capital. E simplesmente evitar perdas é a ordem do
dia no actual colapso.
Quando não podem ser evitadas perdas, o governo salvará os ricos
nos seus investimentos financeiros, mas não os assalariados nas suas
dívidas. Naquela noite de sexta-feira em que o sr. Obama e o sr. McCain
efectuaram o seu debate final, o sr. Obama estava plenamente embarcado nos
salvamentos. E a nomeação desta semana da equipe
"Yeltsin" que patrocinou as dádivas da
privatização da Rússia em meados de 1990 Larry
Summers e os seus protegidos do infame regime Robert Rubin de Clinton
mostra que ele sabe o seu lugar quando se trata do relacionamento adequado
entre um candidato político e seus principais apoiantes. É
proteger os interesses estabelecidos antes de mais nada, enquanto concentra a
atenção dos eleitores em políticas cuja principal
qualidade é a sua capacidade para distrair a atenção do
facto de que nenhuma mudança real está a ser feita no
núcleo económico e no seu relacionamento de poder.
Não era isto o que a maior parte do povo esperava. Mas as suas
esperanças eram tão fortes que era mais fácil afundar em
sonhos felizes e depositar a fé num príncipe do que olhar para os
problemas sistémicos que precisavam ser reestruturados a fim de se
verificarem mudanças reais. Indivíduos não determinam
quem deve o que a quem, quem é empregado por quem ou que leis governam o
seu trabalho e investimento. As estruturas económicas e
políticas institucionais são a chave. E de certa forma o foco
tem sido sobre a política de personalidades, não sobre as
forças económicas em actuação.
Isto é tão verdadeiro no exterior quanto nos Estados Unidos.
Duas semanas atrás estive numa reunião económica sobre
"financiarização" na Alemanha. A maior parte dos
participantes com quem falei exprimiu a esperança na verdade,
quase uma convicção presunçosa de que Obama seria
como Gorbachev na Rússia: um homem que via a necessidade de
mudança estrutural profunda mas preferiu aguardar o seu momento,
aparentemente a "jogar o jogo" com a camuflagem protectora de
cooperar, mas a seguir, uma vez no gabinete, introduzindo um programa de
reforma revolucionária.
Ao contrário, depois de recordar o presidente Carter ao efectuar uma
brilhante campanha primária presidencial para obter a
nomeação (será que uma administração
analogamente decepcionante está para vir?), Obama está a
parecer-se mais como Boris Yeltsin um político biombo para os
cleptocratas aos quais foi dado o domínio público e
décadas de riqueza pública sem qualquer contrapartida.
As ligações de Obama com a administração Yeltsin
são as mais directas possíveis. Ele nomeou como seus
conselheiros económicos a mesma equipe anti-trabalho e
pro-finanças que nos meados de 1990 levou os cleptocratas ao poder na
Rússia. Seu conselheiro Robert Rubin conseguiu colocar os seus
protegidos em postos chave da administração Obama. Larry
Summers, que como chefe do Banco Mundial forçou a
privatização a preços de dádiva aos cleptocratas;
Geithner no Fed de Nova York; e um economista monetarista de Berkeley, uma
universidade tão de direita quanto a de Chicago. Estes são os
cães de guarda dos interesses estabelecidos da América.
Se você é um bilionário, a sua primeira
preocupação é simplesmente preservar a sua riqueza, evitar
ter de assumir perdas no valor das suas obrigações de pagamento
na economia obrigações por repagamento de
empréstimos e investimento, bem como juros e dividendos, e bastantes
ganhos de capital para compensar a inflação de preços que
desgasta o poder de compra dos que ganham rendimentos mais baixos.
Este ano alterou-se o destino típico da riqueza financeira devido
à explosão das bolhas financeiras. Tradicionalmente, os booms de
negócios culminam numa onda de bancarrotas que eliminam as
dívidas podres e as poupanças que foram investidas no lado
"activo" do balanço. Neste ano tudo foi alterado. As
dívidas podres são mantidas nas contabilidades mas
transferidas dos bancos para o governo federal, principalmente o Federal
Reserve e o Tesouro. Os salvamentos bancários objectivavam não
tanto proteger os próprios bancos, mas sim permitir-lhes liquidar (pay
off) as más apostas que haviam feito em relação aos hedge
funds do país e outros investidores institucionais no mercado de
derivativos.
Para participar num hedge fund, alguém precisa provar que pode
permitir-se perder o seu dinheiro e não ficar muito pior em termos de
condições de vida reais. Assim, os US$306 mil milhões em
garantias federais dos pacotes de hipotecas lixo vendidos pelo Citibank, e os
US$135 mil milhões do salvamento dos contratos de seguros assinados pela
AIG para proteger de perdas contratos swap, podiam ter sido evitados sem muito
impacto sobre a economia "real".
De facto, cancelar estas obrigações financeiras SOBRE a economia
teria pavimentado o caminho para cancelar o seu fardo de dívida. Se
houvessem permitido que as dívidas subprime e outras hipotecárias
declinassem para cerca de 22 centavos em relação ao um
dólar a que estavam a ser negociadas, isto teria tornado possível
cancelar dívidas de modo a compatibilizar com o preço ao qual os
possuidores das hipotecas haviam comprado estes empréstimos. Mas o
predomínio financeiro da riqueza americana "salvo" na forma de
obrigações do credor sobre endividados proprietários de
casas, companhias industriais e companhias de seguros de lixo tais como a AIG
foi protegido contra a erosão pelo programa federal de salvamento deste
ano.
A Bloomberg somou estes programas e descobriu que eles chegam aos 7,7
milhões de milhões
(trillion)
de dólares aproximadamente a metade de um ano inteiro do PIB.
Ao actuar para apoiar o mercado de empréstimos de hipotecas podres (mas
não para o próprio imobiliário), as aparentemente
infindáveis séries de salvamentos de Paulson procuram manter os
custos da dívida intactos ao invés de cancelá-los. Os
encargos de serviço sobre este endividamento desviarão o
rendimento do povo do consumo a fim de pagar credores. Isto ajudará os
investidores financeiros, não o trabalho ou a industria. Manterá
o custo de vida e de fazer negócios elevado, impedindo a economia dos
EUA de livrar-se da dívida tornando-se competitiva outra vez.
Com todos estes triliões de dólares de salvamento da riqueza,
alguém pode facilmente esquecer de perguntar o que é que
está a ser deixado de fora. Antes de mais nada, o Pension Benefit
Guarantee Corp do governo, cujo défice de US$25 mil milhões
não é salvo. Este ano, planos de pensão corporativos
subfinanciados são supostos "alcançar" pleno
financiamento de modo a proteger o PBGC, de acordo com uma lei aprovada pelo
Congresso dois anos atrás. Se planos subfinanciados não
cumprirem a cobertura de 92% determinada para este ano, eles têm de
trazer suas contas plenamente ao nível dos 100%. O mergulho do mercado
de acções frustrou as suas esperanças de conseguirem isto.
O resultado será forçar muitas companhias industriais à
restrição financeira.
Na frente do automóvel, a administração Bush tem efectuado
pressão para forçar as três grandes companhias de Detroit
à bancarrota como um meio de anular os seus planos de pensão com
benefício definido sem planos de todo para salvar o dinheiro
devido ao trabalho pela restauração da solvência do PBGC.
Os planos de pensão estaduais e locais estão quase totalmente
subfinanciados, e correm o mesmo risco quando os seus rendimentos fiscais
mergulharem e os pagamentos de impostos de propriedade cessarem sobre os
edifícios habitacionais e comerciais que foram arrestados.
E por falar em finanças estaduais e locais, que papel o governo local
deve ter na promessa do sr. Obama de reconstruir a infraestrutura, a
começar pelos transportes? Dada a sua posição de
carência de dinheiro, poder-se-ia esperar uma agitação nos
planos da Wall Street para gastar somas enormes. Considerando que a equipe
económica de Obama fez fortunas para cleptocratas russos ao dar-lhes
activos do sector público já existentes, os seus equivalentes
americanos vão ter de ficar ricos construindo realmente novos projectos.
Em tais casos os benefícios são tão grandes quanto a
quantia total do dinheiro a ser gasto mas não do modo como a
maior parte das pessoas entende à primeira vista. Contratos de
construção para novos sistemas de transportes públicos,
pontes, estradas e modernização urbana ou rural podem ser
inteiramente honestos e proporcionados a um custo razoável. Mas
é um subproduto de tal investimento que cria uma quantia que é de
uma magnitude igual ou muitas vezes maior na forma de renda de
locação isto é, vastos ganhos inesperados para
propriedades imobiliárias bem localizadas.
É aqui que a experiência política de Chicago do sr. Obama
torna-se tão conveniente. Trata-se de facto de um jogo sob medida para
a sua equipe. Centenas de milhões de dólares foram feitos na
reabilitação de infames mas centralmente bem localizadas
habitações para famílias de baixos rendimentos. Os
desenvolvimentos patrocinados pelos mentores do sr. Obama, a família
Pritzker, a Universidade de Chicago e variados reverendos do imobiliário
abriram vastos novos terrenos, além disso com apoio público. (A
casa em que cresci em Hyde Park-Kenwood, a cerca de um quarteirão da
casa de Obama, foi destruída juntamente com resto de todo o
quarteirão no âmbito do programa de renovação urbana
do mayor Daley no fim dos anos 1950 depois de rufiões terem
andado pelas vizinhanças, assustando os brancos quanto a venda aos
negros com margens de preços extorsivas e prémios sobre taxas
hipotecárias, destruindo a seguir as casas para as quais os negros se
haviam mudado. Trata-se de um antigo jogo imobiliário que se aprende
rapidamente na política de Chicago.) Como observou Thorstein Veblen,
qualquer política de cidade americana é melhor entendida
examinando como se desenvolve o seu imobiliário.
Os ganhos com o fornecimento de melhor infraestrutura de transporte tipicamente
são tão grandes que o investimento no transporte poderia ser
auto-financiado lançando impostos sobre estes ganhos de propriedade
recapturando o valor locativo acrescentado na forma de impostos
inesperados de propriedade. A extensão do metro de Londres para Canary
Wharf, por exemplo, custou à cidade £8 mil milhões
mas aumentou os valores imobiliários ao longo do traçado em cerca
de £13 mil milhões. A cidade poderia ter financiado todo o
projecto pela emissão de títulos que teriam sido reembolsados com
os impostos lançados sobre os ganhos inesperados criados por esta
despesa pública.
Analogamente na Cidade de Nova York, a autoridade de transporte simplesmente
anunciou que as tarifas do metro e do autocarros serão elevadas
(acrescentando não menos de US$10 ao cartão mensal de transporte)
e os serviços cortados drasticamente. O mayor Bloomber simplesmente
parou a obra do metro na 2ª Avenida, o seu acabamento aumentará
pelo menos tanto valor à propriedade no East Side quanto os custos do
próprio metro. A cidade poderia então financiar a sua
construção não pela emissão de títulos a
serem reembolsados pelos contribuintes do estado e da cidade com o pagamento de
taxas dos utilizadores. Os contribuintes não teriam de pagar, e os
passageiros poderiam desfrutar tarifas subsidiadas simplesmente pela
tributação dos proprietários imobiliários.
Mas não vejo perspectiva de isto ser feito. Imobiliário ainda
é o nome do jogo, porque ele continua a ser a maior categoria de activo
em toda a economia de hoje, tal como sob o feudalismo. A diferença em
relação ao feudalismo é que enquanto os senhores feudais
recebiam o valor da renda das suas terras em séculos passados, os
proprietários de hoje adquirem a propriedade não pelo conquista
militar (como no caso da invasão normanda da Inglaterra em 1066) mas
contraindo empréstimo junto aos bancos. Para um banqueiro
hipotecário, um urbanizador comercial ou uma companhia
imobiliária é um cliente principal, o baluarte do balanço
do banco. É difícil imaginar um novo programa americano de
infraestrutura que não caia num novo buraco de ganhos
imobiliários para o sector FIRE (finanças, seguros e
imobiliário). Os proprietários imobiliários em lugares
situados favoravelmente venderão para compradores a crédito,
criando um novo vasto e lucrativo mercado de empréstimos para os bancos.
A espiral da dívida continuará a subir.
O facto de os orçamentos estaduais e locais estarem demasiado
sobrecarregados para permitir gastos em infraestrutura levará a que isto
seja privatizado desde o princípio. Provavelmente o notório
partenariado público-privado de Londres (um refinamento do Partido
Trabalhista, mais thatcheriano do que a própria Margaret Thatcher
poderia ter sido) provavelmente tornar-se-á o modelo básico.
Utilizadores pagarão taxas mais elevadas ao invés de desfrutarem
o acesso subsidiado ou gratuito típico dos gastos em infraestrutura
durante a Era Progressista. A principal finalidade das empresas
públicas de então era manter baixos os preços de
serviços públicos, permitindo portanto a redução do
custo de vida e fazer negócios na América. Mas hoje, a despesa
em infraestrutura será apenas mais um ítem a ser acrescentado ao
fardo da dívida da América, para tornar a sua economia ainda
menos competitiva com as estrangeiras do que já é.
A moral é: da próxima vez que um candidato prometa
mudança, peça-lhe para especificar que mudanças tem em
mente. Durante os debates presidenciais, só Dennis Kucinich clarificou
e disse cada lei específica que havia apresentado ao Congresso para
implementar cada mudança que prometera. Mas a maior parte do
público não queria saber os pormenores eles simplesmente
gostavam de ouvir a palavra "mudança".
Aqui estão algumas mudanças puramente fiscais e financeiras que
um futuro candidato presidencial poderia propor mudanças que
não espero ouvir falar mais durante os próximos quatro anos.
Apenas para manter a discussão em andamento, porque estas
mudanças meramente marginais dentro do sistema existente não
deveriam ser implementadas desde já por um candidato presidencial que
ainda está a jactar-se quanto ao seu "mandato para mudar":
-
Quanto à política fiscal, reintroduzir o imposto sobre o
património, juntamente com o escalonamento progressivo da era de Clinton.
-
Tributar ganhos de capital à mesma taxa dos salários e lucros,
ao invés da metade da taxa, e fazer com que estes impostos sejam pagos
no ponto de venda do imobiliário ou outros activos, não adiados
ad infinitum se os ganhos simplesmente forem investidos em ainda mais riqueza.
-
Exigir uma análise custo-benefício de qualquer gasto em
infraestrutura financiado publicamente de modo a recapturar todas as
"economias externas" (tais como ganhos imobiliários
inesperados) como primeira prioridade de financiamento de tal investimento.
-
Tributar tomadas de empréstimos corporativos que sejam utilizadas
simplesmente para pagar dividendos de acções ou comprar as
próprias acções a pelo menos 50%.
-
Encerrar a prática de evitar o pagamento de impostos offshore, e
iniciar processos criminais contra firmas de contabilidade cúmplices
destas prática.
-
Permitir que um edifício seja reintegrado apenas uma vez, não
repetidamente como um cancelamento de imposto.
-
Recentrar a tributação estadual e local sobre a propriedade,
recordando que qualquer colecta fiscal abandonada é simplesmente
"libertada" para ser paga aos bancos como juros.
-
Na esfera das dívidas podres à banca, quando uma agência
do governo toma o controle de um banco ou companhia que tem valor
líquido negativo, os accionistas devem ser eliminados quando as suas
acções perdem todo valor de mercado. Os detentores de
títulos devem ficar na fila atrás do governo em caso de
insolvência.
-
Reduzir o valor de dívidas hipotecárias à capacidade dos
proprietários de pagarem e/ou ao valor actual do mercado. Bancos que
fizeram empréstimos a estes tomadores de empréstimos devem
assumir a responsabilidade pela sua decisão de que os
proprietários podiam pagar. Ainda melhor, aplicar a já existente
lei da Conivência Fraudulenta do estado de Nova York e simplesmente
anular empréstimos que estão para além da capacidade de
pagamento dos devedores.
Nada disto envolve mudança estrutural real. É simplesmente mais
economicamente eficiente sob as leis e práticas existentes algo
como realmente aplicar a lei ambiental, anti-fraude e as leis anti-crime, e de
acordo com a intenção original da nossa legislação
fiscal. É um pequeno passo em direcção à Era
Progressista de um século atrás a era que pôs a
América no caminho da prosperidade que tornou o século XX o
século americano.
26/Novembro/2008
[*]
mh@michael-hudson.com
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/hudson11262008.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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