Todos nós assistimos nos últimos dias a duas asquerosas
erupções de nulidade moral que poriam à prova os poderes
de um Voltaire ou de um Vidal, para lhes fazer a devida justiça; eles
bem que exultaram com os meus pobres dotes jornalísticos. Mas mesmo
assim vou esboçar algumas observações, nem que seja para
juntar mais uma modesta voz aos que testemunham os males perpetrados pelos
nossos inimputáveis líderes.
Estamos a falar, é claro, do discurso de aceitação do
Prémio Nobel de Barack Obama e dos mais recentes comentários de
Tony Blair sobre a Guerra do Iraque. Tratemos primeiro da personalidade menos
importante.
I.
Desde que deixou o cargo oficial, Tony Blair meteu o seu focinho manchado de
sangue em várias gamelas corporativas, acumulando milhões,
enquanto simultaneamente se tornava num dos grandes sepulcros
branqueados dos nossos dias, fazendo grande alarde da sua conversão ao
Catolicismo, a sua "fé de base", e por aí adiante.
Chegou mesmo a dar conferências na Yale Divinity School. Mas este piedoso
vendedor ambulante parece cada vez mais assombrado. Os olhos brilhantes e
esbugalhados,
a abertura agitada do seu sorriso irónico indistinguível
do esgar de um homem em sofrimento e a defesa cada vez mais estridente e
alienada dos seus crimes de guerra são um testemunho emocionante dos
fogos infernais que consomem a sua alma.
No próximo mês, Blair apresentar-se-á perante a
Comissão de Inquérito Chilcot, um painel de sumidades da
estrutura social do Reino Unido, encarregado da investigação das
origens do papel britânico na invasão do Iraque. Embora estas
sumidades tenham sido, até esta altura, extraordinariamente balbuciantes
no seu interrogatório aos poderosos e aos bons o cheiro da cal
branqueadora está de facto no ar , a investigação
cumpriu pelo
menos a útil função de trazer à memória do
público a questão esquecida do Iraque, à medida que
confrontava e confirmava, com base em declarações sob juramento,
muito do que nos fomos apercebendo às pinguinhas ao longo dos anos sobre
a repugnante e deliberada fraude por detrás desta catástrofe
atroz. Um dos achados que surgiram do inquérito foi a
revelação de que a atracção principal do argumento
de Blair para uma guerra imediata a pretensão de que Saddam
Hussein poderia atingir a Europa com mísseis de destruição
maciça apenas com um aviso de 45 minutos veio de uma conversa
não confirmada posta a circular por um taxista iraquiano.
À medida que se aproxima a reviravolta de Blair na bem
enchumaçada almofada Chilcot, este lançou esforços
frenéticos para manter secreto o seu testemunho, enquanto ao mesmo tempo
tenta minar a base racional de toda a investigação sobre as
origens da guerra, que tem realçado a pretensa
justificação para a invasão: tornar inofensivas a
armas de
destruição maciça (inexistentes) do Iraque. Então,
a semana passada, Blair deu uma entrevista a um cordial e tímido
apresentador na qual admitiu descaradamente ou melhor, vangloriou-se
orgulhosamente de que teria encontrado uma forma de levar a
Grã-Bretanha a entrar em guerra com o Iraque mesmo que tivesse a certeza
de que Saddam Hussein não tinha armas de destruição
maciça (ADM). (E, claro, dada a natureza dos "serviços
secretos" que Blair usou no período antes da guerra nas suas
pretensões de ADM, é certo que realmente estava convencido de que
Saddam não tinha tais armas quando a invasão começou.)
Por isso, agora a convicção de Blair é que não
existe acusação a refutar no que diz respeito às origens
da guerra; todos estes disparates sobre as ADM não fazem sentido. Teria
encontrado "outros argumentos" para convencer os britânicos a
seguir George W. Bush para a guerra que os militaristas norte-americanos
já há muito planeavam.
A confissão de Blair originou uma resposta extraordinária de um
outro mandarim do
establishment,
Sir Ken Macdonald, que esteve durante cinco anos na função de
Acusador Público sob o governo de Blair e agora trabalha no
sector privado numa firma de advogados muito importante junto com a
esposa de Tony Blair, Cherie. A manchete do
The Times
não deixa dúvidas: "Embriagado pelo poder, Blair
impingiu-nos a guerra". Na sua coluna, Macdonald escreve:
"A intensidade da fraude envolvida na nossa decisão de entrar na
guerra do Iraque vai-se tornando aos poucos mais clara. Esta foi uma vergonha
de proporções épicas para a política externa e
andar a tocar alguém com os pés por debaixo da mesa num programa
televisivo da manhã de Domingo nada faz para reparar os danos. Agora
é muito difícil evitar a conclusão de que Tony Blair tomou
parte de um preocupante subterfúgio com o seu parceiro George Bush e de
que convenceu e enganou o povo britânico a entrar numa guerra mortal que
estes tinham a perfeita consciência de não querer, e ainda por
cima, apoiada num fundamento que é cada vez mais difícil de
acreditar que o próprio Blair tenha considerado verdadeiramente
crível.
"O principal problema do Sr. Blair foi o seu sicofantismo em
relação ao poder. Isto poderá parecer estranho num homem
que em casa bebeu tanta daquela cerveja estonteante. Mas Washington deu-lhe a
volta à cabeça e Blair foi incapaz de resistir ao palco ou ao
prestígio que lhe era oferecido. Neste sentido, foi um fraco e, como
podemos ver, continua a ser. Desde esses tristes dias ouvimo-lo constantemente
a repetir o mantra egoísta segundo o qual "Juro que apenas fiz o
que considerei certo". Mas esta é a defesa de um narcisista e
acreditar em si próprio não é resposta a um juízo
erróneo: de qualquer forma nunca seria a resposta à morte.
"Yo, Blair", provavelmente, era a sua verdadeira medida."
Macdonald também nos permite dar uma espreitadela furtiva no modo de
funcionamento da elite, com observações que sem dúvida se
aplicam igualmente bem ao outro lado do oceano:
"Na vida pública dos britânicos, a lealdade e o
serviço ao poder podem por vezes ter mais valor para os insidiosos do
que uma qualquer pergunta manhosa de reputação mais vasta. O que
interessa, na verdade, é a forma como os teus pares te vêem, por
isso a firmeza da expressão perante um ataque e uma ameaça de
escândalo produz a sua própria rica hierarquia de honra e
recompensa. A deslealdade, por outro lado, significa uma terrível
expulsão, um exílio romano rochoso e árido que poucos
têm a coragem de enfrentar. Então, para que lado vão saltar
os nossos heróis?
"Só nos resta esperar que para o lado certo pois é
precisamente esta natureza secretamente combinada do poder do
establishment
britânico, inflexível para além de qualquer
compreensão perante o mundo moderno, que fez com que a nossa
política decaísse tanto. Se Chilcot não conseguir revelar
a verdade sem medo desta história de violência e
destruição do Médio Oriente, o inquérito
será merecidamente olhado com desprezo".
É quase certo que o inquérito Chilcot irá produzir pouco
mais
do que o branqueamento habitual, salpicado aqui e ali por umas manchas de
sangue. Tony Blair também não terá de enfrentar nenhum
processo oficial pelos seus crimes; nem sequer deverá perder nenhum dos
seus patrocinadores do mundo empresarial, ao contrário do
abominável
Tiger Woods
, cuja intimidade sexual com maiores de idade é obviamente muito pior do
que o assassinato de mais de um milhão
de inocentes. (Agora nunca veremos Woods a dar conferências na Yale
Divinity School!)
Mas continuem a olhar para Blair; observem, a cada ano, à medida que
irá trazer à luz os frutos hediondos do inferno interior. Pois,
como afirmou certo dia um dos seus conterrâneos: "O
assassínio, embora não tenha língua, falará
através de órgãos prodigiosos".
II.
"A defesa de um narcisista". Tal como a descrição do
discurso de aceitação do prémio Nobel da Paz, a
expressão de Macdonald dificilmente poderia ser mais acertada. Mas a
intensa e quase patológica auto-estima presente no discurso não
foi somente de Obama, claro; temos de lhe reconhecer o mérito de
reconhecer que, quanto a isto, pelo menos, ele foi aquilo que nós muitas
vezes queremos que os nossos governantes sejam: a corporização da
nação. A sua ambiciosa declaração do
carácter excepcional dos EUA, num espaço supostamente dedicado
aos princípios universais da paz, foi impressionante no seu descaramento
mas completamente em harmonia com os sentimentos da vasta maioria dos
seus conterrâneos e, acima de tudo, em harmonia com os sentimentos da
elite.
Muitos já repararam na adopção por Obama do
princípio de Bush de uma acção militar unilateral e
preventiva, a qualquer momento, em qualquer lugar, sempre que um governante
declare que a sua nação está sob ameaça. Esta
abordagem que Bush designava de "o trilho da
acção" era severamente desprezada pelos
críticos do anterior regime, muitos dos quais actualmente lutam com
unhas e dentes para elogiar o abraço "mais leve e delicado" de
Obama à agressão. Mas novamente, reconheçamos o
mérito onde ele existe; neste aspecto do discurso, Obama realmente foi
mais longe do que a concepção rigorosamente nacionalista de Bush,
afirmando: "Eu como qualquer chefe de estado reservo-me o
direito de agir unilateralmente se for necessário defender a minha
nação."
Então, Obama estaria, aparentemente, a estender o direito à
acção militar unilateral a "qualquer chefe de estado"
que sinta a necessidade de defender a sua nação. Mas é
claro que estas não passam de palavras ocas, uma mentira descarada que
nem mesmo Bush teria tentado utilizar. Será que Obama aceitaria um
ataque unilateral e preventivo de Teerão contra Israel, onde
legisladores de topo e funcionários do governo habitualmente falam sobre
um ataque ao Irão? Será que Obama iria aplaudir o
"direito" da Rússia de atacar unilateralmente a Polónia
se o acordo com os EUA para a instalação de um escudo
anti-míssil, presentemente interrompido, fosse subitamente consumado?
Será que Obama iria apoiar um ataque unilateral da Índia ao
Paquistão ou vice-versa no caldeirão fervoroso das
tensões no subcontinente, onde ambas as nações se sentem
legitimamente ameaçadas pela outra? Iria Obama apoiar o direito de Kim
Jong-il em "defender a sua nação", atacando a Coreia do
Sul assim que se verifique um incidente que ponha a fronteira em perigo?
Não, é óbvio que apenas os EUA e os seus aliados,
como Israel têm o supremo privilégio da guerra unilateral.
A passagem foi inserida no discurso apenas porque parecia bem naquele momento e
criava uma reacção emocional temporária que poderia fazer
os ouvintes esquecer a incongruência macabra subjacente a todo o
acontecimento: a atribuição de um prémio da paz ao
líder manchado de sangue de uma máquina militar, enterrada
até à cintura no sangue derramado e coagulado de duas grandes
guerras onde se assassinam civis.
Obama arrisca a sua ousada afirmação sobre o carácter
excepcional dos EUA com uma passagem que retirou, quase literalmente, do seu
discurso de West Point alguns dias antes, quando anunciou o seu segundo
agravamento da guerra no Afeganistão:
"Independentemente dos erros que tenhamos cometido, a verdade é
esta: há mais de 60 anos que os EUA têm ajudado a garantir a
segurança global com o sangue dos nossos cidadãos e a
força das nossas armas. O serviço e o sacrifício dos
nossos homens e mulheres fardados têm promovido a paz e a prosperidade
desde a Alemanha até à Coreia, e tem permitido que a democracia
se estabeleça em lugares como os Balcãs. Suportámos o
fardo não porque pretendemos impor a nossa vontade. Fizemo-lo por puro
interesse esclarecido porque procuramos um futuro melhor para os nossos
filhos e netos e acreditamos que as suas vidas serão melhores se os
filhos e os netos de outras pessoas puderem viver em liberdade e
prosperidade."
Aqui está o descaramento e a arrogância elevados ao
nível do sublime. Obama pegou nas palavras que usara para instigar a
morte certa de milhares de seres humanos e a escalada de ódio,
extremismo, caos e corrupção selvagem pelo mundo fora e
apresentou-as como justificação para a horrenda e
imperturbável doutrina Orwelliana presente no âmago do seu
discurso: a Guerra é Paz. Nesta perversa inversão de valores,
Obama, enquanto senhor da guerra, é de facto um pacifista, estão
a ver? e daí um herdeiro legítimo do legado de Martin
Luther King Jr., invocado em vários momentos do seu discurso.
E aqui chegámos àquela que considero a parte mais repugnante do
discurso. E talvez a de maior alcance. Todo este palavreado sobre o
altruísmo norte-americano e do "interesse esclarecido" na
matança de milhões de pessoas (a Indochina foi uma das
convenientes lacunas na pesquisa histórica de Obama) para o bem de todas
as crianças no mundo (vermelhas e amarelas, pretas e brancas, todas
são preciosas aos nossos olhos), não passou de retórica.
Nada que já não tivesse sido repetido vezes sem conta, incluindo
as referências tão elogiadas pelos apologistas liberais de
Obama e até mesmo os "erros" involuntários que
os EUA aparentemente continuam a cometer, resultado de uma
superabundância de boas intenções, sem dúvida. Mas
acho que nunca antes um presidente norte-americano tenha de forma tão
notória e directa difamado o trabalho de Martin Luther King Jr. e de
Mohandas Gandhi. (E fê-lo, nada mais nada menos, ao aceitar o
prémio Nobel da Paz! Oh, que extraordinário bocado de metal
.)
Embora adornado com os habituais formas oratórias
hiper-mas-flácidas e floridas-mas-falsas que se tornaram a marca
registada de Obama, as suas palavras sobre King e Gandhi revelam desdém
e condescendência. Fui de facto apanhado de surpresa ao ler estas
passagens:
"Faço esta afirmação [sobre a
justificação moral para a guerra] consciente do que disse Martin
Luther King nesta mesma cerimónia uns anos atrás: "A
violência nunca traz a paz permanente. Não resolve nenhum problema
social: apenas cria problemas novos e mais complicados". Como pessoa que
está agora perante vós como uma consequência directa do
trabalho do Dr. King, sou a prova viva da força moral da
não-violência. Sei que não há nada de fraco, de
passivo e de inocente na crença e nas vidas de Gandhi e King.
"Mas enquanto chefe de estado que jurou sobre a Bíblia proteger e
defender a minha nação, não posso guiar-me somente pelos
seus exemplos. Enfrento o mundo tal qual ele é e não posso ficar
impassível perante as ameaças ao povo norte-americano. Não
tenham dúvidas: o Mal existe verdadeiramente no mundo. Um movimento de
não-violência não teria impedido os exércitos de
Hitler. As negociações não servem para convencer os
líderes da al-Qaeda a depor as armas."
A incoerência intelectual e o sarcasmo arrogante por detrás desta
passagem supostamente laudatória são espantosos. Após
ter-se proclamado como a encarnação pessoal das filosofias de
acção não-violenta de King e Gandhi, Obama mostra o seu
jogo com este excerto: "Eu enfrento o mundo tal qual ele é".
Os outros dois eram apenas sonhadores, eram pouco realistas, não eram
para ser levados a sério; eles não "enfrentaram o mundo tal
qual ele é", não eram espertos e pragmáticos como eu.
Tenho de fazer guerra porque sou um chefe de estado "que jurou sobre a
Bíblia proteger e defender a minha nação".
[Chegado a este ponto, Obama cede a um tropo que grassa como uma pandemia entre
os seus apologistas: a ideia de que foi de certa forma obrigado a tornar-se o
chefe de estado de uma nação militarista que trava uma guerra
interminável pelo mundo fora, e que de certo modo acordou e deu-se de
conta que era "o comandante-supremo de uma nação no meio de
duas guerras". Mas é óbvio que Obama escolheu este tipo de
poder neste sistema em particular escolheu-o, buscou-o e lutou que nem
um louco para o ganhar. Foi o que sempre quis. Porém, persiste ainda a
noção de Obama como uma vítima indefesa do destino
perdido num mundo que não ajudou a construir.]
Depois continua com a mentira da sua já referida admiração
por Gandhi e King: "Um movimento de não-violência não
teria impedido os exércitos de Hitler. As negociações
não servem para convencer os líderes da al-Qaeda a depor as
armas". Então, King, Gandhi e qualquer seguidor da
resistência não-violenta ao mal são, em última
análise, ingénuos, ineficazes fracos.
Reparem na incoerência ou talvez na elisão deliberada
presente nesta passagem. Obama afirma que tem de dominar as
"ameaças ao povo norte-americano" e depois refere os
exércitos de Hitler, juntando imediatamente, e igualando-os
retoricamente, com a mão-cheia de fugitivos dispersos e clandestinos da
al-Qaeda. Então agora o povo norte-americano encontra-se sob
ameaça dos exércitos de Hitler? Serão as insignificantes
forças da al-Qaeda menos do que 100 no Afeganistão, a
julgar pelos próprios fazedores de guerra de Obama iguais aos
exércitos de milhões de soldados de Hitler?
Mas por detrás destes ordinários truques retóricos, existe
uma falsidade mais profunda. Porque é obviamente falso afirmar que
"um movimento de não-violência não teria impedido os
exércitos de Hitler." Antes de mais, não se pode fazer tal
observação porque esta abordagem nunca foi tentada. Por isso,
não se pode afirmar categoricamente que não teria resultado.
Teria sem dúvida custado milhões de vidas; mas como o
próprio Gandhi salientou, a resistência violenta aos
exércitos de Hitler também custou dezenas de milhões de
vidas. Mas a formulação de Obama que é de facto um
lugar-comum apenas aborda uma visão da resistência
não-violenta a Hitler; ou seja, de fora, resistindo aos exércitos
à medida que invadiam as fronteiras. Existe uma outra forma em que um
movimento de resistência não-violento poderia sem dúvida
ter "impedido os exércitos de Hitler": se se tivesse
implantado e expandido por toda a Alemanha, incluindo entre as forças
armadas e as suas indústrias de apoio.
Na realidade, isto não aconteceu. Mas não era, e não
é, impossível que a humanidade procure levar a cabo uma abordagem
deste género. Por isso, é imbecil e falso afirmar aquilo que
é impossível provar: se a resistência não-violenta
teria impedido o nazismo e se esta abordagem teria sido mais ou menos
dispendiosa do que por meios violentos.
Da mesma forma, é falso dizer que "as negociações
não servem para convencer os líderes da al-Qaeda a depor as
armas." A única resposta possível a esta
afirmação descarada é: Como sabes? Já alguém
tentou? Não. Por isso, não se pode dizer que é
impossível e depois usar esta "impossibilidade"
hipotética e não testada como justificação para
devastar países inteiros. Poderia dizer que seria injusto negociar com a
al-Qaeda, que aqueles que usam de violência atroz para atingir os seus
fins deveriam ser pura e simplesmente mortos ou levados a tribunal.
(Então onde é que estariam os exaltados, excepcionais e
unilaterais governantes dos EUA?) Mas, claro, foi precisamente isto o que
Gandhi fez: sentou-se e negociou com os representantes de um império que
causara a morte a milhões dos seus concidadãos. Negociou com eles
de boa fé, de boa vontade, apesar do que haviam feito e continuavam a
fazer ao seu povo e apesar do facto de que muitos dos seus
interlocutores, tais como Winston Churchill, o odiarem com uma fúria
cega e racista. E foi bem sucedido embora, novamente, com custos
associados, tanto antes como depois da libertação. Mas Gandhi, e
King, sabiam quais eram os custos da não-violência porque
eram sábios de verdade e genuinamente realistas acerca da natureza do
mal.
De qualquer forma, pondo de parte os pormenores de uma qualquer
situação real ou hipotética, o discurso é um
exemplo flagrante do desprezo enraizado (e talvez inconsciente) de Obama pelo
trilho da paz e pelos seus defensores. Também é uma
manifestação do seu próprio inferno, da necessidade
desesperada em justificar a si próprio e ao mundo a sua
escolha livre e deliberada para dar continuidade ao "trilho de
acção" sufocado em sangue, enquanto comandante-supremo de
uma máquina de guerra excessiva e selvagem.
Ninguém obrigou Obama ou Blair a tomar estas decisões ou a
dar estas justificações ilusórias e escandalosas. O seu
próprio narcisismo a sua própria ânsia por poder e o
seu amor pelo sistema que lhes deu esse poder cobriu-os com o sangue e a
vergonha que actualmente mancham cada uma das suas palavras e
acções.
[*]
Escritor, estado-unidense. O seu blogue, Empire Burlesque, encontra-se em
www.chris-floyd.com
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