Os Estados Unidos estão insolventes
Os EUA estão insolventes. Simplesmente não existe forma de as
contas nacionais poderem ser pagas de acordo com os actuais níveis de
tributação e de benefícios prometidos. Actualmente, os
nossos défices federais combinados são superiores a 400% do PIB.
Esta é a conclusão de um recente relatório do Tesouro
intitulado
Relatório Financeiro do Governo de Estados Unidos (Financial Report of the United States Government),
que foi silenciosamente divulgado numa sexta-feira (15/12/2006), submergido na
temporada de férias, e com pouca fanfarra. Por vezes pergunto a mim
próprio porque o Departamento do Tesouro não paga simplesmente a
alguém para distribuir o relatório pelas quatro e meia da
manhã de Natal. Acrescento que tenho ainda de apresentar uma simples
conclusão deste relatório em uma qualquer das principais
emissoras noticiosas, mas isso é outro assunto.
Mas, claro, eu percebo. Um relatório assim tão mau precisa de
tudo o que possa amortecer o seu impacto.
Na sua
declaração que acompanha o relatório
, David Walker, inspector
(comptroller)
dos EUA, aqueceu a sua audiência ao declarar que o
General Accounting Office (GAO) havia encontrado tantas
deficiências significativas no sistema contabilístico
governamental que
não lhe fora possível "exprimir uma opinião"
sobre o estado financeiro. Ah, ah! Ele realmente sabe como manipular uma
audiência!
Em linguagem contabilística é o mesmo que dizer ao seu
cônjuge "O nosso livro de cheques está numa tal
bagunça que não consigo dizer se estamos falidos ou ricos!".
Da próxima vez que você tiver uma inexplicável
explosão de saques da sua conta, desde aquela pescaria com os seus
amigos, diga-lhe apenas que você não pode "expressar uma
opinião", e veja se isso cola. Vamos ver se isso funciona!
Então Walker deu as notícias realmente más:
Apesar da melhoria dos custos líquidos operacionais do ano fiscal de
2006, e do défice orçamental, o total das responsabilidades
referidas pelo governo norte-americano, compromissos líquidos da
segurança social e outros compromissos fiscais, continua a aumentar,
totalizando agora aproximadamente
50 milhões de milhões
(trillion)
de dólares, representando cerca de
quatro vezes
a produção total do país (PIB) no ano fiscal de 2006,
compromissos esses que foram de
20 milhões de milhões
de dólares em 2000, ou seja,
duas vezes
o PIB desse ano fiscal.
Enquanto este desequilíbrio fiscal de longo prazo continua a crescer,
as reformas da geração "baby boom" estão cada
vez mais próximas, com a primeira onda de "boomers" a atingir
a reforma antecipada da Segurança Social já em 2008.
Tendo em conta estes e outros factores, parece evidente que a actual
trajectória fiscal da nação é
insustentável,
e que são necessárias medidas impopulares a serem definidas pelo
Presidente e pelo Congresso, para corrigir o grande e crescente
desequilíbrio fiscal de longo prazo do país.
Boa! Eu sei que ultimamente David Walker tem
falado muito
sobre a sua preocupação acerca do nosso futuro
económico, mas parece quase impossível ignorar as
implicações destas suas declarações. De 20
milhões de milhões de dólares de compromissos fiscais em
2000, para mais de 50 milhões de milhões de dólares em
apenas seis anos? O que faremos nós quando dispararmos para
100
milhões de milhões de dólares?
E acerca do facto daqueles "boomers" começarem a aposentar-se
em 2008...que parece estar muuuuito para lá no futuro? Porém,
logo após o 1º de Janeiro começamos a referirmo-nos a 2008
como o "próximo ano", em vez de um qualquer "ponto num
futuro demasiado distante para nos preocuparmos agora" . Os nossos
problemas económicos precisam ser classificados como crescentes,
iminentes, e insustentáveis.
E permitam que clarifique alguns aspectos. Os 53 milhões de
milhões de dólares de défice são expressos como
"valor actual líquido". Isso significa que para fazer
desaparecer o défice, teríamos de ter aquela quantia de dinheiro
no banco...
hoje,
a render juros (o GAO usa 5,7% e 5,8% como taxa de rentabilidade
previsível a longo prazo). Volto a dizer: 53 milhões de
milhões de dólares, no banco, hoje. Caramba, eu nem sequer
faço ideia do que é 1 milhão de milhões de
dólares quanto mais 53 vezes isso.
E no próximo ano teríamos que pôr ainda mais dinheiro nesta
conta mítica, simplesmente porque não é possível
obter juros de dinheiro que não depositámos este ano nessa conta
bancária. Para que saibamos, 5.7% sobre 53milhões de
milhões de dólares representam um pouco mais de 3 milhões
de milhões de dólares. Assim se pode constatar como,
relativamente a este aspecto, a matemática está a trabalhar
contra nós. Isto significa que o défice aumentará pelo
menos outros 3 milhões de milhões de dólares, mais alguns
outros défices que o governo possa acrescentar entretanto. Sendo assim,
considere mais 4 milhões de milhões de dólares como uma
previsão para o ano que vem.
Dado a forma cuidada como este tema tem sido evitado pela nossa
nação com o controlo do que tem vindo a luz nos principais
média e durante a última campanha eleitoral, sinto-me por vezes
como se vivesse numa pequena cidade de montanha que decidiu ignorar uma
avalanche que já vem por aí abaixo, para garantir a venda anual
de ski à classe infantil.
O Departamento do Tesouro minimizou tudo o que dizia respeito ao gigantesco e
insustentável défice, mas no relatório do último
ano já fizeram uma abordagem bastante diferente.
Página 10 do relatório:
As responsabilidades líquidas da segurança social
(benefícios que excedem os ingressos estimados) indicam que aqueles
programas estão numa trajectória fiscal insustentável e
serão necessárias tomar medidas difíceis para fazer face
ao seu enorme e crescente desequilíbrio fiscal de longo prazo.
Atrasar a aplicação de medidas correctivas será
dispendioso e as decisões serão mais difíceis de tomar
à medida em que se for tornando real a proximidade da
aposentação da geração "baby boom", com a
primeira onda de "boomers" a atingir a idade de reforma da
Segurança Social em 2008.
Não sei como isto poderia ter sido exposto de forma mais clara. O
Departamento do Tesouro dos EUA emitiu um relatório público
advertindo que estamos num caminho insustentável e que enfrentamos
medidas difíceis, que serão tão mais dispendiosas quanto
mais demorarmos a decidir.
Talvez a razão, que possibilitou que as obrigações e o
dólar dos EUA se tivessem aguentado tão bem, é que
nós somos de longe os únicos nesta situação. Num
recente artigo detalhando as razões de vir a acontecer uma
possível perda de valor da libra esterlina do Reino Unido, podemos ler
esta terrível evidência:
Oficialmente, (o Reino Unido) a dívida líquida do sector
público está em 486,7 mil milhões de libras. Isso é
igual a 953,9 mil milhões de dólares e representa um pouco menos
de 38% do PIB. Acrescentando porém, a dívida do estado "fora
do balanço" que inclui as pensões dos
funcionários do estado o total atinge um valor quase três
vezes mais elevado. Uma pesquisa do Centro de Estudos Políticos em
Londres conclui que isto poderia levar a dívida do Reino Unido a atingir
o valor surpreendente de 103% do PIB.
Porém, se fizermos os mesmos cálculos para os EUA, descobrimos
que a dívida oficial está em 8.507 mil milhões de
dólares, ou seja, 65% do PIB (nominal), mas quando somamos os items que
temos "fora do balanço", concluímos que a dívida
interna se encontra nos 53 milhões de milhões de dólares,
o que representa
403% do PIB.
Mas é algo verdadeiramente terrível, surpreendente. Pode-se
classificar isto como se quiser. Mais de quatrocentos por cento do PIB (!). E
apenas ao nível federal. Com facilidade poderíamos tornar esta
história um pouco mais fúnebre se incluíssemos os
défices estatais, municipais e corporativos. Mas não
façamos essas contas.
Vejamos o que significa em termos simples o défice federal:
1) Não existe qualquer maneira de "superar este problema".
O que ressalta disto é que a situação financeira dos EUA
deteriorou-se em mais de 22 milhões de milhões de dólares
em apenas quatro anos, e 4,5 mil milhões só nos últimos
doze meses (ver o quadro abaixo, da página 10 do relatório). O
problema não "melhorou" como resultado do excelente
crescimento económico verificado nos últimos três anos, mas
muito pelo contrário, piorou e aparentemente está aceleradamente
a piorar.
Qualquer enfraquecimento económico só exacerbará o
problema. Não nos devemos esquecer que os pressupostos
orçamentais do governo dos EUA apontam para um crescimento nominal do
PIB de 5% ao ano, pelo menos até 2011. Por outras palavras, porque
não se considera qualquer fraqueza económica em nenhuma das
projecções deficitárias apresentadas, os 53 milhões
de milhões de dólares poderiam estar a ser avaliados por baixo.
Mais, nenhum dos custos de longo prazo associados com as guerras no Iraque e no
Afeganistão são considerados em quaisquer dos números
apresentados (pensamos que estejam para além dos 2 milhões de
milhões de dólares mais).
2) O futuro será estabelecido com níveis de vida mais baixos.
Como
Lawrence Kotlikoff destacou
no seu trabalho intitulado
"Estão os EUA na bancarrota?" publicado na net no sítio
da Reserva Federal de St. Louis, a insolvência dos EUA no mínimo
exigirá alguma combinação da diminuição dos
custos da Segurança Social com o aumento dos impostos. Ambos implicam
menos dinheiro nos bolsos do contribuinte e, como disse anteriormente, menos
dinheiro significa um nível de vida mais baixo.
3) Todos os governos que tiveram de enfrentar esta situação
optaram
por "estabelecer a sua forma de sair do problema".
Isto é um facto histórico e o nosso país não
apresenta nenhum indicador, infelizmente, de possuir uma marca
indiscutível de coragem política necessária para tomar um
caminho diferente. Em termos simples isto significa você & eu
enfrentaremos um futuro de inflação incomodamente elevada,
possivelmente de hiperinflação se o dólar dos EUA perder
nalgum ponto desse caminho a sua posição de moeda de reserva
internacional.
Claro que é impossível estabelecer a nossa forma de sair desta
situação difícil, porque imprimir dinheiro é o
mesmo que criar inflação, e portanto, fazer recair sobre todos um
"imposto encoberto". Faça a seguinte avaliação:
qual é a diferença em ter metade de seu dinheiro directamente
levado (através de impostos) pelo governo, ou ter metade desse seu valor
desaparecido devido à inflação? Nenhuma. Excepto que a
primeira é um suicídio político, enquanto que a segunda
nunca é discutida convenientemente pela imprensa económica de
referência dos EUA (por alguma razão), e portanto não vai
ser percebida pela maioria das pessoas, como o resultado completamente
previsível dos gastos deficitários. O que se conseguirá na
realidade com tudo o que se estabelecer para resolver este problema, é
serem preservados alguns empregos em Washington, e serem dizimadas a classe
média e a classe baixa.
Em resumo, gostaria de saber quanto tempo mais poderemos nós fingir que
este problema não existe. Quanto tempo poderemos nós continuar a
comprar acções e casas sob hipoteca, esquecendo-nos de poupar,
continuando o aumento sem fim da dívida, a importar produtos chineses, e
a exportar dívida? Estas actividades terão alguma utilidade
quando existe uma avalanche económica que se aproxima de nós?
Infelizmente não sou suficientemente inteligente para conhecer a
resposta. Eu só sei que ter a esperança de que um problema
tão significativo e de tão grande dimensão como este
desapareça não é uma estratégia ganhadora.
Sei que nós, como nação, devemos, a nós mesmos,
promover uma dura discussão, tão imediata quanto possível,
sobre o que pensamos acerca do nosso futuro financeiro. E eu suspeito que essa
discussão terá de começar aqui mesmo, entre você e
eu, porque não consigo vislumbrar sequer que a nossa actual amostra de
líderes possa distinguir entre aquilo que é urgente e o que
é expediente.
O que precisamos é de uma boa campanha de base à moda antiga.
Enquanto isso, não conheço qualquer maneira de alguém se
proteger totalmente contra as devastações económicas
resultantes das mal administradas instituições monetária e
fiscal. Se servir para alguma coisa, informo que tenho investido muito em ouro
e prata, e continuarei a investir até que as instituições
acima mencionadas escolham confrontar "o que é" ao
invés de "o que é conveniente". Isto poderia ser um
investimento a muito longo prazo.
Será que está chocado?
[*]
Comentarista americano, politicamente conservador.
O original encontra-se em
http://drmss.com/wordpress/?p=17
. Tradução de MJS.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|