Greenspan e a economia da cobiça
Como o império decai
por Paul Craig Roberts
[*]
As memórias do antigo presidente do Fed, Alan Greenspan
[1]
, colocaram-no
nos noticiários destes últimos dias. Ele inquietou Republicanos
com os seus comentários sobre vários presidentes, com George W.
Bush a levar as pedradas e Clinton as louvações, e ao dizer que a
invasão do Iraque de Bush tinha a ver com petróleo e não
com armas de destruição em massa (ADM).
Os opositores às guerras de Bush saudaram a declaração de
Greenspan, pois as mesmas desnudam o pretexto moral de Bush para a
agressão, deixando desmascarada a cobiça nua.
Não há dúvida de que o Iraque não foi invadido
devido a ADMs, as quais a administração Bush sabia não
existirem. Mas o pretexto do petróleo também é falso. Os
EUA podiam ter comprado um bocado de petróleo com o milhão de
milhões
(trillion)
que a invasão do Iraque já custou em despesas desembolsadas e em
despesas futuras já comprometidas.
Além disso, a invasão de Bush do Iraque, ao piorar o
défice americano e provocar a dependência de empréstimos
estrangeiros, minou o papel do dólar como divisa de reserva,
ameaçando portanto a capacidade da América de pagar pelas suas
importações. O próprio Greenspan disse que o US
dólar "não apresenta assim tanta vantagem" e podia ser
substituído pelo Euro como divisa de reserva. No fim do ano, disse
Greenspan, os bancos centrais estrangeiros já mantinham 25 por cento das
suas reservas em Euros e 9 por cento em outras divisas estrangeiras. O papel
do dólar contraiu-se em 66 por cento.
Se o dólar perder o seu status de divisa de reserva, os EUA teriam
magicamente de mover-se de um défice comercial de US$800 mil
milhões para um excedente comercial de modo a que o país pudesse
ganhar suficientes Euros para pagar as suas importações de
petróleo e bens manufacturados.
As guerras de Bush são acerca da hegemonia americana, não do
petróleo. As companhias petrolíferas não escreveram o
Project for a New American Century
dos neoconservadores, o qual
apela à hegemonia americano/israelense sobre todo o Médio
Oriente, uma hegemonia que convenientemente removeria obstáculos
à expansão territorial israelense.
A indústria petrolífera afirmou a sua influência
após a invasão. No seu livro,
Hospício armado (
Armed Madhouse
),
Greg Palast, repórter investigador da BBC, documenta que o interesse da
indústria petrolífera americana é muito diferente captura
do petróleo. Palast mostra que os interesses das companhias americanas
de petróleo coincidem com os da OPEP. As companhias querem um fluxo
controlado de petróleo que resulte em preços firmes e altos.
Consequentemente, a indústria petrolífera americana bloqueou o
plano neoconservador, incubado na Heritage Foundation e destinado à
Arábia Saudita, de utilizar petróleo iraquiano para arruinar a
OPEP.
Saddam caiu em perturbações porque num momento ele cortava a
produção para apoiar os palestinos e no momento seguinte bombeava
o máximo possível. Movimentos de sobe e desce nos preços
são eventos desestabilizadores para a indústria
petrolífera. Palast relata que um relatório do Council for
Foreign Relation conclui: Saddam é uma "influência
desestabilizadora ... para o fluxo de petróleo para os mercados
internacionais a partir do Médio Oriente".
O aspecto mais notável das memórias de Greenspan é a sua
despreocupação com a perda da manufactura americana. Ao
invés de um problema, ele vê simplesmente uma mudança
benéfica em empregos da "velha" manufactura (aço,
carros e têxteis) para a "nova" manufactura tais como
computadores e telecomunicações. Isto mostra uma notável
ignorância de dados estatísticos da parte de um presidente do
Federal Reserve famoso pelo seu domínio dos números e uma
completa falta de entendimento da deslocalização.
O incentivo à deslocalização de empregos americanos nada
tem a ver com "velhas" e "novas" economias. As
corporações deslocalizam a sua produção porque elas
podem produzir mais barato no exterior o que vendem na América. Quando
corporações trazem a sua produção deslocalizada
para venda nos EUA, os bens representam importações.
Se Greenspan se houvesse incomodado em olhar os dados da balança
comercial americana teria descoberto que em 2006, o último ano de dados
completo, os EUA exportaram US$47.580.000.000 em computadores e importaram
US$101.347.000.000 em computadores, com um défice comercial em
computadore de US$53.767.000.000. Em equipamento de
telecomunicações, os EUA exportaram US$28.322.000.000 e
importaram US$40.250.000.000 com um défice comercial em equipamento de
telecomunicações de US$11.883.000.000.
Greenspan provavelmente não pensou seriamente na
deslocalização porque, como a maior parte dos economistas,
acredita erradamente que a deslocalização é
comércio livre e aprendeu em cursos de ciências económica
décadas atrás, antes do advento da deslocalização,
que o comércio livre não pode fazer qualquer dano.
Durante a maior parte do século XXI tenho estado a destacar que
deslocalização não é comércio, nem livre nem
outro qualquer. É arbitragem de trabalho. Ao substituir trabalho
americano por trabalho estrangeiro na produção de bens e
serviços para mercados americanos, as firmas americanas estão a
destruir as escadas da mobilidade ascendente nos EUA. Até agora
economistas têm preferido as suas ilusões aos factos.
Está a ficar mais difícil para economistas manter nas suas almas
a ilusão de que deslocalização é livre
comércio. Ralph Gomory, o distinto matemático e co-autor
com William Baumol, o último presidente da American Economics
Association , de
Comércio global e interesses nacionais conflitantes (
Global Trade and Conflicting National Interests
),
a mais importante obra em teoria do comércio dos últimos 200
anos, entrou no debate público.
Numa entrevista à
Manufacturing & Technology News
(17/Setembro), Gomory confirma que não há qualquer base na
teoria económica para afirmar que é bom destruir a nossa
própria capacidade produtiva e reconstruí-la num país
estrangeiro. Não é livre comércio quando uma companhia
relocaliza a sua manufactura no exterior.
Gomory afirma que economistas e decisores políticos "ainda
estão a tratar companhias como se elas representassem o país, e
elas não o fazem". As companhias não estão mais
atadas aos interesses dos seus países de origem, porque foi desconectada
a ligação entre a motivação do lucro e o bem estar
de um país. Economistas, destaca Gomory, não estão a
reconhecer as implicações para a teoria económica desta
desconexão.
Um país que deslocaliza a sua própria produção
é incapaz de equilibrar o seu comércio. Os americanos são
capazes de consumir mais do que produzem só porque o dólar
é a divisa de reserva mundial. Contudo, o status do dólar como
divisa de reservas é desgastado pelas dívidas associadas aos
contínuos défices comercial e orçamental.
Os EUA estão a caminho do Armagedão económico. Tosquiado
da indústria, dependente de bens e serviços deslocalizados, e
privado do dólar como divisa de reserva, os EUA tornar-se-ão um
país do terceiro mundo. Gomery observa que seria muito difícil
talvez impossível para os EUA readquirir a capacidade
manufactureira que entregou a outros países.
É um mistério como um povo, cuja política económica
está transformá-lo num país do terceiro mundo com os seus
licenciados por universidades a trabalhar como empregados de mesa, caixeiros de
bares e motoristas de táxi, pode considerar-se como potência
hegemónica ao mesmo tempo que acumula dívidas de guerra que
está a minar a sua futura capacidade de pagar as contas das suas
importações.
20/Setembro/2007
[1]
A era da turbulência
, Editorial Presença, Lisboa, 2007, 572 pgs., ISBN: 9789722338295
[*]
Ex-secretário do Tesouro assistente na administração
Reagan. Foi editor associado da página editorial do
Wall Street Journal
e editor colaborador da
National Review.
É co-autor de
The Tyranny of Good Intentions
. Email:
PaulCraigRoberts@yahoo.com
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/roberts09202007.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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