A economia subprime dos EUA
O que mais importa em economia é muitas vezes o que menos
atenção obtém. É o que acontece com a
ligação entre salários e produtividade: o pagamento
obtido pelos trabalhadores versus o valor do que eles produzem. Mas a maior
parte dos comentadores foca outras coisas. Eles tornam público o que os
seus empregadores querem ver ou o que eles desejam que outros acreditem.
Promotores de acções vêem o mercado a caminho do
crescimento ou mais adiante ao virar a esquina. Políticos no poder
repetem o que dizem os promotores de acções. Aqueles que apostam
em quedas no mercado pagam aos seus comentadores para pintá-lo sombrio.
Políticos fora do poder copiam-nos e prometem, quando eleitos, retomar a
prosperidade de modo a que também possam imitar os promotores das
acções.
Vamos ver os números básicos dos salários e da
produtividade americana, que a maior parte dos comentadores parece evitar. Os
dados vêm do
US Bureau of Labor Statistics
, reunidos e interpretados pelo
Economic Policy Institute (os sítios web do BLS e do EPI são
gratuitos). Para os pormenores acerca destes números ver
www.epi.org/datazone
.
De 1973 a 2005 foi isto o que aconteceu a 80 por cento dos trabalhadores
americanos em empregos não de supervisão: Os seus
salários horários ajustados à
inflação ascenderam de US$15,76 para US$16,11. Ou seja,
ao longo de um período de 32 anos a maior parte dos trabalhadores
americanos desfrutou de impressionante aumento de 2 por cento naquilo que a sua
hora de salário pode comprar. Como as suas semanas de trabalho
encurtaram-se ao longo daqueles anos, o pagamento real por semana o que
eles realmente podiam permitir-se com o pagamento de uma semana
realmente caiu de US$581,67 para US$543,65, um declínio de 6,5 por
cento. Isto significa que os salários dos trabalhadores em 2005 podiam
comprar menos do que em 1973.
Ao longo dos mesmos trinta anos, os trabalhadores americanos produziram 75 por
cento mais. Na linguagem da teoria económica, isto quer dizer quanto a
produção por trabalhador "produtividade"
aumentou. As corporações obtiveram mais 75 por cento de bens e
serviços produzidos por trabalhador. Elas venderam aquela
produção extra e assim obtiveram muito mais rendimento e lucro
por trabalhador empregado. Mas o que elas pagaram àqueles trabalhadores
não aumentou. Salários estagnados não permitiram aos
trabalhadores comprar qualquer produção extra do que produziram.
Por que e como isto acontece? Nas últimas três décadas, as
viagens aéreas, os computadores, a Internet e os telefones celulares
mudaram todos os lugares de trabalho do planeta. As companhias sobreviviam
à competição global se produzissem mais com menos
trabalhadores. Assim, elas mudaram a tecnologia para substituir pessoas por
máquinas, e a seguir pressionaram os empregados restantes a trabalhar
mais arduamente e mais rapidamente. Ao mesmo tempo, elas mudaram a
produção para lugares onde pudessem minimizar custos
através da utilização de tecnologias e métodos de
produção perigosos (pense nos brinquedos contaminados por chumbo
ou comidas de animais de estimação com produtos químicos
perigosos e assim por diante). Talvez elas tenham subornado ou persuadido
autoridades locais a ignorarem a resultante ecológica, a
segurança e os problemas de saúde; talvez elas apenas tenham
olhado para o outro lado como na "falha de supervisão
adequada". Em qualquer caso, o que importa e o que aconteceu foi que a
produtividade aumentou.
Os salários, entretanto, não gotejaram em parte alguma porque as
corporações americana (1) externalizavam o que haviam sido
empregos americanos por trabalho barato além mar; (2) importavam
imigrantes que aceitavam trabalhar por menos; (3) ameaçavam exportar os
seus empregos se os trabalhadores americanos pressionassem por salários
mais altos; e (4) financiavam políticos que legalizavam todas estas
acções e enfraqueciam sindicatos já em retrocesso. Em
1973, contratos colectivos cobriam cerca de 24 por cento dos trabalhadores
americanos não em supervisão. Em 2005, aquele número caiu
para 12,5 por cento.
E como sempre, um crescente exército de comentadores bem pagos nos mass
media glorificaram a "eficiência da economia mundial". Algumas
vezes, surgiam factos perturbantes a ameaçar a constante
celebração (protestos anti-livre-comércio,
escândalos envolvendo exportações tóxicas, etc). Os
ditos comentadores descobriam meios de ignorá-los, desviar a
atenção dos mesmos, e acalmar os seus públicos recordando
as maravilhas da "nova economia moderna".
Mas a importância da ascensão da produção por
trabalhador conjugada com salários reais estagnados é clara para
qualquer um que a queira ver. É a exploração a ficar
pior. A enorme dimensão do fosso produtividade-salários
pós 1975 esmaga todas as minúcias estatísticas habituais.
O fosso entre o padrão de vida que a sua produtividade crescente tornara
possível e o padrão de vida que os seus salários podiam
permitir tornava-se mais vasto a cada ano.
Muitos problemas que agora se desdobram na economia americana decorrem desta
pioria da exploração. Famílias americanas, culturalmente
acostumadas a medir o êxito individual pelos níveis de consumo
atingidos, experimentaram um congelamento de trinta anos sobre quanto os seus
salários podiam comprar. Tivessem elas limitado as compras
àquele rendimento, elas não poderiam ter realizado o sonho
americano do padrão de vida em ascensão. Elas teriam sido
perdedoras.
Assim, elas rebelaram-se. Com os seus salários efectivamente congelados
e nenhum sindicato, partido ou movimento sindical disponível para
descongelá-los, os trabalhadores responderam individualmente. Mulheres
moveram-se maciçamente para acrescentar trabalho assalariado ao seu
trabalho doméstico. Famílias assumiram
dívidas pessoais maciças
. Quando famílias e finanças tornavam-se
instáveis, as ansiedades cresciam. Inquietas por mudanças
amedrontadores a muitos níveis, americanos procuravam tranquilidade ou
fugas de novas pressões. Fundamentalismos desfrutaram de
ressurreições: em igrejas, sinagogas e mesquitas, mas
também em política, patriotismo, "valores da
família" e teoria económica. Os escapismos floresciam
assistência a desportos, drogas, álcool, comida, mas
também aptidão física, pornografia e os tecno-mundos
privados do iPods, blogs, salas de chat.
A sub-prime é um eufemismo que se aplica a muito mais do que a
empréstimos hipotecários de baixa credibilidade
. A
expressão descreve toda a economia dos EUA posterior ao período
1945-1975, após os experimentos do país com o estado
previdência, uma massa de classe média, e consumo ascendente das
massas. Os números da produtividade e dos salários reais
anteriores de 1945 a 1975 eram muito diferentes. A produtividade
cresceu muito mais rápido então do que subsequentemente. Mas a
grande diferença é o que aconteceu aos salários reais:
por hora, eles cresceram 75 por cento de 1947 a 1972, ao passo que por semana
cresceram 61 por cento. Por outras palavras, os salários dos
trabalhadores americanos cresceram então com a sua
elevação de produtividade exactamente o que deixou de
acontecer após meados da década de 1970.
A economia do estado previdência de 1945 a 1975 foi guiada por dois
temores inter-relacionados: de deslizar de volta para a Grande
Depressão e de sucumbir ao socialismo. A história reduziu
bastante tais temores de modo que, após 1975, os negócios puderam
desfazer o New Deal e retornar aos fossos pré-1929 entre ricos e pobres.
A maior parte dos comentadores pagos louva a reacção dos
negócios como se ela fosse boa para toda a gente, mas os trabalhadores a
sofrerem a nova economia sub-prime podem avaliar isso de forma diferente. A
explosão de dívidas de trabalhadores adiou essa
avaliação. Assim como, também, o fundamentalismo,
escapismo e o ruído de todos aqueles comentadores.
Enquanto perdurar, esta economia sub-prime continua a depender muito mais das
respostas dos trabalhadores do que da política do Fed, da
depreciação do dólar ou do endurecimento do
crédito. Contudo, agarrar esta dependência exige que nos
desconectemos daquele outro mundo criado e sustentado pelos negócios e
os seus comentadores e políticos.
[*]
Professor de Ciências Económica na Universidade de Massachusetts -
Amherst. Autor de
muitos livros e artigos
, incluindo (com Stephen Resnick)
Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR
(Routledge,
2002) e (com Stephen Resnick)
New Departures in Marxian Theory
(Routledge, 2006).
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/wolff101007.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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