Velhas distribuições, nova economia
por Rick Wolff e Max Fraad Wolff
[*]
A macro marcha [nos EUA] do retrocesso no rendimento interno e na
distribuição da riqueza tornou-se notável. Pelo menos,
consideramos, o suficiente para anotarmos as observações que se
seguem. Em 2006 a fatia dos lucros corporativos na economia nacional atingiu
outra vez as alturas de 1929.
Salários e rendimentos salariais
romperam o nível vigente durante oito décadas. A nossa nova
economia replica cada vez mais a paisagem distributiva do fim do século
XIX e princípios do XX. Em parte alguma isto é mais claramente
demonstrado do que na relação entre os impostos e os rendimentos
dos mais ricos dentre nós. Numa investigação amplamente
difundida, o professor parisiense
Thomas Piketty
e o seu colega da Universidade da Califórinia-Berkeley, Prof.
Emmanuel Saez
, documentaram quão longe foi o colapso na progressividade do imposto
federal sobre o rendimento.
[1]
Utilizando o seu trabalho,
Center on Budget and Policy Priorities
(CBPP) em Washington elaborou o gráfico ao lado.
[2]
Observe como caíram agudamente as taxas efectivas de imposto sobre os
ganhadores de rendimentos mais elevados na década de 1970. Observe
igualmente como aquelas taxas fiscais realmente ascenderam para o quintil
médio da distribuição de rendimento na década de
1970, só para cair outra vez em anos recentes para o nível
aproximado em que estavam na década de 1960. Tanto Presidentes e
Congressos democratas como republicanos foram responsáveis por tais
tendências. O
endividamento
da nossa economia de vanguarda movida a
Internet tem impedido a compreensão generalizada destas realidades que
remontam ao princípio do século XX. O governo federal toma
emprestado os impostos que deixa de colectar, enquanto gasta à vontade.
Multidões laboriosas fazem o mesmo. Elas tomam emprestado os
salários que não obtiveram e ainda mais. Dessa forma, o consumo
expande-se para 70% do PIB quando os salários caem em percentagem da
nossa economia total.
Para os 1 por cento no topo dos rendimentos familiares estado-unidenses, a taxa
efectiva do imposto sobre o rendimento caiu de cerca de 45% em 1960 para cerca
de 30% em 2004, segundo o CBPP. Ao mesmo tempo, estas famílias dos 1%
do topo viram a porção do rendimento total antes de impostos que
recebia ascender de cerca de 9% em 1960 para mais de 17% em 2004. Para as
pessoas que vivem no milhão de famílias, aproximadamente,
abrangidas nestes 1% do topo, as notícias económicas nunca foram
tão boas. Os escalões mais elevados têm maiores vantagens
nos nossos ciclos de apreciação de activos. Estes
escalões são os dos investidores privados que actuaram melhor
durante os longos booms do mercado de acções (1982-2000),
2003-2007) e nos booms
imobiliários
. A riqueza é cada vez mais
"pesada" no topo da distribuição e geradora de maior
rendimento do que o trabalho. O resto da distribuição do
rendimento nos EUA mergulha mais profundamente no endividamento pessoal. Muito
dinheiro foi feito a emprestar sempre mais para estes últimos. Quando
os rendimentos estagnam e os passivos ascendem, as bolhas de activos sustentam
sonhos e esquemas. Tornámo-nos uma terra de Wal-Marts e Net Jets onde
toda a gente pensa que está na classe média. Toda a gente que
está na fila da nossa nova e melhorada [lei da] bancarrota.
A economia dos EUA ainda está muito envolvida em
alterações e ajustamentos ligados a grandes e prolongadas
mudanças na distribuição do rendimento e do fardo fiscal.
Tenta agarrar-se aos padrões de vida em ascensão, às taxas
de natalidade esperadas, quando as famílias enfrentam crises permanentes
de cash flow e 150 anos de salários reais em crescimento (década
após década) finalizaram com a estagnação
principiada na década de 1970. Como poderia o consumo continuar a
crescer sem o crescimento dos salários? Os impostos sobre as
famílias nunca foram reduzidos significativamente, de modo que a
redução de impostos não podia financiar o consumo. No
primeiro round, a América enviou mais membros das famílias
(especialmente mulheres) para o trabalho. Isto evoluiu para o envio de todos
os membros da família para fazerem mais trabalho (comutando do part-time
para o full-time e tomando segundo empregos). Quando isto se demonstrou
insuficiente, explodiram as dívidas pessoais (hipotecas sobre casas,
linhas de crédito sobre saldos líquidos das casas, auto
empréstimos de cinco anos, dívidas por cartões de
crédito). O achatamento salarial, a globalização e a
engenharia financeira permitiram ultrapassar e esconder o aprofundamento dos
limites e a saúde cambaleante do sistema. A cavalgada tem sido
espectacular, e pode não estar ainda ultrapassada.
Quando o endividamento ascende e os rendimentos estagnam, as poupanças
tornam-se negativas. Os EUA têm uma taxa de poupança
líquida negativa ano após ano. De onde vem todo este
crédito? A desregulamentação financeira global e a
fragilidade crescente dos intermediários financeiros enquadram a
resposta. O
dinheiro barato dos que poupam muito no Sudeste asiático e os excedentes dos exportadores de petróleo
encontram o seu caminho para os consumidores americanos.
Assim, o FMI relata que em 2006 os EUA tomaram
emprestadas 65% das poupanças disponíveis no mundo. Nós
geramos cerca de 22% do PIB global e temos 5% da população da
Terra. Pareceria que a nossa dívida e o nosso consumo privado
moveram-se para fora de limites sustentáveis. Isto tem sido
parcialmente e temporariamente remediado por inovações no
re-empacotamento
(repackaging)
de dívidas e na partilha de riscos. A titularização
(securitization)
da dívida e os derivativos permitem o re-empacotamento sem fim e a
transferência dos riscos de não pagamento para mercados em
rápido crescimento especulativo e de produtos hedging. Assim, o
insustentável torna-se rotineiro, lucrativo e administrável.
O "colapso do meio" na distribuição do rendimento
provavelmente continuará assim como o fardo fiscal alterado. Enquanto
os níveis de endividamento, a ilusão do entendimento e as prontas
mentiras dos responsáveis a isso obrigarem. Os olhos fechados defendem
as pessoas da realidade. Produtores, importadores, grossistas e retalhistas
que evitarem este processo sofrerão reveses. Empresários que
virem a evolução do quadro global identificarão as novas
oportunidades. Tristemente, o público parece pensar que a
regulação do governo é a melhor aposta. Isto mostra que
para ele, assim como para muitos comentadores liberais, não há
consciência de que as redistribuições para cima de que
estão a ressentir-se são sobretudo o resultado de
alterações na política do governo.
Contudo, quando o público começar a apreender a precariedade da
sua posição, esperamos atitudes violentas de re-alinhamento. A
queda rápida no apoio à globalização e o esvanecer
da boa vontade para com o presidente Bush parecerão vagarosos em
comparação com as futuras guinadas na opinião
pública, que prevemos serem ferozes e rápidas.
Notas
1- Thomas Piketty e Emmanuel Saez, "How Progressive Is the U.S. Federal
Tax System? A Historical and International Perspective,"
Journal of Economic Perspectives,
Winter 2007. Thomas Piketty é professor de ciências
económicas na Paris School of Economics. Emmanuel Saez é
professor de ciências económicas na Universidade da
Califórnia Berkeley. Esta análise também se apoia sobre
dados que os autores disponibilizaram na web:
elsa.berkeley.edu/~saez/jep-results-standalone.xls
.
2- Aviva Aron-Dine, escrevendo no sítio web (29/Março/2007) do Center
on Budget and Policy Priorities:
www.cbpp.org/3-29-07tax.htm
.
[*]
Rick Wolff
é Professor de Ciências Económicas na
Universidade de Massachusetts - Amherst. É autor de
muitos livros e artigos
, incluindo (com Stephen Resnick)
Class Theory and History: Capitalism and Communism in the U.S.S.R.
(Routledge, 2002) e (com Stephen Resnick)
New Departures in Marxian Theory
(Routledge, 2006). Max Fraad Wolff é
candidato a doutor em Ciências Económicas na Universidade de
Massachusetts Amherst, e director administrativo de Global MacroScope.
O original encontra-se em
Global MacroScope
e em
http://www.monthlyreview.org/mrzine/ww160407.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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