Declínio e queda do império americano
Quatro cenários para o fim do século americano em 2025
Uma aterragem suave para a América daqui a 40 anos? É melhor
não apostar. O desaparecimento dos Estados Unidos, enquanto
superpotência global, pode chegar muito mais depressa do que se imagina.
Se Washington está convencido que o fim do Século Americano
será lá para 2040 ou 2050, uma avaliação mais
realista das tendências internas e globais sugere que em 2025, apenas
daqui a 15 anos, pode estar tudo acabado excepto a gritaria.
Apesar da aura de omnipotência que a maior parte dos impérios
projecta, uma olhadela para a sua história devia lembrar-nos que eles
são organismos frágeis. A sua ecologia de poder é
tão frágil que, quando as coisas começam a correr mesmo
mal, os impérios normalmente esboroam-se com uma rapidez impiedosa: um
ano apenas para Portugal, dois anos para a União Soviética, oito
anos para a França, 11 anos para os otomanos, 17 anos para a
Grã-Bretanha e, com toda a probabilidade, 22 anos para os Estados
Unidos, a contar do ano crucial de 2003.
Os futuros historiadores identificarão provavelmente a imprudente
invasão do Iraque da administração Bush nesse ano como o
início da queda da América. Mas, ao contrário do banho de
sangue que marcou o fim de tantos impérios do passado, com cidades a
arder e massacres de civis, este colapso imperial do século vinte e um
pode ocorrer de modo relativamente calmo através dos rebentos
invisíveis do colapso económico ou da guerra cibernética.
Mas não tenham dúvidas: quando finalmente acabar o domínio
global de Washington, todos os dias haverá recordações
dolorosas do que tal perda de poder significa para os americanos qualquer que
seja o seu estilo de vida. Como meia dúzia de países europeus
descobriram, o declínio imperialista tende a ter um impacto bastante
desmoralizante numa sociedade, impondo pelo menos uma geração de
privações económicas. À medida que a economia
arrefece, a temperatura política sobe, estimulando frequentemente uma
grave turbulência interna.
Os dados económicos, educativos e militares indicam que, no que se
refere ao poder global dos EUA, as tendências negativas
convergirão rapidamente em 2020 e provavelmente atingirão uma
massa crítica por volta de 2030. O Século Americano, tão
triunfalmente proclamado no início da II Guerra Mundial, estará
esfarrapado e moribundo em 2025, na sua oitava década, e pode pertencer
ao passado em 2030.
Significativamente, em 2008, o National Intelligence Council dos EUA reconheceu
pela primeira vez que o poder global da América estava de facto numa
trajectória de declínio. Num dos seus relatórios
futuristas periódicos, Global Trends 2025, o Conselho citava "a
transferência da riqueza e do poder económico globais actualmente
em curso, grosso modo do ocidente para o oriente" e "sem precedentes
na história moderna", como o principal factor no declínio da
"força relativa dos Estados Unidos mesmo na área
militar". Mas, tal como muita gente em Washington, os analistas do
Conselho previam uma aterragem muito prolongada e muito suave para o
predomínio americano global e albergavam a esperança de que, de
certa forma, os EUA iriam "manter competências militares
únicas
para projectar globalmente o poder militar" durante as
próximas décadas.
Não vão ter essa sorte. Segundo as actuais
projecções, os Estados Unidos vão encontrar-se em segundo
lugar, atrás da China (já a segunda maior economia do mundo) em
produtividade económica por volta de 2026, e atrás da
Índia em 2050. Do mesmo modo, a inovação chinesa
está numa trajectória para a liderança mundial em
ciências aplicadas e em tecnologia militar algures entre 2020 e 2030, na
altura em que o actual suprimento de brilhantes cientistas e engenheiros da
América se reformarem, sem uma substituição adequada por
uma geração mais nova com deficiente instrução.
Em 2020, segundo os planos actuais, o Pentágono jogará uma
última cartada para um império moribundo. Lançará
uma tripla cobertura letal de modernas armas aeroespaciais robóticas
como a última esperança de Washington para manter o poder global
apesar da redução da sua influência económica. Mas
nesse ano, a rede global chinesa de satélites de
comunicações, apoiada pelos super-computadores mais poderosos do
mundo, também estará plenamente operacional, fornecendo a Beijing
uma plataforma independente para o armamento do espaço e um poderoso
sistema de comunicações para ataques de mísseis ou
cibernéticos em todos os quadrantes do globo.
Embrulhada numa arrogância imperial, tal como Whitehall ou o Quai d'Orsay
antes dela, a Casa Branca parece imaginar ainda que o declínio americano
será gradual, suave e parcial. No discurso sobre o Estado da
Nação em Janeiro passado, o presidente Obama voltou a garantir
que "eu não aceito um segundo lugar para os Estados Unidos da
América". Dias depois, o vice-presidente Biden ridicularizou a
ideia de que "estamos destinados a cumprir a profecia [do historiador
Paul] de Kennedy de que vamos ser uma grande nação que falhou
porque perdemos o controlo da nossa economia e exagerámos". Do
mesmo modo, ao escrever na edição de Novembro da revista
institucional
Foreign Affairs,
o guru da política neoliberal Joseph Nye afastou qualquer conversa
sobre o crescimento económico e militar da China, desdenhando
"metáforas enganadoras de declínio orgânico" e
negando que estivesse em marcha qualquer deterioração do poder
global dos EUA.
Os americanos vulgares, que vêem os seus empregos a fugir para
além-mar, têm uma perspectiva mais realista do que os seus lideres
mimados. Uma sondagem de opinião de Agosto de 2010 chegou à
conclusão de que 65% dos americanos estão convencidos de que o
país já se encontra "numa situação de
declínio". A Austrália e a Turquia, tradicionais aliados
militares dos EUA, já estão a usar as suas armas fabricadas por
americanos em manobras aéreas e navais conjuntas com a China. Os
parceiros económicos mais próximos da América já
estão a distanciar-se de Washington quanto à
oposição às taxas de câmbio da China. Quando o
presidente regressou da sua visita à Ásia no mês passado,
um cabeçalho tristonho do
New York Times
resumia a situação desta maneira: "A visão
económica de Obama é rejeitada no palco mundial, a China, a
Grã-Bretanha e a Alemanha desafiam os EUA, Conversações
comerciais com Seul também falham".
Vista numa perspectiva histórica, a questão não é
se os Estados Unidos vão perder o seu incontestado poder global, mas
qual o grau de rapidez e de violência que o declínio terá.
Em vez do pensamento desejoso de Washington, vamos utilizar a própria
metodologia futurista do National Intelligence Council para sugerir quatro
cenários realistas para ver como o poder global dos EUA pode chegar ao
fim nos anos 20, seja com um golpe ou com um gemido (acompanhados de quatro
análises correspondentes da situação actual). Os
cenários futuros incluem: declínio económico, choque
petrolífero, desventuras militares e III Guerra Mundial. Embora estas
não sejam as únicas possibilidades no que se refere ao
declínio americano ou mesmo ao seu colapso, constituem uma visão
sobre um futuro próximo.
Declínio económico: Situação actual
Existem presentemente três ameaças principais para a
posição dominante da América na economia global: perda de
peso económico graças à quota minguante do comércio
mundial, declínio da inovação tecnológica americana
e fim da situação privilegiada do dólar enquanto divisa de
reserva global.
Em 2008, os Estados Unidos já tinham descido para o número
três nas exportações globais de mercadorias, com apenas 11%
em comparação com 12% para a China e 16% para a União
Europeia. Não há nenhuma razão para crer que esta
tendência se vá inverter.
A liderança americana na inovação tecnológica
também está em decadência. Em 2008, os EUA ainda eram o
número dois a seguir ao Japão nos pedidos de patentes mundiais
com 232 mil, mas a China estava a aproximar-se rapidamente com 195 mil,
graças a um aumento fulgurante de 400% desde 2000. Um arauto de maior
declínio: em 2009 os EUA atingiram o último lugar na
classificação entre os 40 países analisados pela
Information Technology & Innovation Foundation no que se refere a
"mudança" em "competitividade global com base na
inovação" durante a década anterior. A dar mais peso
a estas estatísticas, o Ministério da Defesa da China divulgou em
Outubro o super-computador mais rápido do mundo, o Tianhe-1A, tão
poderoso, disse um especialista dos EUA, que "estoira com a actual
máquina nº 1" na América.
Acrescentem a isto a clara evidência de que o sistema educativo dos EUA,
a fonte dos futuros cientistas e inovadores, tem vindo a ficar para trás
em relação aos seus competidores. Depois de liderar o mundo
durante décadas, no que se refere a gente entre os 25 e os 34 anos de
idade com graus universitários, o país mergulhou para 12º
lugar em 2010. O Fórum Económico Mundial classificou os Estados
Unidos com um medíocre 52º lugar entre 139 países quanto
à qualidade do ensino universitário de matemática e
ciências em 2010. Actualmente, quase metade de todos os estudantes
formados em ciências nos EUA são estrangeiros, a maioria dos quais
regressará aos seus países, em vez de se manter aqui como
acontecia anteriormente. Por outras palavras, em 2025, os Estados Unidos
enfrentarão provavelmente uma escassez crítica de cientistas
talentosos.
Estas tendências negativas estão a estimular críticas cada
vez mais duras ao papel do dólar como divisa de reserva mundial.
"Os outros países já não estão dispostos a
comprar a ideia de que os EUA sabem o que é o melhor em política
económica", observou Kenneth S. Rogoff, um antigo economista de
topo do Fundo Monetário Internacional. Em meados de 2009, quando os
bancos centrais mundiais detinham um valor astronómico de 4
milhões de milhões de dólares em notas do Tesouro
americano, o presidente russo Dimitri Medvedev insistia que era tempo de acabar
com "o sistema unipolar mantido artificialmente" baseado "numa
divisa de reserva que antigamente era forte".
Simultaneamente, o governador do banco central da China sugeria que o futuro
poderá assentar numa divisa de reserva global "desligada de
países individuais" (ou seja, o dólar dos EUA). Considerem
isto como indicadores de um mundo futuro, e duma possível tentativa,
conforme referiu o economista Michael Hudson, "para acelerar a
falência da ordem mundial financeiro-militar dos Estados Unidos".
Declínio económico: Cenário 2020
Em 2020, depois de anos de gordos défices alimentados por
intermináveis guerras em países distantes, e conforme esperado
há muito, o dólar dos EUA perde finalmente o seu estatuto
especial como divisa de reserva mundial. Subitamente, o custo das
importações dispara. Impossibilitado de pagar os défices
enormes através da venda ao estrangeiro das notas do Tesouro agora
desvalorizadas, Washington é finalmente forçado a reduzir o seu
inchado orçamento militar. Debaixo da pressão interna e externa,
Washington faz regressar lentamente as forças americanas das centenas de
bases ultramarinas para um perímetro continental. Mas agora já
é tarde demais.
Confrontados com uma superpotência moribunda incapaz de pagar as contas,
a China, a Índia, o Irão, a Rússia e outras
potências, grandes e regionais, desafiam provocadoramente o
domínio dos EUA sobre os oceanos, o espaço e o
ciber-espaço. Entretanto, no meio de preços altos, de um
desemprego sempre crescente e de uma queda continuada dos salários
reais, as divisões internas resultam em choques violentos e debates
fracturantes, muitas vezes sobre questões totalmente irrelevantes. Na
crista de uma onda política de desilusão e desespero, um patriota
da extrema-direita conquista a presidência com retórica
retumbante, exigindo respeito para com a autoridade americana e
ameaçando retaliação militar ou represálias
económicas. O mundo não liga nenhuma quando o Século
Americano termina em silêncio.
Choque petrolífero: Situação actual
Uma consequência do poder económico moribundo da América
tem sido a sua dificuldade nos abastecimentos globais de petróleo.
Ultrapassando a economia ávida de gasolina da América, a China
passou a ser o maior consumidor de energia este Verão, uma
posição que os EUA mantiveram durante mais de um século. O
especialista em energia Michael Klare argumenta que esta mudança
significa que a China vai "assumir o comando na definição do
nosso futuro global".
Em 2025, o Irão e a Rússia vão controlar quase metade do
abastecimento mundial de gás natural, o que potencialmente lhes
dará uma vantagem enorme sobre a Europa faminta de energia. Acrescentem
as reservas de petróleo a esta mistura e, conforme alertou o National
Intelligence Council, dentro de apenas 15 anos, a Rússia e o Irão
poderão "emergir como os reis da energia".
Apesar duma espantosa capacidade de invenção, as grandes
potências petrolíferas estão neste momento a esgotar as
grandes bacias de reservas petrolíferas que são de
extracção fácil e barata. A grande lição do
desastre petrolífero do Deep Horizon no Golfo do México
não foi o padrão negligente de segurança da BP, mas o
simples facto que toda a gente viu no "pequeno ecrã": os
gigantes da energia já não têm alternativa senão
procurar aquilo que Klare designa por "petróleo
difícil" a quilómetros abaixo da superfície do oceano
para conseguir manter os seus lucros.
A agravar o problema, os chineses e os indianos tornaram-se repentinamente
enormes consumidores de energia. Mesmo que os abastecimentos de
combustíveis fósseis se mantivessem constantes (o que não
acontece), a procura, e portanto os custos, aumentará certamente
e de forma acentuada. Outras nações desenvolvidas estão a
enfrentar esta ameaça de uma forma agressiva dedicando-se a programas
experimentais para desenvolver fontes de energia alternativas. Os Estados
Unidos seguiram um caminho diferente, fazendo muito pouco para desenvolver
energias alternativas ao mesmo tempo que, nos últimos trinta anos,
duplicaram a sua dependência das importações de
petróleo estrangeiro. Entre 1973 e 2007, as importações de
petróleo aumentaram de 36% da energia consumida nos EUA para 66%.
Choque petrolífero: Cenário 2025
Os Estados Unidos mantêm-se tão dependentes do petróleo
estrangeiro que qualquer pequena evolução adversa no mercado
global de energia em 2025 provoca um choque petrolífero. Em
comparação, o choque petrolífero de 1973 (quando os
preços quadruplicaram em poucos meses) não é nada.
Irritados com a queda do valor do dólar, os ministros do Petróleo
da OPEP, num encontro em Ryadh, exigem os pagamentos futuros da energia num
"cabaz" de ienes, iuans e euros. O que só contribui para
aumentar o custo das importações do petróleo dos EUA. Na
mesma altura, enquanto assinam uma nova série de contratos de entrega a
longo prazo com a China, os sauditas estabilizam as suas próprias
reservas de divisas estrangeiras mudando para o iuan. Entretanto, a China
injecta milhares de milhões na construção de um enorme
oleoduto trans-Ásia e no financiamento da exploração no
Irão do maior campo de gás natural do mundo, em South Pars no
Golfo Pérsico.
Com a preocupação de que a Marinha dos EUA já não
seja capaz de proteger os petroleiros que viajam do Golfo Pérsico para
abastecer a Ásia oriental, uma coligação de Teerão,
Riad e Abu Dabi forma uma inesperada nova aliança do Golfo e afirma que
a nova frota da China de porta-aviões ligeiros passará a
patrulhar o Golfo Pérsico a partir duma base no Golfo de Oman. Sob uma
forte pressão económica, Londres concorda em cancelar o aluguer
aos EUA da sua base na ilha de Diego Garcia no Oceano Indico, enquanto
Camberra, pressionada pelos chineses, informa Washington que a Sétima
Frota deixou de ser bem-vinda para usar Fremantle como porto de abrigo,
expulsando assim na prática a Marinha dos EUA do Oceano Indico.
Duma penada, e após alguns avisos sucintos, a 'Doutrina Carter', segundo
a qual o poder militar dos EUA iria proteger eternamente o Golfo
Pérsico, é posta de parte em 2025. Todos os elementos que
há muito garantiam aos Estados Unidos abastecimentos ilimitados de
petróleo a baixo preço daquela região
logística, taxas de câmbio e poder naval evaporam-se. Nesta
altura, os EUA ainda conseguem cobrir uns insignificantes 12% das suas
necessidades energéticas a partir da sua alternativa embrionária
da indústria energética e mantém-se dependente das
importações de petróleo para metade do seu consumo de
energia.
O choque petrolífero que se segue atinge o país como um
furacão, disparando os preços para alturas impressionantes,
tornando as viagens uma proposta extremamente cara, colocando os
salários reais (que há muito estavam em declínio) em queda
livre e tornando não competitivas as poucas exportações
americanas que ainda restam. Com os termóstatos a descer, os
preços da gasolina a furar o tecto, e os dólares a fugir mar fora
em troca do petróleo caro, a economia americana fica paralisada. Com as
alianças há muito desgastadas no fim e as pressões fiscais
a aumentar, as forças militares americanas começam finalmente uma
retirada encenada das suas bases ultramarinas.
Em poucos anos, os EUA estão funcionalmente na falência e o
relógio aproxima-se da meia-noite do Século Americano.
Aventuras militares desastrosas: Situação actual
Contrariando o bom senso, à medida que o seu poder enfraquece, os
impérios embarcam frequentemente em aventuras militares desastrosas e
mal aconselhadas. Este fenómeno é conhecido entre os
historiadores do império como "micro-militarismo" e parece
envolver esforços psicologicamente compensadores para salvar o estigma
da retirada ou da derrota ocupando novos territórios, mesmo que breve e
catastroficamente. Estas operações, irracionais mesmo do ponto de
vista imperialista, representam muitas vezes gastos hemorrágicos ou
derrotas humilhantes que só aceleram a perda do poder.
Em todas as épocas, os impérios bélicos sofrem de uma
arrogância que os leva a mergulhar cada vez mais profundamente em
aventuras desastrosas até que a derrota se transforma em derrocada. Em
413 AC, uma Atenas enfraquecida enviou 200 barcos para serem massacrados na
Sicília. Em 1921, uma Espanha imperialista moribunda enviou 20 mil
soldados para serem dizimados pelos guerrilheiros berberes em Marrocos. Em
1956, um Império Britânico em decadência destruiu o seu
prestígio atacando o Suez. E em 2001 e 2003, os EUA ocuparam o
Afeganistão e invadiram o Iraque. Com a arrogância que define os
impérios ao longo dos milénios, Washington aumentou o
número de efectivos no Afeganistão para 100 mil, alargou a guerra
até ao Paquistão, e prolongou o seu compromisso até 2014 e
para além disso, namorando desastres grandes e pequenos neste
cemitério de impérios com armas nucleares, infestado por
guerrilhas.
Aventuras militares desastrosas: Cenário 2014
O 'micro-militarismo" é tão irracional, tão
imprevisível, que cenários aparentemente irreais rapidamente
são ultrapassados pelos acontecimentos reais. Com as forças
militares americanas esticadas desde a Somália às Filipinas e as
tensões crescentes em Israel, no Irão e na Coreia, são
múltiplas as combinações possíveis para uma crise
militar desastrosa no estrangeiro.
Estamos a meio do Verão de 2014 e uma reduzida guarnição
americana no Kandahar em guerra no sul do Afeganistão é
súbita e inesperadamente invadida por guerrilheiros talibãs,
enquanto a aviação americana está no chão por causa
duma tempestade de areia que impede a visão. São feitas pesadas
baixas e, em retaliação, um comandante americano envergonhado
envia bombardeiros B-1 e caças F-16 para demolir bairros suburbanos da
cidade que se julga estarem sob controlo dos talibãs, enquanto
helicópteros equipados com metralhadoras AC-130U "Spooky"
varrem os escombros com um devastador fogo de canhões.
Imediatamente, os mullahs começam a pregar a jihad nas mesquitas por
toda a região, e unidades do exército afegão, treinados
por forças americanas para dar a volta à guerra, começam a
desertar em massa. Então, os combatentes talibãs desencadeiam uma
série de ataques extremamente sofisticados, visando as
guarnições dos EUA em todo o país, fazendo aumentar as
baixas americanas. Em cenas que fazem recordar Saigão em 1975,
helicópteros americanos resgatam soldados e civis americanos nos
telhados de Cabul e Kandahar.
Entretanto, irritados com o beco sem saída interminável que
já dura há décadas no que se refere à Palestina, os
lideres da OPEP impõem um novo embargo petrolífero aos EUA como
protesto pelo seu apoio a Israel, assim como pela matança de
número incontável de civis muçulmanos nas suas guerras em
curso por todo o Grande Médio Oriente. Com os preços da gasolina
a subir em espiral e as refinarias a ficarem secas, Washington toma a
decisão de enviar forças de Operações Especiais
para conquistar os portos petrolíferos do Golfo Pérsico. Isto,
por sua vez, incentiva uma onda de ataques suicidas e a sabotagem de oleodutos
e de poços de petróleo. Enquanto nuvens negras se acumulam no
céu e os diplomatas se levantam na ONU para denunciar asperamente as
acções americanas, comentadores em todo o mundo fazem ressuscitar
a história para brandir este "Suez da América", uma
referência explícita à derrocada de 1956 que marcou o fim
do Império Britânico.
III Guerra Mundial: Situação actual
No Verão de 2010, as tensões militares entre os EUA e a China
começaram a aumentar no Pacífico ocidental, outrora considerado
um 'lago' americano. Ainda um ano antes ninguém teria previsto uma
evolução destas. Tal como Washington se aproveitou da sua
aliança com Londres para se apropriar de grande parte do poder global da
Grã-Bretanha depois da II Guerra Mundial, também a China
está a utilizar agora os proveitos do seu comércio de
exportações para os Estados Unidos para financiar o que parece
vir a ser um desafio militar ao domínio americano nas águas da
Ásia e do Pacífico.
Com os seus recursos cada vez maiores, Beijing está a reclamar um vasto
arco marítimo desde a Coreia à Indonésia há muito
dominado pela Marinha dos EUA. Em Agosto, depois de Washington ter manifestado
um "interesse nacional" no Mar do Sul da China e de ali ter efectuado
exercícios navais para reforçar essa pretensão, o Global
Times oficial de Beijing respondeu asperamente, dizendo, "O confronto de
forças EUA-China em relação à questão do Mar
do Sul da China fez subir a parada quanto à decisão de qual vai
ser o verdadeiro futuro governante do planeta".
No meio de tensões crescentes, o Pentágono relatou que Beijing
já detém "a capacidade de atacar
porta-aviões
[americanos] no Oceano Pacífico ocidental" e visar
"forças nucleares por todo
o continente dos Estados
Unidos". Ao desenvolver "capacidades ofensivas de guerra nuclear,
espacial e cibernética", a China parece determinada a competir pelo
domínio daquilo a que o Pentágono chama "o espectro de
informação em todas as dimensões do campo de batalha
moderno". Com o desenvolvimento em curso do poderoso super míssil
Longo Alcance V, assim como com o lançamento de dois satélites em
Janeiro de 2010 e outro em Julho, num total de cinco, Beijing deu sinal de que
o país estava a dar passos rápidos na direcção de
uma rede "independente" de 35 satélites para capacidades de
posicionamento global, de comunicações e de reconhecimento
até 2020.
Para conter a China e alargar a sua posição militar globalmente,
Washington pretende montar uma nova rede digital de robótica
aérea e espacial, capacidades avançadas de guerra
cibernética e vigilância electrónica. Os estrategas
militares esperam que este sistema integrado envolva a Terra numa grelha
cibernética capaz de ofuscar exércitos inteiros no campo de
batalha ou de caçar um simples terrorista no campo ou na favela. Em
2020, se tudo correr conforme planeado, o Pentágono vai lançar um
escudo de três camadas de pequenos aviões espaciais de controlo
remoto que vão da estratosfera até à exosfera,
armados com mísseis ágeis, ligados por um elástico sistema
de satélite modular e manobrados inteiramente por vigilância
telescópica.
Em Abril passado, o Pentágono fez história. Alargou as
operações dos aviões de controlo remoto até
à exosfera lançando calmamente o X-37B, um veículo
espacial não tripulado, para uma órbita baixa a 410 km acima do
planeta. O X-37B é o primeiro de uma nova geração de
veículos não tripulados que vão marcar o total armamento
do espaço, criando uma arena para futuras guerras diferente de tudo o
que já se viu.
III Guerra Mundial: Cenário 2025
A tecnologia do espaço e a guerra cibernética são coisas
tão novas e sem estarem testadas que até os cenários mais
estranhos podem vir a ser ultrapassados por uma realidade que ainda é
difícil de conceber. Mas se utilizarmos apenas o tipo de cenários
que a própria Força Aérea usou no seu Jogo de Capacidades
Futuras 2009, podemos obter "uma melhor compreensão de como o ar, o
espaço e o ciber espaço se sobrepõem na guerra" e
começar a imaginar como poderá ser realmente travada uma
próxima guerra mundial.
São 11:59 da noite de quinta-feira de Acção de
Graças em 2025. Enquanto os ciber-compradores se apinham nos portais da
Melhor Compra para beneficiar dos grandes descontos na última palavra de
aparelhos electrónicos domésticos chineses, os técnicos da
Força Aérea dos EUA no Telescópio de Vigilância
Espacial em Maui engasgam-se com o café quando os seus ecrãs
panorâmicos se apagam subitamente. A milhares de quilómetros, no
centro de operações do Ciber-Comando dos EUA, no Texas, os
ciber-guerreiros depressa detectam binários maliciosos que, embora
lançados anonimamente, mostram as distintas impressões digitais
do Exército de Libertação de Pequim.
O primeiro ataque aberto é um ataque que ninguém previra.
"Vírus" chineses apoderam-se do controlo da robótica a
bordo de um avião "Vulture" americano, de controlo remoto,
não tripulado, alimentado a energia solar, quando ele se encontra a 70
mil pés de altitude sobre o Estreito Tsushima entre a Coreia e o
Japão. Este dispara subitamente toda a carga de mísseis
transportada na sua enorme envergadura de 120 metros, enviando dezenas de
mísseis letais que mergulham inofensivamente no Mar Amarelo, desarmando
eficazmente essa arma formidável.
Decidido a combater o fogo com fogo, a Casa Branca autoriza um ataque de
retaliação. Confiante em que o seu sistema satélite F-6
"Fractionated, Free-Flying" é impenetrável, os
comandantes da Força Aérea na Califórnia transmitem
códigos robóticos para a flotilha de aviões espaciais de
controlo remoto X-37B que se deslocam numa órbita a 400 km acima da
Terra, ordenando-lhes que lancem os seus mísseis "Triple
Terminator" contra os 35 satélites da China. Resposta zero. Quase
em pânico, a Força Aérea lança o seu Cruise Vehicle
Hipersónico Falcon para um arco a 160 km acima do Oceano Pacífico
e, 20 minutos depois, envia os códigos de computador para disparar
mísseis contra sete satélites chineses em órbitas
vizinhas. Subitamente os códigos de lançamento deixam de estar
operacionais.
À medida que os vírus chineses alastram descontroladamente pela
arquitectura dos satélites F-6, enquanto os super-computadores
americanos de segunda categoria não conseguem decifrar o diabolicamente
complexo código do vírus, deixam de funcionar sinais de GPS
vitais para a navegação dos navios e aviação
americana em todo o mundo. Porta-aviões começam a andar em
círculos no meio do Pacífico. Esquadrões de caças
aterram. Mortíferos aviões de comando remoto voam sem rumo,
despenhando-se quando se esgota o combustível. Subitamente, os Estados
Unidos perdem o que a Força Aérea americana há muito
chamava "o supremo terreno elevado ": o espaço. Em poucas
horas, o poder militar que dominara o globo durante quase um século, foi
derrotado na III Guerra Mundial sem uma única baixa humana.
Uma Nova Ordem Mundial?
Mesmo que os acontecimentos futuros venham a ser mais sensaborões do que
estes quatro cenários sugerem, todas as tendências significativas
apontam para um declínio muito mais impressionante do poder global
americano em 2025 do que tudo o que Washington parece estar hoje a encarar.
À medida que em todo o mundo os aliados começam a realinhar as
suas políticas para terem conhecimento dos crescentes poderes
asiáticos, o custo de manter 800 ou mais bases militares ultramarinas
vai tornar-se simplesmente insustentável, acabando por forçar uma
retirada encenada numa Washington ainda renitente. Com os EUA e a China numa
corrida para armar o espaço e o ciber-espaço, é
inevitável que aumentem as tensões entre as duas potências,
tornando pelo menos possível um conflito militar em 2025, embora isso
não seja garantido.
A complicar ainda mais as coisas, as tendências económicas,
militares e tecnológicas acima traçadas não
funcionarão isoladamente. Tal como aconteceu aos impérios
europeus depois da II Guerra Mundial, essas forças negativas vão
mostrar-se inquestionavelmente sinérgicas. Vão combinar-se de
formas perfeitamente inesperadas, vão criar crises para as quais os
americanos não estão minimamente preparados e vão
ameaçar precipitar a economia numa súbita espiral descendente,
mergulhando esta nação numa geração ou mais de
miséria económica.
Enquanto o poder dos EUA recua, o passado oferece um espectro de possibilidades
para uma futura ordem mundial. Numa das pontas deste espectro, não se
pode pôr de lado a ascensão de uma nova superpotência
global, embora isso seja pouco provável. Tanto a Rússia como a
China revelam ainda culturas auto-referenciais, escritas difíceis
não romanas, estratégias de defesa regional e sistemas legais
subdesenvolvidos, que lhes negam instrumentos chave para um domínio
global. Portanto, de momento, parece que não há no horizonte
nenhuma superpotência que possa suceder aos EUA.
Numa versão sombria, medonha, do nosso futuro global, uma
coligação de corporações transnacionais, de
forças multilaterais como a NATO e duma elite financeira internacional
talvez pudesse forjar um único elo supra-nacional, possivelmente
instável, que tornaria sem sentido continuar a falar de impérios
nacionais. Enquanto as corporações desnacionalizadas e as elites
multinacionais governariam assumidamente um mundo assim em enclaves urbanos
seguros, a multidão seria relegada para a desolação urbana
e rural.
No 'Planeta Favela'
(Planet of Slums)
, Mike Davis apresenta pelo menos uma visão parcial de um mundo desses.
Defende que os mil milhões de pessoas já amontoadas em
fétidos bairros pobres, tipo favelas, em todo o mundo (e que
chegarão aos dois mil milhões em 2030) formarão "as
'cidades falhadas, selvagens' do Terceiro Mundo
o campo de batalha
característico do século vinte e um". À medida que a
noite se instala nalgumas das futuras super-favelas, "o império
pode impor tecnologias orwelianas de repressão" como
"helicópteros com metralhadoras, tipo vespas, a caçar
inimigos enigmáticos pelas ruas estreitas dos bairros pobres
Todas
as manhãs os bairros respondem com bombistas suicidas e explosões
eloquentes".
A meio caminho do espectro de possíveis futuros, pode emergir um novo
oligopólio global entre 2020 e 2040, com potências em
ascensão como a China, a Rússia, a Índia e o Brasil
colaborando com potências em decadência como a Grã-Bretanha,
a Alemanha, o Japão e os Estados Unidos para imporem um domínio
global ad hoc, parecido com a aliança solta dos impérios europeus
que governaram metade da humanidade por volta de 1900.
Outra possibilidade: a ascensão de hegemonias regionais num regresso a
algo que faz recordar o sistema internacional que funcionou antes de tomarem
forma os impérios modernos. Nesta ordem mundial neo-westfaliana, com as
suas imagens infindáveis de micro-violência e de
exploração sem controlo, cada hegemonia dominará a sua
região a Brasília na América do Sul, Washington na
América do Norte, Pretória na África do Sul, e por
aí afora. O espaço, o ciber-espaço e as profundezas
marítimas, libertos do controlo do antigo "polícia"
planetário, os Estados Unidos, até podem tornar-se áreas
públicas globais, controladas por um Conselho de Segurança das
Nações Unidas alargado ou qualquer órgão ad hoc.
Todos estes cenários são extrapolações de
tendências existentes para um futuro no pressuposto de que os americanos,
cegos pela arrogância de décadas de um poder historicamente sem
paralelo, não possam ou não queiram tomar medidas para gerir a
erosão descontrolada da sua posição global.
Se o declínio da América está de facto numa
trajectória de 22 anos, de 2003 a 2005, então já
esbanjámos a maior parte da primeira década desse declínio
com guerras que nos afastaram dos problemas a longo prazo e, tal como a
água despejada nas areias do deserto, desperdiçaram
milhões de milhões de dólares de que precisamos
desesperadamente.
Se restam apenas 15 anos, ainda se mantém alta a possibilidade de
esbanjá-los todos. O Congresso e o presidente encontram-se actualmente
manietados; o sistema americano está inundado de dinheiro público
destinado a emperrar as obras; e poucas indicações há de
que quaisquer questões de significado, incluindo as nossas guerras, o
nosso estado de segurança nacional, o nosso esfomeado sistema de
educação, e o nosso antiquado fornecimento de energia, sejam
tratadas com a necessária seriedade para assegurar o tipo de aterragem
suave que podia maximizar o papel e a prosperidade do nosso país num
mundo em mudança.
Os impérios da Europa acabaram e o império da América
está a acabar. É cada vez mais duvidoso que os Estados Unidos
venham a ter algo parecido com o êxito da Grã-Bretanha em moldar
uma ordem mundial sucedânea que proteja os seus interesses, preserve a
sua prosperidade e exiba o carimbo dos seus melhores valores.
[*]
Professor de história na Universidade de Wisconsin-Madison,
colaborador frequente de TomDispatch, autor de
Policing America's Empire: The United States, the Philippines, and the Rise of
the Surveillance State
(2009). É também o lider do projecto
"Empires in Transition"
, um grupo de trabalho global de 140 historiadores de
universidades de quatro continentes. Os resultados das suas primeiras
reuniões em Madison, Sidney, e Manila foram publicados como
Colonial Crucible: Empire in the Making of the Modern American State
e as
conclusões da sua última conferência aparecerão no
próximo ano em "Endless Empire: Europe's Eclipse, America's Ascent,
and the Decline of U.S. Global Power".
O original encontra-se em
www.tomdispatch.com/...
. Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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