Até onde irá o crash e o que faremos nós?
Os disparadores imediatos estão a ser descritos muito bem: o colapso do
mercado de hipotecas subprime dos EUA; a vulnerabilidade do resto da economia
à ressaca dos subprime, devido à "eficiência" dos
mercados na diluição do risco; a super-extensão à
escala mundial do crédito barato; o fracaso de grandes investidores
institucionais e firmas de corretagem da Wall Street quanto ao comportamento
responsável; e os efeitos a longo prazo dos défices comercial e
fiscal dos EUA os quais agora retornam à casa de modo permanente.
Espantosamente, alguns comentaristas têm estado a perguntar "se a
crise monetária afectará a economia produtiva" e se
hverá uma recessão pela frente. Na realidade, a economia
produtiva americana tem estado em recessão desde há um ano. Isto
é claramente mostrado pelo declínio do M1, a porção
da oferta monetária imediatamente disponível para as pessoas
fazerem compras.
As causas do declínio do M1 são de duas ordens. Uma é o
fraco poder de compra dos consumidores americanos, pois pelo menos a metade dos
emprego pagos decentemente no sector manufactureiro foram eliminados pelo
outsourcing,
pelas fusões e pelas melhorias de produtividade durante as
últimas duas décadas. A outra é que apesar de muitas das
corporações americanas não conectadas ao sector
habitacional terem estado a fazer tudo certo, o seu êxito dependeu de
investimentos além mar, tais como a GE e a GM que investiram fortemente
na China.
Este tipo de actividade nos negócios estimula os preços das
acções destas corporações globais mas pouco faz
pelo trabalho americano. A presunção de que a abundância
de rendimentos dos accionistas beneficiarão o resto da nossa economia
interna é a essência do "gotejamento"
("trickle-down"),
a teoria económica da oferta, e é parte da
justificação para o sistema que torna os ricos mais ricos e os
pobres mais pobres.
Mas como relatou Barron no principio deste ano, grande parte dos lucros das
corporações globais estão a ser mantidos como rendimentos
retidos para crescimento futuro, ao invés de serem transferidos para os
accionistas como dividendos. Devido à pesada carga de dívida que
hoje oneram as corporações, elas actuam num modo crescer ou
morrer. Mais uma vez, o resultado é o deficiente poder de compra que
actua negando o já duvidoso efeito gotejamento.
A recessão tem sido mascarada por quatro factores: 1) os falsos
números do PIB divulgados pelo governo, em que o exagero de
transacções financeiras é mascarado como
produção:; 2) a espuma sobre o mercado de acções,
que elevou o Dow Jones Médio de pouco mais de 11.000 para um registo
récord durante o período de um ano que terminou com o
declínio principiado em meados de Julho; 3) a propensão do
consumidor americano, que está agora a acabar, para continuar a comprar
bens e serviços a crédito, incluindo necessidades vitais como
cuidados de saúde; e 4) o crescimento modesto nos empregos de baixos
salários na economia de serviços, a qual pode também a
estar chegar ao fim.
Estas bolhas menores reflectiram as grandes que estão a estourar quando
os prestamistas perdem confiança na capacidade dos prestatários
de reembolsar. Estas são a bolha imobiliária, que afecta os
consumidores; a bolha da aquisição, que afecta os equity funds;
e as bolha da especulação, que afecta os hedge funds.
Quando o castelo de cartas desmorona, a principal pergunta nos sítios
web e blogs financeiros é quão profundamente declinará.
Será que para ao nível das recessões das décadas
anteriores, incluindo 2000-2002, com um declínio que se reflicta no Dow
Jones médio em algo em torno dos trinta e cinco por cento do seu pico?
Ou será o cenário "Armagedão" que nos levaria
para condições ao nível da depressão?
Naturalmente, há múltiplas possibilidade baseadas em algo entre
uma recessão e uma depressão que partilhariam algumas destas
características.
A enlamear as águas está o facto de que hoje o Dow Jones
médio é muito menos confiável do que no passado como
medição da saúde económica. Isto ocorre porque
actualmente a grande maioria das transacções financeiras
já se verifica dentro do segredo furtivo dos mercados equity, hedge e
derivativos. Ninguém sabe realmente o que está em andamento,
excepto quando um dia qualquer surge o anúncio de que mais um fundo ou
companhia foram liquidados.
Nem o Federal Reserve nem o governo dos EUA acreditam que têm uma
obrigação de reunir ou publicar dados que ajudem o público
a avaliar os efeitos desta crise nos seus lares ou empregos. Alguns podem
chamar a esta negligência um crime contra a democracia. De facto, o
Federal Reserve tornou-o ainda mais difícil ao cessar de relatar os
números do M3
[NT 1]
, mas investigadores tem mostrado que o crescimento do M3 está a
ascender ao passo que o do M1 está a descer.
O que parece estar a acontecer agora é que o Federal Reserve, que
fiscaliza a economia americana em nome das elites financeiras, corporativas e
governamentais, está deliberadamente a tentar retirar tanta
dívida quanto possível para fora da economia. Ele está a
fazer isto com taxas de juros que são elevadas nas actuais
condições, enquanto tenta evitar o cenário do
Armagedão.
O Fed está a executar uma política de "aterragem suave"
ao mandar o crédito restrito enquanto introduz "liquidez" no
mercados numa base diária através da utilização de
"reposições" overnight e do corte da taxa de desconto
para o empréstimo bancário.
Mas "liquidez" é apenas um lindo nome para mais
empréstimos. A única coisa de que podemos estar certos é
que todo empréstimo tem encargos de juros os quais algum dia, de alguma
forma, terão de ser pagos por uma pessoa que trabalha para viver.
E se perguntar onde é que o Fed obteve os US$ 34 mil milhões de
liquidez que bombeou para os mercados na sexta-feira, 10 de Agosto, não
será o único a fazê-lo. A resposta é que o Fed tem
uma sala secreta nos pisos superiores onde guarda uma grande
"máquina de imprimir". Isto é a
contrafacção legalizada mas, como com qualquer moeda falsificada,
se a aceitam em transacções ela actua exactamente como a moeda
real durante algum tempo.
O perigo, que está a ser destacado por muitos comentadores, é que
o Fed desencadeie uma hiper-inflação, a qual pode estar a
acontecer e pode realmente ser intencional por desvalorizar dívidas.
É o que acontece quando dívidas são utilizadas para pagar
dívidas e isto é de facto um imposto invisível. Tal
inflação é difícil de perceber, mais uma vez por
causa das enganosas estatísticas do governo. O mais importante
indicador a observar é o preço do petróleo, o qual
não é mostrado no índice do chamado "núcleo
inflacionário"
("core inflation").
Mas há sinais de que a "aterragem suave" está a
funcionar, assim como sinais de um modesto incremento nas
exportações americanas. Reflectindo o dólar fraco, a
China agora está a cobrar mais pelas suas próprias
exportações, o que estimulará a nossa indústria
interna. E corte de sexta-feira passada na taxa de desconto do Fed provocou
uma modesta animação no mercado de acções.
Enquanto isso, há um debate sobre se agências
quase-públicas como Fannie Mae e Freddie Mac deveriam ser utilizadas
para disseminar as perdas do mercado habitacional por toda a
população contribuinte. Enquanto a sociedade como um todo
é tornada mais pobre, muito indivíduos que podem ser perdido as
suas casas ou os seus empregos são poupados de algum sofrimento.
É difícil argumentar contra isto. Mas este tipo de
salvação
(bail-out)
beneficiaria mais proprietários individuais de casas do que os grandes
bancos, de modo que os políticos conservadores e os comentaristas
opõem-se a isto.
Mas há um quadro mais vasto. A estratégia do Fed provavelmente
é permitir que a recessão prossiga mas ele quer fazer com que a
economia mova-se outra vez antes que a retracção (dowturn)
vá demasiado longe. De facto, eles provavelmente planeiam fazer isto a
tempo para a eleição presidencial de 2008.
O Fed quer ver uma recuperação por essa altura de modo a que o
público americano volte a dormir e eleja um outro político que
proteja firmemente os privilégios e poderes dos magnatas que,
através dele, dominam o mundo. Mesmo que um novo presidente tenha
algumas ideias progressistas, ele ou ela não serão capazes de
alterar muito se uma recuperação tiver começado.
A "aterragem suave" é uma aposta do poder político.
Foi o que eles fizeram em 1984, quando Ronald Reagan foi reeleito numa campanha
com o tema "É despertar na América", depois de o Fed
amenizar as taxas de vinte por cento que com que arruinou a economia produtiva
entre 1979 e 1983. O Fed fez o mesmo com a bolha imobiliária a fim de
conseguir a reeleição de George W. Bush em 2004.
Os piores temores dos financeiros é que as coisas fiquem tão
más que o povo americano reeleja um reformador em 2008. Até
agora a imprensa corporativa tem mantido nas sombras dois dos tais reformadores
Ron Paul e Denni Kucinich. Agora que Hillary Clinton começa a
soar mais progressista, ataca-a abertamente uma vez que é um actor
demasiado grande para poder ser ignorado. O
Washington Post
já começou.
Assim, veremos no próximo par de anos se o plano do Fed terá
tanto êxito como no passado. Nesse meio tempo, o que permanece
firmemente ancorado é o regime monetarista através do qual os
financeiros e o Fed dominaram a América ao longo dos últimos 36
anos, desde 1971 quando o presidente Richard Nixon encerrou o guiché do
ouro para transacções internacionais.
Durante este período vimos vários fenómenos
inter-relacionados: 1) taxas de juro muito mais altas do que no período
anterior do New Deal e na sua sequência, que durou até a
década de 1960; 2) inflação que corroeu 80 por cento do
valor do dólar; 3) substituição da nossa economia de
produção industrial por uma economia de serviços dominada
pela alta finança; 4) guerra quase contínua com um objectivo
claro de dominação mundial cujo propósito é escorar
o dólar como a divisa de reserva do mundo; 5) dívida
pública, privada e imobiliária sempre em aprofundamento; 6) o
fosso sempre crescente entre ricos e pobres, com números em crescimento
de pobres, sem casa e famintos que são relegados para fora da vida
económica do país; 7) uma crise na infraestrutura em
desmoronamento do país; e 8) a constante espoliação de
mais de 200 milhões de pessoas comuns.
Nossos cidadãos são golpeados como bolas de ping pong entre
condições alternativas de alta e de baixa a cada poucos anos.
Muitos deles vêem desaparecer do dia para a noite as suas casas,
pensões, poupanças, seguro de saúde e empregos. A
acrescer a isto está a crise
(stress)
que corroeu a saúde e mesmo a expectativa de vida da
população americana.
É um quadro horrível criado por um sistema odioso. Eis porque
líderes religiosos durante milhares de anos caracterizaram a usura, e
uma cultura regida pela usura, como um crime contra Deus e a humanidade. O
domínio monetarista do Federal Reserve é a usura legal e
institucionalizada. Ao longo dos anos eles dominaram todas as ferramentas do
comércio, cujo objectivo é permitir continuamente que a
superestrutura financeira desnate a economia produtiva. Não é
como a Mafia costumava trabalhar com a sua protecção e chantagens
de empréstimos extorsivos?
E pode alguma coisa ser feito quanto a isto? Naturalmente.
Em artigos anteriores no sítio web Global Research e alhures este
escritor apresentou uma lista de reformas principalmente
monetárias que poderiam e deveriam ser efectuadas. Todas elas
envolvem o reconhecimento do crédito como uma utilidade pública
(public utility), parte do terreno comum da sociedade, não o recreio
privado dos financeiros, tendo o Fed como seu facilitador.
O crédito a baixo custo sob a fiscalização do governo
federal foi bloco de construção básico do New Deal. Isto
foi feito por pessoas fortes com um ideal de serviço público,
embora sob muitos aspectos elas não fossem suficientemente longe e
confiassem demasiado na Segunda Guerra Mundial e nos armamentos para
alcançar uma economia de pleno emprego. Agora precisamos de um New Deal
para o século XXI que corrigisse os viéses do anterior,
resolvesse a crise actual e nos transportasse para um futuro que beneficiasse a
todos, não apenas uns poucos privilegiados.
18/Agosto/2007
[NT 1]
O Federal Reserve cessou de publicar os dados da oferta de moeda M3 do
dólar americano em 23 de Março de 2006.
Ver
http://www.federalreserve.gov/releases/h6/discm3.htm
. O M3 é a quantidade de moeda disponível numa economia para a
compra de bens e serviços.
[*]
Analista federal aposentado. Trabalhou na U.S. Civil Service Commission, na
Food and Drug Administration, na Casa Branca sob Carter e na NASA, bem como 21
anos no Departamento do Tesouro dos EUA. Seus artigos sobre reforma
monetária, teoria económica e política espacial tem
aparecido em Global Research, Economy in Crisis, Dissident Voice, Atlantic Free
Press e outras publicações. É autor de
Challenger Revealed: An Insider's Account of How the Reagan Administration Caused the Greatest Tragedy of the Space Age
Seu sítio web é
www.richardccook.com
.
O original encontra-se em
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=6575
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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