Um momento de orgulho para o nosso Partido

por Jarvis Tyner [*]

Discurso proferido na ocasião da entrega dos arquivos do Partido Comunista dos EUA à Tamiment Library e Robert F. Wagner Labor Archives da Universidade de Nova York, em 23 de Março de 2007.

Jarvis Tyner. Camaradas, Irmãos e Irmãs:

Este é um momento de orgulho para o nosso partido. Esta colecção contem dezenas de milhares de documentos, livros, panfletos, fotos, registos áudio e visuais que mostram a história real do Partido Comunista dos EUA. Consideramos esta colecção como um tesouro. É uma colecção sem preço. É o registo documentado da história do Partido. Ela mostra que não somos agora nem nunca fomos parte de alguma fictícia conspiração internacional.

Quando aderi ao Partido Comunista, quarenta e sete anos atrás, o Partido estava virtualmente fora da lei sob as disposições do McCarran Act. O próprio diploma legal definia o Partido Comunista dos EUA como parte de uma conspiração internacional dirigida por Moscovo. Aquela definição vinha de Hitler; era a grande mentira de Hitler e os nazis utilizaram-na para racionalizar as histórias dos seus mais odiosos crimes. Sob o McCarran Act a cada dia que um membro do Partido Comunista não se registasse como um "agente de Moscovo" as penalidades eram multas de US$ 10.000 e 10 anos de prisão. E se se registassem seriam processados como espiões. Em suma, a condição de membro do Partido significava bancarrota pessoal e vida prisional. A lei tinha uma disposição para "campo de concentração", de modo que se você estivesse na lista a qualquer momento poderia ser preso e colocado num campo prisional.

Nesta altura, pode-se perguntar, por que aderi? Como jovem trabalhador, aderi porque o Partido estava activamente a combater pelos direitos civis e direitos trabalhistas. Aderi porque os comunistas opunham-se à Guerra Fria e à corrida às armas nucleares e eram pela coexistência pacífica. Aderi porque o Partido era anti-racista, multi-racial e multi-étnico e eu estava a trabalhar com um grupo dedicado de jovens activos. Aderi porque as pessoas mais opostas às coisas pelas quais combatia eram os anti-comunistas.

O Partido tinha uma forte liderança experiente com um registo inigualável de lutas em prol da classe trabalhadora e racialmente oprimida. Guss Hall (antigo secretário-geral) e Henry Winston (antigo presidente nacional) foram grandes líderes. Aderi porque o Partido estava comprometido com o socialismo e tinha um plano realista sobre como alcançá-lo. E, francamente, aderi como um jovem trabalhador afro-americano porque queria protestar fortemente contra o ataque ao Partido. Senti que tinha o direito de aderir e ofendia-me o facto de pessoas como J. Edgar Hoover e Pat McCarran — um racista bem conhecido — pensarem que podiam dizer-me a que organizações eu podia ou não podia aderir.

Harry Truman vetou o McCarran Act mas o Congresso cancelou o seu veto. Ele classificou o acto como "o maior perigo para a liberdade de expressão, de imprensa e de reunião desde as leis de estrangeiros e sedição de 1789". É importante notar que todas as disposições do McCarran Act que puderam ir ao Supremo Tribunal dos EUA foram declaradas inconstitucionais.

Toda a base do diploma era uma grande mentira. Assim, quando comunistas e progressistas combatiam contra esta tentativa de por fora da lei o nosso Partido, estávamos a levantar-nos pelo direito à dissenção para todos os americanos. Não éramos conspiradores. Os conspiradores eram aqueles que utilizaram a histeria anti-comunista para racionalizar sangrentas guerras de agressão imperialistas, como o Vietnam então e o Iraque agora, juntamente com políticas racistas e anti-classe operária nos EUA e por todo o mundo.

Irmãs e irmãos, camaradas, nós não fizemos nem fazemos parte de qualquer conspiração comunista internacional. Somos o que dizemos que somos. Fazemos o que dizemos que fazemos.

Uma leitura honesta desta magnífica colecção mostrará que o Partido Comunista dos EUA sempre foi e continuará a ser um orgulhoso e com princípios partido revolucionário multi-racial da classe trabalhadora. Somos um partido dos EUA que democraticamente toma as suas próprias decisões e decidiu o seu próprio programa. Repito: nós somos o que dizemos que somos.

A contribuição do Partido

Quando lerem este material verão uma magnífica história de luta em prol dos direitos da multi-racial classe trabalhadora dos EUA e das vítimas da discriminação racial e de género. Verão a aplicação criadora da ciência marxista-leninista a diferentes eras na história e em diferentes etapas na luta que tornaram possível para o Partido Comunista dos EUA desempenhar um papel de relevo mesmo sob as mais difíceis condições. Ele sempre foi um partido de minoria com um programa para a maioria.

Alguns líderes admiráveis fundaram este partido. Penso na grande Elizabeth Gurley Flynn — "a garota rebelde" — Alfred Wagenecht, Charles Ruthenber, "Big Bill" Haywood, William Z. Foster e John Reed.

Durante a grande depressão o Partido cresceu à sua maior dimensão e influência. O capitalismo estava em crise e havia posto de lado dezenas de milhões de trabalhadores.

O Partido foi o primeiro a avançar com a questão da necessidade de trabalhos públicos para atender aos problemas do desemprego maciço, da fome e dos sem abrigo. Não havia socorro por parte do governo, apenas instituições religiosas de caridade, as quais não podiam atender a crise — assim como a "Iniciativa baseada na fé", de Bush, não funciona hoje. Milhões haviam caído em tempos difíceis. O Partido produziu a [tese] principal de que o governo tinha responsabilidade de proporcionar alívio ao seu povo. O Partido organizou então, com êxito, um movimento de massas dos desempregados, dos famélicos e dos empobrecidos que forçaram o governo a proporcionar uma rede de segurança social — uma rede de segurança social que está agora a ser estilhaçada pelo actual ocupante da Casa Branca.

O Partido avançou com a exigência de alívio e benefícios de segurança social de modo a que as pessoas idosas não tivessem de enfrentar a pobreza abjecta na última fase das suas vidas. O Partido não fez isto sozinho mas desempenhou um papel decisivo na construção deste maciço movimento de trabalhadores negros, mulatos e brancos. Estas lutas melhoraram as vidas de milhões de trabalhadores e fizeram história.

O Partido iniciou o combate para organizar sindicatos industriais. Foi o Partido Comunista que conduziu uma campanha em escala nacional para salvar os jovens de Scottsboro e muitas outras vítimas da justiça por linchamento no Sul de Jim Crow . O International Labor Defense, dirigido pelo "Sr. Direitos Civis", o lendário William L. Patterson, estava à proa. O Partido na década de 30 entendeu a necessidade de combater o racismo a fim de unir e organizar o povo trabalhador, inclusive no Sul Profundo (Deep South) onde ajudou a estabelecer as primeiras organizações sindicais de negros e brancos e isto foi feito apesar do terrorismo do Ku Klux Klan.

O Partido Comunista fez igualmente um admirável trabalho no Norte. Um dos maiores exemplos foi no Harlem, onde o camarada Benjamin Davis, um comunista e combatente heróico, tornou-se o segundo afro-americano a ser eleito para o New York City Council. Ele juntou-se ao seu camarada ítalo-americano, Peter V. Cacchione, do Brooklyn e foram em conjunto o duo dinâmico no combate contra o racismo e pelos direitos da classe trabalhadora e do povo de Nova York. O Partido desempenhou um grande papel ao tornar Nova York uma cidade do trabalho. Esta é a história do nosso Partido.

O New Deal foi um produto daquele grande levantamento da classe trabalhadora. E digo: "Não foi Roosevelt que fez o New Deal, mas o New Deal que fez Roosevelt". Esta é a história real do partido.

A propósito, Harvey Klehr e Ronald Radosh, ninguém nos deu ordens para fazer estas grandes coisas. Como disse Sam Webb numa carta recente ao New York Times, "Nossas ordens não vieram de Moscovo, mas de pessoas comuns da classe trabalhadora cujas lutas são as nossas".

Remontando à década de 1920, nos dias primitivos do movimento comunista americano, o Partido era ilegal, assim como eram ilegais os sindicatos e eram ilegais as organizações de direitos civis que trabalhavam no Sul de Jim Crow.

Naqueles dias de antigamente estes camaradas estavam a organizar sindicatos, estavam a organizar os desempregados. Estavam a trabalhar contra a segregação e a discriminação que era legal no Norte e no Sul e aplicada pela corda do linchamento. Poderosos interesses financeiros estavam contra eles. Eles enfrentaram espiões trabalhistas, provocadores, terroristas do Klan, gangsters contratados e bandidos armados. Houve os Palmer Raids de J. Edgar Hoover em 1919, em que milhares foram apanhados, encarcerados e muitos deportados. Sim, aqueles camaradas muitas vezes tinham de escrever em código para proteger o seu trabalho e a condição de membro do Partido. Teria sido loucura actuar de outra forma. O problema era a colocação fora da lei de organizações democráticas. Aqui estava o problema.

Vocês sabem, não tenho respeito por estes oportunistas da Guerra Fria que ganhavam o seu dinheiro a promover a grande mentira anti-comunista.

Nos quarenta e sete anos em que tenho estado no Partido, e ao longo dos quarenta anos na liderança nacional, nunca recebi uma ordem de Moscovo. Moscovo não teve de dizer-nos para combater pelos direitos civis, pelos direitos trabalhistas e pelos direitos dos jovens. Não teve de dizer-nos para nos opormos à guerra do Vietnam ou nos opormos ao apartheid da África do Sul. Precisavam de dizer-nos para trabalhar pela liberdade de Angela Davis, Sacco e Vanzetti ou Angelo Herndon? Certamente que não!

Na verdade a Revolução Bolchevique teve um enorme impacto internacional e deu um exemplo para todo o mundo. O facto de o jovem Estado Soviético ter iniciado um sistema de cuidados de saúde gratuito abriu a porta para a medicina socializada por toda a Europa. (Nosso governo ainda está atrasado nesta questão democrática).

Comunistas de todo o mundo têm sido solidários com as lutas democráticas e progressistas do povo americano, o que remonta a Karl Marx e à sua oposição à escravidão. De facto sempre houve grande solidariedade e interesse pela luta nos Estados Unidos e não apenas dos comunistas. Sim, o Partido aproveitou experiências de outros camaradas e aplicou-as aqui e eles igualmente aproveitaram das nossas experiências.

Como sabem, no 7º Congresso Mundial da Internacional Comunista (1937) a experiência dos EUA e das Ligas Comunistas Juvenis da França foram levadas àquela reunião e o seu êxito na construção de um vasto movimento anti-fascista tornou-se o modelo para Frente Única e a Frente Popular contra o fascismo em todo o mundo. Assim, por esta lógica, poderíamos nós dizer que Moscovo e o movimento comunista mundial estavam a receber ordens de nós?

De facto, John Abt, nosso brilhante advogado nos processos do McCarran Act, certa vez investigou esta questão e depois de examinar uma longa lista de posições políticas em que o nosso Partido e o Partido Soviético concordavam descobriu que 60% das vezes o PCEUA adoptou a posição antes do PCUS. Será que os trapaceiros da Guerra Fria irão dizer que 60% das vezes Moscovo estava a receber ordens de nós? Vamos ser sérios aqui.

Vocês sabem que em 1949 William Z. Foster, no seu "Crepúsculo do capitalismo mundial" ("Twilight of World Capitalism"), foi o primeiro a avançar com o conceito de coligação anti-monopolista. Tal política tornou-se a abordagem estratégica de todos os Partidos Comunistas no mundo capitalista ocidental. Em 1940, o Partido Comunista dos EUA foi o primeiro a retirar-se da Internacional Comunista. Em 1944 a maior parte dos partidos concordaram que ela já não era um fórum viável e foi dissolvida. O nosso Partido e todos os partidos são independentes e tomam suas próprias decisões. Não temos nada a confessar. Hoje, o discurso internacional sobre toda espécie de questões políticas está a decorrer todos os dias na Internet. O que há de errado com isto?

Hoje estamos em solidariedade activa com todos os estados socialistas e os novos estados progressistas: Cuba, Venezuela, Vietnam, China, Coreia do Norte e outros. Estaremos nós sob o seu controle?

De facto, sejamos realistas, o nosso governo interferiu nos assuntos internos de outros países mais do que qualquer outro governo do mundo. Temos gasto triliões de dólares para construir partidos da oposição e financiar e golpes e assassinatos a fim de fazer o mundo lucrativo para as corporações americanas. A lista é infindável. Nossa ocupação do Iraque diz muito aqui.

Sem dúvida alguns dos tipos da guerra fria desejarão examinar a colecção. Ela é uma colecção pública. Não penso que eles estejam presentes a esta celebração nesta noite.

Pergunto-vos: será que Martin Luther King convidou Bull Connor a sentar nas reuniões do SCLC em Birmingham? Será que George Washington convidou os casacos vermelhos [ red coats, soldados britânicos] a juntarem-se quando cruzou o Delaware? Penso que não. Essa é a nossa posição.

Vocês sabem, os arquivos do Partido estiveram abertos ao público o tempo todo. Nossos arquivos contribuíram para centenas de documentos e livros académicos. Guionistas de cinema e ilustradores de todo o mundo têm utilizado nossos materiais. Assim, não era uma colecção "secreta".

O problema que enfrentávamos era que os nossos arquivos eram maiores do que o que podíamos administrar. É constituído por 12 mil caixas de cartão, 20 mil livros e panfletos, um milhão de fotografias. E a nossa falta de recursos e instalações suficientes significa que a colecção estava a deteriorar-se. Estávamos à vontade para abrir uma discussão com a Biblioteca Tamiment acerca da mudança da colecção para ali. Estávamos à vontade porque eles já abrigam os documentos pessoais de Elizabeth Gurley Flynn, Peter V. Cacchione, Dr. James E. Jackson e Simon Gerson. A Tamiment tem feito um bom trabalho a cuidar destes valiosos documentos. Assim, após muitas discussões, decidimos doar nossa colecção à Tamiment. Penso que foi uma boa decisão.

Esta colecção foi reunida inicialmente pela comissão de história do Partido, ao longo de muitos anos. Devemos dar o devido louvor a Gus Hall e Henry Winston por criarem aquela comissão, a qual incluiu Mary Licht, Ted Bassett, William Weintone, Joe Brandt, Phil Bart e outros.

Agora que a colecção está aqui, muitos outros académicos, escritores e investigadores terão acesso a esta admirável riqueza de informação. No devido tempo ela estará acessível on line, temos esperança. E grande número de pessoas será capaz de ler acerca da verdadeira história do Partido. Há muitos heróis e heroínas não cantados que construíram este partido e o movimento acerca do qual pouco está escrito, mas as suas contribuições estão contidas nesta colecção. Pessoas de que podemos não ter ouvido, desde trabalhadores de lojas, líderes operários, combatentes das bases em comunidades como Harlem, Harlan County, KY, East Los Angeles, East Harlem, Tucson, AZ e o South Side de Chicago. Foram pessoas extraordinárias. Esta colecção realmente pertence a eles; ao movimento da classe trabalhadora. E agora será acessível a um grande número de investigadores. E deixe-me dizer-lhes, nesta colecção há um milhão de admiráveis histórias escondidas que precisam ser contadas e, esperançosamente, agora talvez venham a ser contadas.

Esta colecção mostrará a enorme contribuição do Partido Comunista dos EUA para os movimentos democráticos e para o nosso processo político geral. Este é o nosso legado e ele desmascarará os caluniadores e mostrará que o Partido era e é uma força para o bem.

Antes de terminar gostaria de ler um breve trecho de uma homenagem ao Dr. W.E.B. Dubois do Rev. Dr. Martin Luther King efectuada em 23 de Fevereiro de 1968 num evento patrocinado pela revista Freedomways. Falando para uma sala repleta no Carnegie Hall de Nova York, o Dr. King corajosamente declarou o seguinte:

"Não podemos falar do Dr. DuBois sem reconhecer que foi um radical ao longo de toda a sua vida. Algumas pessoas gostariam de ignorar o facto de que foi Comunista nos seus últimos anos. Vale a pena notar que Abraham Lincoln saudou calorosamente o apoio de Karl Marx durante a Guerra Civil e correspondeu-se com ele livremente. Na vida contemporânea o mundo de fala inglesa não tem dificuldade com o facto de que Sean O'Casey foi um gigante literário do século XX e um Comunista ou que Pablo Neruda seja geralmente considerado como o maior poeta vivo apesar de também ter sentado no Senado chileno como Comunista. Já é tempo de cessar de obscurecer que o Dr. DuBois foi um génio e escolheu ser Comunista. O nosso anti-comunismo irracional, obsessivo, conduziu-nos para dentro de demasiados atoleiros a serem retidos como se fosse um modo de pensamento científico" (23 de Fevereiro de 1968, por ocasião do 100º aniversário do nascimento do Dr. W.E.B. Dubois).

Estas são as palavras do Dr. King, que no século passado foi o maior democrata revolucionário do nosso país.

Encaramos com optimismo o futuro, quando a Carta de Direitos do Socialismo (Bill of Rights Socialism) será tornada uma maravilhosa realidade.

30/Março/2007

[*] Vice presidente executivo do PCEUA

O original encontra-se em http://www.cpusa.org/article/articleview/820/1/142/

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
03/Abr/07