Lincoln Gordon e a origem dos "desaparecidos"
A elite americana
Lincoln Gordon morreu há poucas semanas com a idade de 96 anos.
Licenciara-se
summa cum laude
em Harvard aos 19 anos, doutorara-se em Oxford como bolsista Rhodes, publicara
o seu primeiro livro aos 22 anos, com dúzias mais a seguir sobre
governo, economia e política externa na Europa e América Latina.
Entrou [como professor] na Faculdade de Harvard aos 23 anos. O dr. Gordon foi
executivo no Gabinete de Produção de Guerra durante a II Guerra
Mundial, administrador de topo dos programas do Plano Marshall na Europa do
pós guerra, embaixador no Brasil, teve outras altas
posições no Departamento de Estado e na Casa Branca, foi
investigador no Centro Internacional Woodrow Wilson para Académicos,
economista na Brookings Institution, presidente da Johns Hopkins University. O
presidente Lyndon B. Johnson louvou o serviço diplomático de
Gordon como "uma rara combinação de experiência,
idealismo e julgamento prático".
Está a ver o quadro? O rapaz maravilha, intelectual brilhante,
líder notável de homens, patriota americano destacado.
Abraham Lincoln Gordon foi também o homem de Washington no Brasil, e
muito activo, como director do golpe militar de 1964 que derrubou o governo
moderadamente de esquerda de João Goulart e condenou o povo brasileiro a
mais de 20 anos de uma ditadura terrivelmente brutal.
Os que fazem campanha pelos direitos humanos sustentam há muito que o
regime militar do Brasil originou a ideia dos "desaparecidos" e
exportou métodos de tortura através da América Latina. Em
2007, o governo brasileiro publicou um livro de 500 páginas, "O
direito à memória e à verdade", no qual esboça
a tortura sistemática, violação e desaparecimento de
aproximadamente 500 activistas de esquerda e inclui fotos de cadáveres e
vítimas de tortura. Actualmente, o presidente brasileiro Luís
Inácio Lula da Silva está a propor uma comissão para
investigar alegações de tortura pelos militares durante a
ditadura de 1964-1985. (Quando será que os Estados Unidos criam uma
comissão para investigar a sua própria tortura?)
Num telegrama para Washington após o golpe, Gordon declarava numa
observação que dificilmente superaria as de John Foster Dulles
que sem aquele golpe poderia ter havido uma "perda total para o
ocidente de todas as repúblicas sul americanas". (O golpe foi
realmente o princípio de uma série de golpes anti-comunistas
fascistóides que aprisionou a metade sul da América do Sul em
décadas de um longo pesadelo, culminando na "Operação
Condor", no qual várias ditaduras, ajudadas pela CIA, cooperaram na
captura e morte de esquerdistas.)
Gordon posteriormente testemunhou numa audiência perante Congresso e,
negando completamente qualquer conexão com o golpe no Brasil
[1]
, declarou
que este fora "a mais decisiva vitória isolada da liberdade nos
meados do século XX".
Ouçam uma conversação telefónica entre o presidente
Johnson e o secretário assistente de Estado para Assuntos
Inter-Americanos, Thomas Mann, em 3 de Abril de 1964, dois dias após o
golpe:
MANN: Espero que esteja tão feliz como eu acerca do Brasil.
LBJ: Estou.
MANN: Penso que é a coisa mais importante acontecida no
hemisfério nos últimos três anos.
LBJ: Espero que eles nos dêem algum crédito ao invés do
inferno.
(Michael Beschloss,
Taking Charge: The Johnson White House Tapes, 1963-1964
(New York, 1997), p.306. Todas as outras fontes desta secção
sobre Gordon podem ser encontradas em:
Washington Post,
22/Dezembro/2009, obituário;
The Guardian
(Londres), 31/Agosto/2007; William Blum, "Killing Hope", chapter
27.)
Assim, da próxima vez que se encontrar com um rapaz maravilha de
Harvard, tente manter a sua adulação não importa que posto
o homem tenha, mesmo oh, apenas escolhendo uma posição
aleatoriamente a presidência dos Estados Unidos. Mantenha os olhos
centrados não sobre estes "liberais" ... "melhores e mais
brilhantes" que vêm e vão, mas sobre a política
externa dos EUA que permanece a mesma década após década.
Há dúzias de Brasis e de Lincoln Gordons no passado dos EUA. No
seu presente. No seu futuro. Eles são o equivalente diplomático
dos sujeitos que dirigiam a Enron, a AIG e a Goldman Sachs.
Naturalmente, nem todos os nossos responsáveis pela política
externa são como este. Alguns são piores.
E recorde as palavras do espião condenado Alger Hiss: A prisão
é "um bom correctivo para três anos de Harvard".
[1]
O que é uma mentira diplomática descarada. O golpe de 1964 no
Brasil foi preparado, coordenado e apoiado pela Embaixada dos EUA no Rio de
Janeiro sob o comando do embaixador Lincoln Gordon. A preparação
psicológica e política para o golpe foi feita por entidades criadas pela CIA,
como o IPES e o IBAD.
A coordenação foi feita pelo general da CIA Vernon Walters em conjunto com o
general Castelo Branco (o primeiro presidente pós golpe). Quanto ao
apoio militar, o sr. Lincoln Gordon até mandou vir uma esquadra da U.S.Navy
pronta para intervir caso houvesse resistência significativa aos golpistas.
Preparado durante mais de dois anos, o golpe consumou-se 18 dias depois de o
presidente João Goulart anunciar algumas pequenas restrições à remessa de lucros
das transnacionais que operavam no Brasil e de uma tímida lei da Reforma
Agrária que previa a expropriação de terras (com indemnização aos
proprietários) numa faixa de terra ao longo das rodovias federais.(NR)
[*]
Autor de numerosas obras, como
La CIA Una Historia Negra/ Killing Hope: Intervenciones de La CIA desde la segunda guerra mundial/ U.S. Military and CIA Interventions Since World War II
e
Les Guerres scélérates
.
BBlum6@aol.com
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/blum01072010.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|