por Miguel A. Jordán León
Aquilo que nunca será revelado pela caixa negra do avião da
Spanair: a acumulação de mais-valias, a
financiarização, o dinheiro não como veículo de
transacções e sim como objecto da mesma é o que
está por trás do acidente. Daqui a alguns meses terminarão
de analisar o conteúdo das caixas negras do MD82 espatifado em Barajas,
mas podemos afirmar desde já com certeza aquilo que não
sairá das
mesmas: serão teorias a sustentar que as causas do sinistro têm a
sua origem em interesses especulativos comerciais capitalistas. Não,
certamente descobrirão falhas em cadeia, humanas e mecânicas,
às quais serão atribuídas todas as culpas da
tragédia.
Estas caixas não dirão que a companhia cuja maioria do
capital pertence ao grupo escandinavo SAS, semi-público (50%), que
também possui a BMI, Air Botnia, Brathens, Wiideroee, Air Greenland
há tempos tenta vender a empresa espanhola. Para isso pressiona
ao máximo a força de trabalho comprada aos seus empregados com o
objectivo claro de apresentar a companhia no mercado da forma mais atraente aos
possíveis compradores (após o fracasso das tentativas de venda a
Marsans e Pascual). A receita neoliberal é reduzir o encargo
representado pelos salários do pessoal, juntamente com a
sobre-exploração do mesmo. Tudo em prol da máxima
produtividade, a fim de conseguir uma maior mais-valia.
Não percamos de vista a ideia de que para a SAS a Spanair é um
produto que ela tenta colocar no mercado. Como amostra cito
informações publicadas em diferentes media:
-
26/03/2008 Pilotos de Spanair decididiram entrar em greve para a
negociação do IV Convénio Colectivo
(El Periódico)
-
11/07/2008 SAS, propietária da Spanair, ameaça os
sindicatos com o encerramento, se estes não aceitarem os 1.100
despedimentos
(ElCorreodigital.com)
-
14/08/2008 SAS perde 165 milhões de euros no semestre e anuncia
novos despedimentos no grupo, cerca de 2.500 empregados e 33 aviões
menos
(Cinco Días)
Com estes três exemplos vemos para onde tentavam ir os
"suecos". Os pilotos queixam-se há tempos de pressões
da parte da companhia para saltarem descansos e voarem em quaisquer
condições. A prova desta actuação é a
ameaça clara aos sindicatos de encerrarem a empresa caso não
sejam aceites tais condições. A crise no sector tem como agente
principal a própria crise em se encontra mergulhado o mundo capitalista.
Isto traduz-se pela baixa no número de pessoas que fazem turismo e usam
o avião como opção, pela subida dos combustíveis
o MD82 gasta cerca de 25% mais do que outros aparelho e pela
competição com as companhias
low cost.
Crise a que alguns chamam tripla, ou seja: económico-financeira,
energética e alimentar. Outros acrescentam às anteriores uma
causa-efeito adicional: a ecológica. E eu, para deixar o mercado como
entidade incorpórea que rege os destinos das vidas humanas,
acrescentaria a esta crise ainda um outro factor, talvez o principal: falta de
moral, valores, princípios, chame-se como se quiser.
Isto do mercado é curioso. Enquanto alguns capitalistas alavancam
contratos de futuros do petróleo e ganham enormes mais-valias, outros
deles "lixam-se" e perdem boa parte das suas por causa disto, como no
caso destas companhias de transporte aéreo.
O capital do nosso tempo tornou-se ocioso. A financiarização do
capital faz com que este já não procure a produção
de mercadorias ou a prestação de serviços à
sociedade. Não, procura apenas recuperar o máximo de mais-valias
para o "seu" capital adiantado.
"O processo de produção capitalista
produção social não é mais que um
método de produção de mais-valias relativas, ou seja,
aumentar a auto-valorização do capital, o que se chama riqueza
social". Marx, O Capital, Livro I.
A citação anterior mostra que a riqueza social que os
capitalistas procuram hoje produzir está na proporção
directamente inversa à da sua moral, por ausência ou
carência total desta. O dinheiro é posto no mercado não
como veículo da transacção económica, não,
converteram-no no objecto e objectivo da mesma.
As empresas são propriedade de entidades com o máximo interesse
no lucro, fundos de investimento. Os chamados capitais andorinha, os fundos
abutre, os hedge funds, sicavs, Unit Linked, SIL, etc com uma extensão
infinita de artifícios financeiros para a tomada de posse de empresas
por outras empresas, entidades sem rosto, sem sentimentos, guiadas pelo cheiro
do dinheiro.
"Ao dinheiro passa-se exactamente ao contrário do que com o ser
humano, quanto mais livre pior". Eduardo Galeano.
Por informações posteriores à tragédia parece certo
estes senhores capitalistas pretendem quantificar o problema dando-lhe uma
solução económica, com indemnizações num
montante de uns 50 milhões de euros. Alguns media indicam que os
familiares receberiam 130 mil euros por cada familiar falecido. Em quanto
podemos quantificar os sentimentos, as vidas truncadas? Eles, que valoram
tanto os seus meios produtivos, valoram por igual uma vida humana jovem ou
velha? Em termos de mercado, uma força vital mais jovem tem um
período de vida útil maior que a de um ancião, que
já pode estar caduca para os seus interesses. Não poderiam, por
esta mesma regra que utilizam a cada dia para jogar com vidas humanas, calcular
seu valor de troca no mercado?
Após o acidente pudemos ver a parafernália própria destes
casos: políticos, dirigentes, monarquia, com caras compungidas, a
visitar os familiares das vítimas e os poucos sobreviventes a fim de
"dar ânimo". Pessoas tão desprendidas e humanas que
devemos protegê-las, cuidar que se perpetuem como nossa classe dirigente.
Não as merecemos! Elas até suspenderam as suas férias!
Claro que eles viajarão em aviões revistos até o
último parafuso.
Por tudo isto, penso que aquilo que nunca se dirá é que
tragédias como esta tornarão a verificar-se enquanto os
lucros empresariais se sobrepuserem às vidas humanas, enquanto for
deixado ao controle do mercado a supervisão dos aparelhos e enquanto se
procurar baixar os custos de manutenção das empresas.
Finalizo com uma reflexão sobre a repercussão mediática
desta tragédia e das que se verificam diariamente nas auto-estradas
espanholas. Neste ano, segundo a DGT, temos 1594 mortes. Segundo o governo
estes dados são esperançosos, pois no ano de 2007 baixou nuns 9%
o número de falecidos por acidentes de tráfego, só 2749.
Quem se preocupa em consolar os familiares?
Podemos ver na TV uma campanha publicitária de uma conhecida marca de
seguros que nos mostra uma pessoa a receber um golpe depois do outro com uma
força desmedida. A seguir mostram-nos outra à qual dão
tapinhas quase carinhosos em ambos os lados, com a mensagem de que é
melhor receber o golpe pouco a pouco. Isto deve passar com a
comparação entre a tragédia do MD82 da Spanair e as
tragédias nas auto-estradas.
25/Agosto/2008
O original encontra-se em
http://www.insurgente.org/modules.php?name=News&file=article&sid=14495
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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