Quanto petróleo existe realmente no Médio Oriente?
por Colin J. Campbell
[*]
Há apenas uns poucos meses atrás, economistas do petróleo
estavam a debater se a Organização dos Países Exportadores
de Petróleo teria poder para manter os preços em torno dos
US$20/barril. Havia conversas acerca da crescente procura de petróleo
devido à nova prosperidade económica da China, mas a antiga
percepção de que a oferta deve sempre igualar a procura num
mercado aberto a funcionar adequadamente geralmente permaneceu intacta.
Reconhecidamente, a verificação de que a produção
da América do Norte estava em declínio inexorável,
significava que a necessidade de importações crescentes
não iria diminuir. A crescente dependência em
relação ao petróleo do Médio Oriente levantou
algumas preocupações, pois os países daquela região
são habitualmente retratados como "politicamente
instáveis".
Alguns observadores concluíram que deve ter havido uma agenda
petrolífera por trás da invasão do Iraque, como pareceu
confirmar-se quando as armas de destruição em massa, as quais
haviam sido apresentadas como a justificação para a guerra,
revelaram-se não existentes.
Ultrapassados aqueles dias o mundo enfrenta preços do petróleo em
torno do dobro do nível anterior. Na verdade, US$50/barril está
quase a ser visto mais como um piso do que um teto.
Se fosse simplesmente uma questão de tomar o controle do Médio
Oriente pela diplomacia ou de outras formas, os preços do
petróleo podiam retornar aos níveis tradicionais e permitir aos
EUA importar o que necessitasse, mas o que se passaria se o Médio
Oriente revelasse ter menos petróleo do que habitualmente se imagina?
As reservas de petróleo nestes países são efectivamente
segredos de Estado, de modo que é impossível verificar as
reservas provadas que são apresentadas nos relatórios habituais
das bolsas.
Existem várias bases de dados da indústria, mas elas pouco mais
podem fazer do que relatar a informação oficial uma vez que elas
próprias não estão em posição de avaliar os
parâmetros geológicos ou de
engineering
em pormenor.
REFERÊNCIAS HISTÓRICAS
No fim, talvez a história proporcione a melhor esperança de fazer
uma estimativa realista daquilo que esta região sempre tão
crítica pode possuir.
Examinando números antigos de
Oil & Gas Journal
descobrimos que o Kuwait relatou reservas de 65 mil milhões de barris
em 1980. Ele havia produzido 20,28 mil milhões de barris até
aquele momento, o que significa que um total de cerca de 85 mil milhões
fora descoberto. Grande parte dele jaz no famoso campo de Burgan, descoberto
em 1928, mas também havia um certo número de campos de
dimensão gigantesca.
Em 1984 a produção acumulada do Kuwait elevou-se para 21,53 mil
milhões de barris, o que explica porque as reservas relatadas
caíram para 64 mil milhões, uma vez que não houve
descobertas significativas nesse intervalo de tempo.
Contudo, em 1985 o Kuwait anunciou um aumento maciço de reservas em
relação aos seus relatórios anteriores, de milhares de
milhões de barris. Mas este quantitativo era próximo ao total
descoberto, assumindo um factor de recuperação ligeiramente mais
generoso.
Foi sugerido que uma das razões para este súbito aumento foi um
novo procedimento da OPEP segundo o qual as quotas de produção
eram baseadas parcialmente nas reservas relatadas.
O Iraque certamente ficou desagradado com a acção do Kuwait e
institui procedimentos legais para a consequente perda de rendimentos, mas os
outros países membros da OPEP não adoptaram qualquer
acção imediata especial.
Em 1987 o Kuwait acrescentou uns outros 2 mil milhões de barris, elevando
o total relatado das suas reservas a 92 mil milhões, as quais pareciam
ter levado ao extremo a tolerância dos seus vizinhos, os quais foram
então forçados a reagir.
Uma solução simples era relatar aproximadamente os mesmos
números do Kuwait.
Consequentemente, em 1988 o Abu Dhabi saiu-se precisamente com os mesmos 92 mil
milhões de barris relatados pelo Kuwait, um salto de 31 mil
milhões em relação ao que fora relatado no ano anterior;
o Irão fez ainda melhor, relatando 93 mil milhões de barris, um
salto de 49 mil milhões; ao passo que o Iraque, para não ser
ultrapassado, saiu-se com um número redondo de 100 mil milhões de
barris, um salto de 47 mil milhões.
Mas a Arábia Saudita enfrentava a dificuldade de não ser capaz de
equiparar-se ao Kuwait pois já estava a relatar mais. Ela ponderou a
sua decisão durante mais dois anos antes de anunciar um aumento
maciço dos 170 mil milhões de barris para 258 mil milhões,
presumivelmente tendo decidido seguir o precedente do Kuwait quando relatou o
total descoberto (também descrito como "reservas originais"),
e não reservas remanescentes.
Vale a pena notar que a Zona Neutra, que é partilhada pelo Kuwait e pela
Arábia Saudita, não anunciou tal aumento, presumivelmente porque
os seus dois proprietários não tinham motivos comuns para faze-lo.
A Venezuela, do outro lado do mundo, foi obrigada a equiparar-se a estes
eventos no Médio Oriente, aumentando as suas reservas relatadas para 56
mil milhões de barris em relação aos 25 mil milhões
relatados em 1988. Justificou o movimento com a inclusão de
petróleo não convencional, que até então não
era contado.
O que foi dito acima explica porque as reservas relatadas destes países
pouco mudaram desde então, apesar da produção substancial.
Tais acréscimos, tal como têm sido relatados, podem reflectir
novas descobertas genuínas ou melhorias nas suposições
acerca da recuperação.
A ERA DO PETRÓLEO
Presentemente o total relatado das reservas deste cinco países do
Médio Oriente é de 696 mil milhões de barris, e a
produção até à data é de 255 mil
milhões de barris (incluindo a Zona Neutra e as perdas na guerra do
Kuwait).
Mas se os 696 mil milhões de barris representam o total das reservas
descobertas, como sugere o argumento acima, isto significa que as reservas
reais são de apenas 441 mil milhões de barris.
A OGJ estima a reservas mundiais de petróleo para 2004 em 1.278 mil
milhões de barris. Se removermos a anomalia do Médio Oriente
acima discutida e os 179 mil milhões que foram acrescentados em 2003
relativos às areas petrolíferas canadianas, chegamos a um novo,
mais realista, total mundial de 853 mil milhões de barris.
Umas 65 estimativas publicadas da recuperação final
(ultimate recovery)
de petróleo convencional apresentam uma média de 1.930 mil
milhões de barris.
O mundo até então produziu 944 mil milhões de barris, e
reservas realistas na base acima estabelecem-se nos 853 mil milhões de
barris, o que significa que há 133 mil milhões de barris ainda
por descobrir se aceitarmos aquela recuperação final.
Novas descobertas, especialmente de campos gigantes críticos, têm
estado a cair durante 40 anos, como confirmado pela ExxonMobil Corp. ao reduzir
as reservas para menos de 10 mil milhões no ano passado. Isto sugere
que na generalidade este cálculo não é incorrecto.
Isto soa como se o mundo tivesse utilizado cerca de 49% da sua
dotação de petróleo convencional, o que significa que
está agora próximo ao ponto médio do esgotamento, o qual
normalmente corresponde ao pico da produção. O próprio
pico não é um evento particularmente significativo, mas a
implacável inclinação declinante que se segue certamente o
é.
Podemos dizer, por outras palavras, que o mundo atingiu o fim da Primeira
Metade da Era do Petróleo, o qual perdurou por 150 anos desde que os
primeiros poços foram perfurados na Pennsylvania e nas margens do Mar
Cáspio.
Este período assistiu à expansão rápida da
indústria, dos transportes, do comércio, da agricultura e do
capital financeiro, possível em grande parte pela oferta da energia
abundante e barata com base no petróleo. A população
mundial expandiu-se seis vezes em paralelo com o petróleo.
Agora, inicia-se a Segunda Metade da Era do Petróleo. Ela será
marcada pelo declínio da produção petrolífera, e
tudo depende dele. A transição provavelmente será um
tempo de grande tensão e dificuldade, particularmente em
relação ao capital financeiro.
O capital foi gerado durante a Primeira Metade da Era do Petróleo com
base na confiança de que a expansão de amanhã
proporcionará a garantia
(collateral)
para a dívida de hoje.
Segue-se que o sistema fracassará durante a Segunda Metade se o
declínio do petróleo minar o espaço para a expansão.
Isto parece um assunto sério, sublinhando a necessidade de maior
transparência no relato das reservas. A ênfase está na
palavra relato, pois os engenheiros agora podem fazer boas estimativas da
dimensão de um campo petrolífero já no princípio da
sua vida, especialmente com a ajuda de todos os avanços notáveis
de tecnologia e de conhecimento.
Mas assuntos sérios muitas vezes não são populares, o que
explica porque muitas pessoas, incluindo aquelas no governo, podem preferir
não saber.
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[*]
O autor tem mais de 40 anos de experiência na indústria
petrolífera. Em 1957 obteve o seu PhD em geologia em Oxford e trabalhou
como geólogo de exploração para a Texaco Inc.
Posteriormente trabalhou para o BP Group LLC e Amoco Production Co. como
geólogo regional da Amoco para a América Latina e posteriormente
como geólogo chefe da Amoco Equador. Como administrador geral da
Shenandoah Oil Corp. na Grã-Bretanha foi o responsável pela
criação de novos empreendimentos no Mar do Norte, Irlanda,
Portugal, Turquia e Holanda. Em 1979 retornou à Amoco em Londres e foi
nomeado administrador de exploração na Noruega no ano seguinte.
De 1984 a 1989 foi vice-presidente executivo da Fina Oil & Chemical Co. na
Noruega. Agora aposentado, Campbell actua como consultor de governos e grandes
companhias petrolíferas e é administrador do
Oil Depletion Analysis Center
, em Londres. Foi o autor de dois livros e numerosos
documentos. Em 2001 fundou a
Association for the Study of Peak Oil and Gas
, da qual é presidente honorário. Campbell é membro da
American Association of Petroleum Geologists, da Geological Society, Londres; e
do Institute of Petroleum, Londres.
O original encontra-se em
Oil & Gas Journal
, 04/Abril/05. Tradução de JF
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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