Petróleo: Um futuro incerto
Quando nasci, em 1945, nenhuma das quatro pequenas granjas na minha aldeia
sueca consumia petróleo para qualquer coisa. Dez anos depois chegou a
era do petróleo: substituímos o carvão por
petróleo para a calefacção, meu pai comprou uma
motocicleta e os tractores entraram em cena. Entre 1945 e 1970 a Suécia
multiplicou o seu consumo de energia por cinco, ou seja, a cerca de 7% ao ano
durante 25 anos. A era do petróleo transformou a Suécia de um
país um tanto pobre no terceiro mais rico do mundo em rendimento per
capita. Uns 90% do aumento consumo de energia provieram do petróleo. O
petróleo barato enriqueceu a Suécia.
Hoje a China é um país em vias de desenvolvimento, com 21% da
população mundial. Consome 8% do petróleo mundial e pensa
que será justo atingir os 21%, ou seja, 17,6 milhões de barris por
dia (mb/d). Durante os últimos cinco anos o crescimento médio
anual do PIB da China foi de 8,2% ao passo que o do consumo de petróleo
foi de 8,4%. Podemos ver a mesma correlação entre o aumento do
PIB e consumo de petróleo na China que a da Suécia há 50
anos. Se a economia chinesa crescer a 8% ao ano durante os próximos
cinco anos podemos esperar que necessite de um aumento do consumo de
petróleo de 3 milhões de barris por dia. De acordo com o
professor Pang Xiongqi, da Universidade do Petróleo de Beijing, a
produção chinesa será mantida nos níveis actuais
até 2009 e logo começará a descer. Isto quer dizer que a
China deverá importar o petróleo suplementar. Uma vez que a
China já importa 3 milhões de barris por dia, terá que
aumentar suas importações nuns 100% durante os próximos
cinco anos. De onde sairá?
Desde 2001, ano que foi fundada a
Associação para o Estudo do Pico Petrolífero e do Gás Natural (ASPO)
, tentamos demonstrar que
será um problema abastecer o mundo com petróleo ilimitado
enquanto cresce a procura. O ano de máxima produção,
segundo a conferência de Uppsala de 2002, será 2010. Dois anos
depois, na nossa reunião de Berlim, antecipámos a data para 2008,
e hoje tendemos a fixá-la novamente em 2010 porque a
produção da produção dos campos petrolíferas
em águas profundas será maior do que a estimada inicialmente. O
ano exacto do pico máximo de produção de petróleo
dependerá muito da procura futura e não saberemos quando
alcançámos o pico senão depois de ter sido atingido.
Ocorrerá sem dúvida antes de 2020.
Infelizmente, poucos prestaram atenção aos nossos alarmes, ainda
que os sinais sejam tão óbvios que até uma galinha cega
poderia vê-los. Há 50 anos o mundo consumia 4000 milhões
de barris de petróleo por ano e a taxa média de descobrimentos (a
porcentagem de novos campos petrolíferos não descobertos antes)
era de 30 mil milhões de barris por ano. Hoje consumimos 30 mil
milhões de barris por ano e os descobrimentos caíram para 4 mil
milhões de barris/ano (v. figura).
Isto é importante. A Chevron publicou um anúncio no qual
afirma que "O mundo consome dois barris de petróleo por cada barril
descoberto. Devemos preocupar-nos?" (Por descobrimento quero dizer
só novos campos petrolíferos. Alguns analistas incluem no
aumento das reservas o aumento da taxa de recuperação dos campos
antigos, mas nós adoptamos o mesmo enfoque da Agência
Internacional de Energia, AIE). Se extrapolarmos a taxa declinante de
descobrimentos dos últimos 30 anos podemos calcular que serão
encontrados aproximadamente 134 mil milhões "novos" de barris
de petróleo durante os próximos 30 anos. O mais recente grande
descobrimento de campos petrolíferos foi no Mar do Norte (em 1969), que
contem uns 60 mil milhões de barris. Em 1999 a produção
do Mar do Norte atingiu o pico com 6 mb/d. Nossa extrapolação
indica que durante os próximos 30 anos encontraremos novos campos
petrolíferos equivalente ao dobro do tamanho do Mar do Norte, um
prognóstico muito pessimista, segundo nossos adversários. Mas
penso que a indústria petrolífera ficaria extasiada se
encontrasse duas novas províncias petrolíferas do tamanho do Mar
do Norte.
O cenário base da AIE de 2004 prevê que em 2030 a procura mundial
será de 121 milhões de barris por ano, o que exigirá
aumentar a produção em 37 milhões de barris por dia
durante os próximos 25 anos, dos quais 25 mb/d deveriam proceder de
campos que têm de ser descobertos. Isto significa que teremos de
encontrar quatro jazidas de petróleo do tamanho do Mar do Norte.
Será isto possível?
Cada campo petrolífero chega a um ponto de produção
máxima, que as tecnologias avançadas podem atrasar ou ampliar,
mas não eliminar. A indústria petroleira e a AIE aceitam o facto
de que a produção total dos campos petrolíferos
está em declínio. Segundo a ExxonMobil, a porcentagem de
diminuição da produção está entre 4 e 6% ao
ano. A produção actual é de 84 milhões de barris
por dia, pelo que no próximo ano de todos os campos actuais serão
extraídos 80 milhões de barris por dia. Tendo em conta o aumento
esperado do PIB mundial, dentro de um ano a procura de petróleo
ascenderá a 85,5 mb/d, pelo que deverá aumentar a capacidade nova
de extracção em 1,5 mb/dia mais outros 4 mb/d, ou seja, 5,5 mb/d.
Dentro de dois anos precisaremos extrair em novos campos 11 mb/d e em 2010 ao
menos 25 mb/d. Poderá a indústria proporcioná-los? Se
estendermos a taxa de diminuição dos campos existentes para 2030
e aceitarmos o cenário base da AIE (a procura mundial ascenderá a
121 mb/d), então "necessitaremos uma nova produção da
ordem de 10 novas Arábias Sauditas". Alguns poderiam dizer que se
trata do dia do juízo final, mas não sou eu faz tais
prognósticos e sim Sadad Al Husseini, até há pouco
vice-director da Saudi Aramco, a maior companhia petrolífera do mundo.
Excluindo os campos petrolíferos de águas marinhas profundas, a
extracção está a diminuir em 54 dos 65 grandes
países produtores de petróleo do mundo. A Indonésia,
país membro da Organização de Países Exportadores
de Petróleo (OPEP), não só não pode produzir
suficiente petróleo para cobrir sua quota de produção como
já nem sequer poder extrair o suficiente para atender ao seu consumo
interno. A Indonésia hoje é um país importador de
petróleo. Dentro de seis anos, outros cinco países
atingirão o pico. Só uns poucos países
Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos,
Casaquistão e Bolívia têm potencial para extrair
mais petróleo do que antes. Em 2010, a extracção destes
países e dos campos em águas profundas terá que compensar
a diminuição em 59 países e o aumento da procura no resto
do mundo.
Podem fazê-lo? Olhemos a Arábia Saudita, que em princípios
dos anos 80 produziu 9,6 milhões de barris por dia. Segundo a AIE e a
Agência de Informação sobre Energia dos EUA, a
Arábia Saudita deverá extrair 22 mb/d em 2030. Mas Sada Al
Husseini afirma que "os prognósticos de futuros abastecimentos de
petróleo do governo estadunidense contêm uma
sobrestimação perigosa". O campo petrolífero saudita
de Ghawar, o maior do mundo, está em declínio. A Saudi Aramco
diz que a produção pode aumentar para 12,5 mb/d em 2015.
Projectam um novo oleoduto com uma capacidade de 2,5 mb/d, pelo que é
previsível que cheguem a extrair 12,5 mb/d, mas não há
qualquer sinal de que pretendem atingir os 22 mb/d.
O Iraque, que em 1979 produziu 3,4 mb/d, alega ter reservas de 112 mil
milhões de barris, mas a ASPO (e outros analistas) pensam que um
terço das reservas são fictícias, "barris
políticos". Numa reunião em Londres foi-me dito (em privado, por
uma pessoa que conhece bem a situação) que as reservas iraquianas
disponíveis totalizam 46 mil milhões de barris. Se for assim,
será difícil que o Iraque chegue a curto prazo aos seus
níveis anteriores de extracção. É o momento de
perguntar: Pode o Oriente Próximo voltar a extrair ao ritmo dos anos 70?
Muitos países do mundo são muito pobres. Seria necessário
duplicar o PIB mundial para conseguir algum tipo de vida decente para as
pessoas desses países. Os exemplos da Suécia e da China indicam
que, se seguirem as pautas de desenvolvimento económico anterior, para
duplicar o PIB haveria que duplicar a produção mundial de
petróleo. Mas isto pode ser feito? E pode o planeta tolerar o aumento
das emissões de CO2?
Os Estados Unidos, o país mais rico do mundo, têm 5% da
população mundial e consomem 25% do petróleo. É
tempo de discutir o que os EUA devem fazer para reduzir o consumo, e
rapidamente. Em Fevereiro de 2005 um relatório do Departamento de
Energia dos EUA (Peaking of World Oil Production: Impacts, Mitigation, and Risk
Management, o chamado relatório Hirsch) argumentou que "o pico
mundial do petróleo representa um problema com uma gravidade sem
precedente. Os riscos políticos, económicos e sociais são
enormes. A prevenção prudente de riscos exige uma
atenção urgente uma acção imediata". Qualquer
programa sério iniciado hoje tardará 20 anos para dar resultados.
Os animais que enfrentam a escassez de alimentos têm pouco tempo para
adaptar-se e geralmente as suas populações reduzem-se. Alguns
acreditam que os seres humanos enfrentarão uma situação
semelhante. Não posso aceitar. Como seres humanos podemos pensar e
creio que podemos encontrar soluções. O caminho estará
cheio de obstáculos e muitas pessoas sofrerão, mas quando
chegarmos ao fim do percurso a sociedade deverá ser sustentável.
Não será possível percorrer este caminho sem usar parte
das reservas existentes de combustíveis fósseis, mas poderemos
fazê-lo de modo a que tenham um impacto mínimo sobre o planeta.
Teríamos que haver começado há pelo menos 10 anos
atrás. Por isso não podemos esperar mais, ou os golpes e os
buracos no caminho poderiam ser devastadores.
[*]
Professor de física da Universidad de Uppsala, Suécia, e
presidente da Association for Study of Peak Oil and Gas (ASPO).
aleklett@tsl.uu.se
O original encontra-se em
http://www.nodo50.org/worldwatch/ww/pdf/oil.pdf
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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