Governo Passos Coelho vende EDP a preço de saldo
– Controle da energia em Portugal por grupos estrangeiros

por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO

O sector da energia é estratégico em qualquer país, em termos de desenvolvimento e de independência nacional. Os governos, desde que tenham um mínimo de dignidade nacional e se preocupem verdadeiramente com o desenvolvimento do país, procuram sempre preservar este sector vital do controlo do capital estrangeiro. Em Portugal, infelizmente, tem-se verificado precisamente o contrário desde Cavaco Silva, que iniciou as privatizações, hipotecando-se, desta forma, também o futuro do país. O actual governo, e o seu ministro das Finanças, cegos pela ideologia ultraliberal professada pelos boys da Universidade de Chicago e do FMI tudo fazem para entregar o controlo deste sector a grupos económicos estrangeiros, com a falsa justificação de que assim se aumentará a concorrência e o investimento estrangeiro.

A EDP e a GALP têm uma posição dominante neste sector, sendo o resto já controlado por grandes grupos estrangeiros (Endesa, Iberdrola, Union Fenosa, Essa, BP, Repsol, Cepsa). Com a venda de 21,35% do capital da EDP à empresa estatal chinesa Three Gorges, 44,22% do capital da EDP passa a estar directamente sob o controlo de grandes grupos estrangeiros. E a gravidade desta situação ainda se torna mais clara se se tiver presente que esta percentagem representa 74,05% do total das "participações qualificadas", que são aquelas que controlam, de facto, a gestão operacional e estratégica deste importante grupo.

Uma situação muito semelhante se verifica também na GALP, onde os grupos económicos estrangeiros já controlam 48,44% do capital total da GALP, que representa 64,73% do valor total das "participações qualificadas" deste grupo. Em termos de residência, e segundo dados constantes dos respectivos relatórios e contas destas empresas, 71,35% do capital total da EDP, e 78% do capital total da GALP já se encontram nas mãos de não-residentes, cujos dividendos que recebem não pagam impostos em Portugal apesar dos lucros que obtém serem gerados no nosso país. Se o governo de Passos Coelho vender, como já declarou ser sua intenção, os 51,1% do capital da REN que o Estado ainda detém, o sector da energia em Portugal cairá totalmente sob o controlo de grupos estrangeiros, cujos objectivos estratégicos não têm nada a ver com o desenvolvimento de Portugal.

A EDP é um dos grupos económicos mais lucrativos a operar em Portugal e com activos de elevado valor. No período 2005-2010, os lucros líquidos obtidos por este grupo somaram 6.414 milhões de €, e se comparamos os lucros líquidos da EDP no período de Jan-Set2010 com os de Jan-Set-2011, eles aumentaram, entre 2010 e 2011, em 24%, pois passaram de 774 milhões € para 960 milhões €. Isto em plena crise, quando os rendimentos da maioria das famílias e das PME diminuíram. Em 2010, o volume de negócios do grupo EDP atingiu 14.171 milhões € (mais 46,4% do que em 2005), e o valor dos seus activos líquidos alcançou 40.489 milhões € (mais 68,4% do que em 2005). Apesar disto, 21,35% do grupo EDP que pertencia ao Estado, foi vendido à empresa estatal chinesa, Three Gorges por apenas 2.700 milhões €. O Estado perdeu assim uma importante fonte de receitas do Orçamento do Estado, que vai ser naturalmente compensada com aumentos de impostos sobre os portugueses, e uma posição estratégica numa empresa estratégica, ficando assim mais fragilizado para poder defender a economia portuguesa face a interesses estrangeiros e para promover o crescimento económico. Razão tem o presidente da Three Gorges para estar satisfeito, e para afirmar em declarações aos media, logo depois de ter assinado o contrato que tinha sido um "negócio barato". O espectáculo dado pelos ministros das Finanças e da Economia, entretidos numa risonha cavaqueira na sessão, transmitida pela televisão, de assinatura do contrato de venda dos 21,3% do capital aos chineses, deu bem um retrato da falta de dignidade nacional deste governo.

Na polémica devido à deslocalização da empresa mãe do grupo Jerónimo Martins para a Holanda, para fugir ao pagamento de impostos em Portugal, um aspecto importante que tem sido esquecido, é que a crescente internacionalização dos grupos económicos a operar em Portugal tem sido financiada com os lucros obtidos no nosso país. Aproveitando a posição de domínio que tem no mercado e o facto da AdC e do próprio governo estarem reféns dos grupos económicos, e nada fazerem, impõem os preços e condições que querem.

O caso de Jerónimo Martins é paradigmático. Cerca de 3.884 milhões € do seu volume de negócios de 2010 foi obtido em Portugal. Este grupo é um dos principais importadores de produtos estrangeiros estrangulando a produção nacional, e tem uma política leonina relativamente aos produtores nacionais, esmagando preços e impondo largos prazos de pagamento. O mesmo tem acontecido relativamente ao grupo EDP, cuja actividade no estrangeiro tem sido financiada através de um forte endividamento (17.891,6 milhões € em Dezembro de 2010) e com os elevadíssimos lucros que obtém em Portugal, alcançados através dos preços exorbitantes que impõe às famílias e empresas portuguesas. Para concluir isto basta comparar com a França, em que preço da electricidade sem taxas é, em Portugal, superior em 2,1%, mas o ganho das famílias é inferior em 51,8%,

Em Portugal, como consequência da política seguida pelos sucessivos governos desde Cavaco Silva, que iniciou as privatizações, o sector de energia vital para o futuro do pais já está sob o controlo de grupos económicos estrangeiros. E como consequência da politica do governo de Passos Coelho e do seu ministro das Finanças que, sob o falso pretexto de aumentar a competitividade e atrair investimento estrangeiro, pretendem privatizar tudo corre-se o risco do pouco que ainda está na mão do Estado ser vendido, a preço de saldo, a estrangeiros.

O sector da energia em Portugal – electricidade, gás e combustíveis – é dominado pelas empresas EDP e GALP, que têm posições de domínio em todos os segmentos deste sector, e por grupos económicos estrangeiros (Endesa, Iberdrola, Union Fenosa, Essa, BP, Repsol, Cepsa). Os grupos EDP e GALP, que resultaram da privatização de empresas públicas, caíram rapidamente, por acção dos sucessivos governos, sob o controlo de grupos económicos estrangeiros.

Quadro 1 –Dimensão do controlo da EDP e da GALP por capital estrangeiro
Grupos dominantes no sector da energia em Portugal
Grupos estrangeiros que controlam EDP eGALP
Participações qualificadas detidas por grupos estrangeiros
% do Capital Total
% do capital total
da EDP e GALP
pertencentes
a não residentes

(com residência fora de Portugal)
EDP
Three Gorges (China), Iberdrola (Espanha), CajAstur (Espanha), Senfora (Abu Dhabi), Norges Bank (Noruega), Sonatrach (Argélia), Qatar Holdin (Qatar)
44,22%
(74,05% do valor das participações qualificadas)
71,35%
GALP
ENI (Itália), Amorim Energia (empresa com sede na Holanda em que 45% do capital pertence à Sonangol de Angola)
48,34%
(64,73% do valor das participações qualificadas)
78%
Fonte: Relatórios e Contas e sites da EDP e GALP

Como revelam os dados do quadro, 44,22% do capital total da EDP, e 48,34% do capital total da GALP já pertencem a grupos económicos estrangeiros, vários deles estatais (Three Gorges, Senfora, Norges Bank, Qatar Holding, Sonangol). Se a análise for feita, não em termos do capital total de cada uma das empresas, mas sim tomando como base as participações qualificadas, que são aquelas que controlam de facto a gestão operacional e estratégica de qualquer empresa ou grupo, conclui-se que 74,05% das "participações qualificadas " da EDP e 64,73% das "participações qualificadas" já estão sob o controlo de grupos estrangeiros, portanto os objectivos da EDP e GALP já são determinados pelos objectivos estratégicos dos grupos estrangeiros que, como é evidente, não tem nada a ver como o desenvolvimento equilibrado e sustentado de Portugal. E isto apesar dos defensores desses grupos em Portugal, como António Mexias, dizerem o contrário.

Por outro lado, e de acordo com dados divulgados pelas empresas nos seus relatórios e contas, 71,35% do capital da EDP e 78% do capital da GALP pertence a accionistas com residência no estrangeiro. É uma forma também de fugir ao pagamento de impostos em Portugal sobre os dividendos que recebem. Por aqui se vê que o capital não tem pátria, e que o patriotismo é uma palavra que não faz parte do seu dicionário.

A EDP, UM GRUPO ALTAMENTO LUCRATIVO, FOI VENDIDO "BARATO" PELO GOVERNO PSD/CDS SEGUNDO PALAVRAS DO PRESIDENTE DA EMPRESA CHINESA "THREE GORGES"

A EDP, é o grupo económico em Portugal que tem apresentado lucros mais elevados e cujo volume de negócios e activos têm crescido mais, como revelam os dados do quadro 2.

Quadro 2 – Dados consolidados do grupo EDP – Período 2005-2010
ANOS
Volume de Negócios
Milhões €
Lucros Líquidos
Milhões €
Capital Próprio
Milhões €
Activo Líquido
Milhões €
Capitalização bolsista
Milhões €
2005 9.677 1.071 4.823 24.033 9.507
2006 10.350 941 5.589 25.468 14.041
2007 11.011 907 6.264 31.527 16.345
2008 13.894 1.092 6.367 35.745 9.854
2009 12.198 1.168 7.291 40.262 11.365
2010 14.171 1.235 7.855 40.489 9.108
SOMA   6.414      
Variação 2005-2010 +46,4%   +62,8% +68,5% -4,2%
Fonte: Relatório e Contas da EDP

Entre 2005 e 2010, o volume de negócios do grupo EDP aumentou em 46,4%, pois passou de 9.677 milhões € para 14.171 milhões €; o capital próprio cresceu em 62,8%, pois passou de 4.823 milhões € para 7.855 milhões, e o valor do seu activo liquido aumentou em 68,5%, pois passou de 24.033 milhões € para 40.489 milhões €. No período 2005-2010, os lucros líquidos obtidos pelo grupo EDP somaram 6.414 milhões €, o que significa que constituía uma importante fonte de receitas para o Orçamento do Estado que, com a venda da participação do Estado à empresa estatal chinesa, desaparece, passando tal fonte de receitas para os chineses da Three Gorges.

Entre 2010 e 2011, e tomando como base apenas o período Janeiro-Setembro de cada ano, os lucros da EDP aumentaram 24%, pois passaram de 774 milhões € para 960 milhões €. Estes números dão uma ideia do valor e da importância do grupo EDP para o pais e para o Estado, que foi vendido a preço de saldo como revelam os dados do próprio grupo constantes do quadro 2. Em 2010, consequência dos efeitos da especulação financeira, o valor na bolsa da EDP (a chamada capitalização bolsista) era apenas de 9.108 milhões €, ou seja, menos 44% do que em 2007. E isto apesar de, entre 2007 e 2010, o volume de negócios do grupo EDP ter aumentado em 28,7%; os lucros líquidos terem subido em 36,1%; os capitais próprios terem aumentado em 25,4%; e o valor do activo líquido ter aumentado em 28,4%. Apesar do crescimento significativo de todas estas variáveis, que deviam representar uma maior valorização do grupo EDP, o governo PSD/CDS e a "troika" FMI-BCE-CE, que representam os interesses dos grupos económicos transnacionais, decidiram vender a EDP, o que permitiu aos chineses da Three Gorges apoderarem-se de uma parcela estratégica do capital da EDP oferecendo um pouco mais que o valor em bolsa (+39%). E assim, o controlo de uma empresa estratégica de Portugal passou para estrangeiros.

PORTUGAL ESTÁ-SE A TRANSFORMAR, PARA GRUPOS COMO A EDP E JERÓNIMO MARTINS, NUMA IMPORTANTE FONTE DE LUCROS QUE DEPOIS SERVEM PARA FINANCIAR INVESTIMENTOS NO ESTRANGEIRO

O financiamento da crescente internacionalização da actividade dos grupos a operar em Portugal tem sido conseguido através dos elevados preços que impõem aos portugueses, como provam os dados do Eurostat e da Direcção Geral de Energia constantes do quadro 3

Quadro 3 – Ganhos médios anuais brutos e preços de electricidade paga pelas famílias
PAÍS
Ganhos médios anuais brutos
Euros
Preço electricidade sem taxas
Consumo médio 3.500 kWh
1º semestre de 2011
2009
Portugal
em relação
a cada país
2009
2010
Portugal
em relação
a cada país
2010
Euros / kWh
Portugal
em relação
a cada país
Dinamarca 56.044 -69,4% :   0,126 -19,6%
Alemanha 41.100 -58,3% 42.400 -59,1% 0,141 -27,8%
Irlanda 45.207 -62,1% :   0,158 -35,9%
Grécia 29.160 -41,3% :   0,100 1,4%
França 35.530 -51,8% :   0,099 2,1%
Holanda 44.412 -61,4% 45.215 -61,6% 0,130 -21,9%
Portugal 17.129 0,0% 17.352 0,0% 0,102 0,0%
Finlândia 39.052 -56,1% 40.122 -56,8% 0,108 -6,1%
Suécia 34.746 -50,7% 40.008 -56,6% 0,138 -26,2%
Reino Unido 38.047 -55,0% 39.626 -56,2% 0,137 -25,6%
Fonte: Ganhos- Eurostat; Preço electricidade - Direcção Geral Energia - Ministério da Economia

Em 2010, o ganho médio BRUTO em Portugal era inferior ao ganho médio na Alemanha em 59,1%, mas o preço do kWh sem taxas, portanto o que reverte totalmente para as empresas, era, em Portugal, inferior ao pago pelas famílias alemãs em apenas 27,8%. Os casos da Grécia e da França eram ainda mais escandalosos. O preço da electricidade, sem taxas, em Portugal era mais elevado do que nestes dois países (respectivamente, +1,4% e +2,1%), mas os ganhos anuais das famílias eram significativamente inferiores (respectivamente, -41,3% e -51,8%).

É impondo preços desta natureza que o grupo EDP obtém elevadíssimos lucros com os quais, em parte, financia a internacionalização da sua actividade. O grupo Jerónimo Martins segue uma estratégia diferente. É um dos maiores importadores de produtos estrangeiros, não promovendo nas suas lojas a produção nacional, contribuindo assim para o estrangulamento da produção no país e para o aumento do desemprego. E depois utiliza o seu poder de mercado para impor aos produtores nacionais (aqueles a que ainda compra) preços e prazos leoninos perante a passividade da Autoridade da Concorrência e do Governo.

05/Janeiro/2012
[*] Economista, edr2@netcabo.pt , www.eugeniorosa.com

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