Portugal não utilizou 6.151,6 milhões € de fundos comunitários do QREN até 30/06/2009 que o podiam ser para dinamizar a economia e criar emprego

por Eugénio Rosa [*]
RESUMO DESTE TRABALHO

O desemprego é o problema social mais grave que o País enfrenta actualmente, e vai continuar a aumentar se não forem tomadas rapidamente medidas. Para combater o aumento do desemprego é necessário criar postos de trabalho, ou seja, é preciso investir mais. No entanto, segundo o INE, até ao 2º Trimestre de 2009, o investimento em Portugal reduziu-se em -15,9% em relação a igual período de 2008. Entre 2000 e 2010, o investimento total em Portugal baixará de 27,1% do PIB para apenas 17,4% do PIB. Só um aumento significativo do investimento público é que poderá inverter esta quebra contínua que levará Portugal a um maior atraso e divergência da União Europeia.

Sócrates não se cansa agora de afirmar que o investimento público é vital para o País sair da crise. No entanto, existe uma distância abissal quando comparamos as suas declarações com os actos do seu governo. Serve de prova o que tem acontecido com a aplicação dos Fundos Comunitários do QREN, que são fundos públicos. Apenas uma ínfima parte do que podia ser utilizado por Portugal (16,2%) foi aplicado até a esta data.

Como se sabe, o QREN abrange o período 2007-2013. De 1 de Janeiro de 2007 até 30 de Junho de 2009, o valor dos Fundos Comunitários do QREN não utilizados, podendo o ser, atingiu 6.151,6 milhões de euros. De acordo com dados constantes do Boletim Informativo nº 4 do QREN, que acabou de ser divulgado, até 30 de Junho de 2009 tinham sido utilizados (pago aos beneficiários) apenas 1.190,6 milhões de euros dos 7.342,2 milhões de euros que a Comunidade Europeia tinha posto ao dispor de Portugal para utilizar até ao fim do 1º semestre de 2009, o que corresponde a uma taxa de execução de apenas 16,2%. Só devido ao atraso na utilização dos Fundos Comunitários estimamos que Portugal já perdeu já 320 milhões de euros em termos de poder de compra.

Se a análise for feita por programa as conclusões ainda são mais graves, pois existem programas fundamentais para o desenvolvimento do País e para enfrentar a crise em que a taxa de execução é extremamente baixa. Assim, a taxa de execução, medida em percentagem do que o pago aos beneficiários representa em relação ao que podia ter sido utilizado por Portugal até 30/06/2009, era de apenas 21,4% no Programa Operacional Factores de Competitividade essencial para aumentar a competitividade das empresas (pagou-se 227,4 milhões de euros aos beneficiários, ficando por gastar 833,1 milhões de euros); no Programa Potencial Humano, fundamental para aumentar a qualificação dos portugueses que é actualmente um obstáculo estrutural ao desenvolvimento, a taxa de execução era apenas de 34,3% (pagou-se 684 milhões de euros ficando por gastar 1.309,5 milhões de euros); no Programa Valorização do Território, vital no combate às assimetrias regionais e na construção de acessibilidades, a taxa de execução era apenas de 1,8% (pagou-se aos beneficiários somente 28,9 milhões de euros, ficando por gastar 1.562,9 milhões de euros) em dois anos e meios de execução.

Em relação aos Programas Operacionais Regionais (POR), fundamentais para promover o desenvolvimento das regiões, a taxa de execução era ainda mais baixa. Até 30/06/2009, a taxa de execução no POR do Norte era apenas de 4,3% (tinham sido pagos aos beneficiários 39,7 milhões de euros, ficando por gastar 886,9 milhões de euros); no POR do Centro a taxa de execução era apenas de 3,3% (foram pagos aos beneficiários 19 milhões de euros, ficando por gastar 562,4 milhões de euros); no POR do Alentejo a taxa de execução era de 4,9% (foi pago 14,6 milhões de euros, ficando por gastar 282,3 milhões de euros); no POR de Lisboa a taxa de execução era de 13,9% (foi pago 14,5 milhões de euros, ficando por gastar 90 milhões de euros); no POR do Algarve a taxa de execução era apenas de 5% até Junho de 2009 (foi pago 5 milhões de euros, tendo ficado por gastar 91,3 milhões de euros). Até 30 de Junho de 2009, a taxa de execução nos dois programas da RA dos Açores era de 31,3% (foi pago 123,6 milhões de euros, ficando por gastar 271,6 milhões de euros), e nos dois PO da Madeira a taxa de execução era apenas de 8,7% (foi pago 21 milhões de euros, ficando por gastar 220,3 milhões de euros).

Eis, na prática, a que se resume a "paixão" tardia de Sócrates pelo investimento público.

A quebra acentuada e simultânea em Portugal do investimento, das exportações e da procura interna que se verifica neste momento constituem algumas das causas mais importantes da grave crise que o País enfrenta e, nomeadamente, do aumento vertiginoso do desemprego. Segundo o INE, até ao 2º Trimestre de 2009, comparando com idêntico período de 2008, o investimento já havia caído em -15,9%, as exportações em -17,1% e o consumo interno em -1%.

O quadro seguinte, com as últimas previsões do Banco de Portugal para os anos de 2009 e 2010, mostra a persistência daquela tendência negativa.

QUADRO I
Tabela 1.

Embora Sócrates esteja eufórico com o crescimento de 0,3% no 2º Trimestre de 2009, pois não se cansa de o referir, o certo é que todos os indicadores previsionais indicam a persistência da crise que o governo teima em ignorar.

Assim, a previsão do Banco de Portugal para todo o ano de 2009, e não apenas para o 2º Trimestre, é uma diminuição de -3,5% do PIB; uma quebra de -14,3% no investimento; uma redução de -17,7% nas exportações e uma baixa de -1,8% no consumo interno. E para 2010, é a manutenção desta tendência embora com dimensão mais reduzida como revelam os dados do quadro retirado do Boletim Económico do Banco de Portugal – Verão de 2009. Se tivermos em conta o período 2008-2010, portanto em três anos, a riqueza total produzida em Portugal, medida pelo PIB, reduzir-se-á em mais de 4%, o que significa que Portugal para se colocar ao nível do PIB de 2007, com as taxas de crescimento económico que tem tido nos anos anteriores necessitará de quatro a cinco anos.

A QUEBRA CONTINUADA DO INVESTIMENTO EM PORTUGAL NOS ÚLTIMOS ANOS

A capacidade de Portugal para criar emprego e para se desenvolver depende do volume e da qualidade do investimento realizado. Sem investir não é possível nem criar emprego, nem criar riqueza. E o que se tem verificado desde 2000, como os sucessivos governos do PSD e PS, é uma quebra continuada e persistente da taxa de investimento, como revela o gráfico seguinte construído com dados divulgados pelo Eurostat.

GRÁFICO I
Gráfico 1.

Entre 2000 e 2010, a taxa de investimento em Portugal, medida pela percentagem que o investimento representa em relação ao PIB, apresenta uma forte quebra pois passa de 27,1% do PIB em 2000 para apenas 17,4% do PIB em 2010, ou seja, uma redução de -35,8%.

Por outro lado, durante os quase cinco anos de governo de Sócrates a quebra no investimento total do País é também muito acentuada. Em 2004, a taxa de investimento correspondeu a 22,2% do PIB; em 2005 a 21,7% do PIB; e, em 2009, prevê-se que atinja apenas 18,8% do PIB. Para 2010, o Eurostat prevê uma taxa apenas de 17,4%.

Se se comparar a evolução verificada em Portugal com a taxa de investimento média nos 27 países da União Europeia constatamos uma preocupante e grave situação. Em 2000, a taxa de investimento em Portugal (27,1% do PIB) era superior à média da UE27 (20,6% do PIB), o que era necessário para Portugal recuperar o atraso económico e social que tinha relativamente à média comunitária. No entanto, a partir daquele ano verifica-se uma queda continua em Portugal o que determinou que, em 2009, a taxa em Portugal (18,8% do PIB) já seja inferior à média da UE27 (19,5% do PIB) e, em 2010, a previsão do Eurostat é que a relação se agrave ainda mais com a taxa de investimento em Portugal a cair para 17,4% do PIB e a média na UE27 a situar-se nos 19%. E isto quando Portugal precisava de investir percentualmente mais do que a média comunitária para assim recuperar da situação de atraso em que se encontra e convergir, o que não acontece há muitos anos, para a média da UE27, cujo valor até baixou com a adesão dos dez novos países.

A manter-se esta quebra continuada na taxa de investimento, será impossível ao País modernizar-se, criar emprego, aumentar significativamente a capacidade para produzir mais riqueza (produto potencial) e sair de uma forma sustentada da crise. Se juntarmos a isto a falta de qualidade de muito investimento realizado em Portugal (cerca de 45% continua a ser na construção) torna-se evidente que o crescimento económico e o desenvolvimento sustentado continuam ainda muito longe do País.

Só um aumento muito significativo do investimento público em Portugal é que poderá inverter esta caminhada na direcção do atraso e de uma maior divergência em relação aos países da União Europeia. Infelizmente não é esse o caminho que está a ser seguido em Portugal como prova o que tem acontecido a nível de utilização dos fundos comunitários do QREN.

NO PERIODO DE JANEIRO DE 2007 A JUNHO DE 2009, A TAXA DE EXECUÇÃO DO QREN FOI APENAS DE 16%, FICANDO POR UTILIZAR SÓ NESTE PERIODO 6.151,6 MILHÕES DE EUROS

O QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional), que é a actual designação do novo quadro comunitário de apoio da União Europeia a Portugal começou a vigorar em 1 de Janeiro de 2007, e abrange o período 2007-2013.

Os fundos comunitários são importantes para Portugal nomeadamente no campo do investimento, da modernização das empresas e do País, e no aumento das qualificações dos portugueses e no combate às assimetrias regionais. São fundos públicos, que poderão financiar investimentos públicos. No entanto, a taxa de utilização dos fundos comunitários do QREN até Junho de 2009, portanto com este governo, tem sido muito baixa como revela o quadro seguinte construído com os últimos dados divulgados pelos próprios responsáveis do QREN.

QUADRO II – Fundos disponibilizados pela União Europeia no âmbito do QREN e fundos comunitários utilizados por Portugal no período Jan2007-Jun2009
PROGRAMAS OPERACIONAIS
PROGRAMADO ATÉ 30/06/2009 (Fundos Comunitários que podiam ter sido gastos até 30/06/2009)
Milhões euros
UTILIZADO
(Pago aos beneficiários)
até 30/06/2009
NÃO UTILIZADO ATÉ 30/06/2009
2007+2008
1ºSem.2009 (*)
SOMA
Milhões €
Em %
Milhões €
POT Factores Competitividade (FEDER+FC) 843,3 217,2 1.060,5 227,4 21,4% 833,1
POT Potencial Humano (FSE) 1.585,3 408,2 1.993,5 684,0 34,3% 1.309,5
POT Valorização Território (FEDER+FC) 1.265,8 326,0 1.591,8 28,9 1,8% 1.562,9
POR Norte (FEDER) 736,8 189,8 926,6 39,7 4,3% 886,9
POR Centro (FEDER) 462,4 119,0 581,4 19,0 3,3% 562,4
POR Alentejo (FEDER) 236,1 60,8 296,9 14,6 4,9% 282,3
POR´s Açores (FEDER+FSE+DE) (**) 314,2 81,0 395,2 123,6 31,3% 271,6
PO Assistência Técnica 43,2 11,0 54,2 13,0 23,9% 41,2
QREN -Total -Convergência 5.487,1 1.413,0 6.900,1 1.150,2 16,7% 5.749,9
POR Lisboa 83,3 21,2 104,5 14,5 13,9% 90,0
POR Algarve 80,5 15,8 96,3 5,0 5,1% 91,3
PO´s Madeira (FEDER+FSE) (**) 201,5 39,8 241,3 21,0 8,7% 220,3
QREN-TOTAL 5.852,4 1.489,8 7.342,2 1.190,6 16,2% 6.151,6
Fonte: QREN - 2007-2013; POR Lisboa; POR Algarve; PO´s-RA Açores; PO´s -RAMadeira:-Pogramações Financeiras. QREN -Indicadores Conjunturais de Monitorização - Boletim Informativo 4
(*) Estimou-se o valor referente ao 1º Semestre de 2009, dividindo o total programado para 2009 por 2
(**) Os valores dos POR´s dos Açores e da Madeira incluem os dois programas operacionais de cada uma das regiões.

No período compreendido entre 1 de Janeiro de 2007 e 30 de Junho de 2009, portanto em dois anos e meio de governo Sócrates, a União Europeia disponibilizou a Portugal, no âmbito do QREN, 7.342,2 milhões de euros. Eram fundos que Portugal podia ter já utilizado se tivesse capacidade para o fazer. No entanto, neste período, de acordo com o Boletim Informativo nº4 que está disponível no "site" do QREN, este governo só utilizou, ou melhor, apenas pagou aos beneficiários destes fundos (empresas, agricultores, trabalhadores, etc.) 1.190,6 milhões de euros até 30/06/2009, ficando por utilizar 6.151,6 milhões de euros.

Se a análise da execução for feita por Programas Operacionais durante o período Jan2007/Jun2009, a gravidade é ainda maior, pois existem programas fundamentais para o desenvolvimento do País e para enfrentar a crise cuja taxa de execução é ainda mais baixa.

Assim, podiam ter sido utilizados, mas o não foram, 833,1 milhões de euros no Programa Operacional Factores de Competitividade destinado a aumentar a competitividade das empresas; 1.309,5 milhões de euros no Programa Potencial Humano, destinado à educação e formação profissional; 1.562,9 milhões de euros no Programa Valorização do Território destinado ao desenvolvimento regional e ao ambiente; 886,9 milhões de euros no Programa Regional do Norte; 562,4 milhões de euros no POR do Centro; 282,3 milhões de euros no Programa Regional do Alentejo; 271,6 milhões de euros no programa dos Açores; 90,0 milhões de euros no POR de Lisboa; 91,3 milhões de euros no do Algarve; e não foram utilizados, podendo o ser, 220,3 milhões de euros nos programas da Região Autónoma da Madeira.

Quando o País precisa, mais do que em qualquer outra altura, de aumentar o investimento e a procura interna para combater a crise e o desemprego, e o QREN podia dar um contributo importante para isso, constata-se que, por incapacidade deste governo (lentidão extrema na utilização), e também da Comissão Europeia (aprovação tardia), cerca de 6.151,6 milhões de euros de fundos comunitários não foram utilizados no período Jan2007-Jun2009, quando já o podiam ser.

O gráfico II dá uma ideia clara da taxa de execução dos diversos programas operacionais do QREN no período Jan2007-Jun2009, de acordo com os dados oficiais do próprio QREN.

GRÁFICO II
Gráfico 3.

Como mostra o gráfico de uma forma clara, em Junho de 2009, ou seja, ao fim de 2,5 anos de execução do QREN pelo governo de Sócrates, as taxas de execução nomeadamente do Programa Valorização do Território (apenas 1,8%), dos programas operacionais regionais (entre 3,3% e 4,9% nos com mais fundos e, consequentemente, com maior impacto que são os das regiões Norte, Centro e Alentejo) eram inaceitavelmente baixas. Por outro lado, a taxa de execução nos programas operacionais do Algarve (apenas 5,1%), da RA da Madeira (8,7%) e de Lisboa (13,9%) também eram muito baixas.

O actual governo fala muito de competitividade e da necessidade de aumentar a qualificação dos portugueses. No entanto, ao fim de dois anos e meio de execução do QREN, apenas 21,4% dos fundos comunitários do Programa Factores de Competitividade que podiam ter sido utilizados, foram aplicados, e em relação ao Programa Potencial Humano, que tem como objectivo qualificar os portugueses, apenas 34,3% foi utilizado.

Este atraso crescente na utilização dos Fundos Comunitários (ficaram por utilizar até Dezembro de 2008: 5.283,1 milhões de euros; até Março de 2009: 5.796,2 milhões de euros; e até Junho de 2009: 6.151,6 milhões de euros) está a causar graves prejuízos ao País. É certo que o não utilizado não se perde totalmente pois poderá ser utilizado em anos posteriores. No entanto, a não utilização atempada, ou seja, quando o podia ser dos fundos comunitários, significa emprego não criado quando já poderia ser criado; riqueza não produzida quando o podia ter sido; e poder de compra definitivamente perdido. De acordo com estimativas que fizemos, Portugal já perdeu definitivamente poder de compra nos fundos comunitários avaliado em cerca de 320 milhões de euros, devido ao aumento de preços verificado.

Eis, no fundo e na prática, a que se resume a estranha e tardia "paixão" de Sócrates pelo investimento público.

15/Setembro/2009
[*] Economista, edr2@netcabo.pt

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
17/Set/09