A União Europeia e o Euro serviram para enriquecer a Alemanha
Com a vitória do Syriza na Grécia uma santa aliança se
levantou em toda a UE contra o povo grego. E como não podia deixar de
ser os que, em Portugal, estão sempre com sra. Merkel e com Bruxelas, e
têm acesso fácil aos media, levantaram-se em uníssono
contra um povo que teve a coragem de desafiar os burocratas de Bruxelas e de
Berlim, que vêm assim o seu poder antidemocrático e mordomias
serem postas em causa.
E a santa aliança interna manifestou-se logo pela voz de
Passos Coelho
que, dando mais uma vez provas do seu primarismo, classificou o programa do
Syriza, que visa acudir à tragédia humanitária que atingiu
a Grécia e restabelecer a dignidade do povo grego, como um "conto
de crianças". Na SIC,
José Gomes Ferreira
, o defensor da "austeridade que resulta", com o seu ar convencido e
professoral, previu uma tragédia final para a Grécia e para a UE
e com isso tentou, mais uma vez, amedrontar e imobilizar os portugueses. No
semanário SOL,
José António Saraiva
considerou que a experiência grega, condenada ao fracasso, será a
"vacina" necessária para todos aqueles que ousam por em causa
a politica de empobrecimento imposta pela UE e que afirmam que existe uma
alternativa a esta politica de destruição do país. No
Expresso,
Henrique Monteiro
caracteriza o programa do Syriza como "um programa para desesperados,
irresponsável e deve ser criticado" Na RTP,
José Rodrigues Santos
, em comentário de Atenas às eleições gregas, no
seu ar brejeiro característico, procurando denegrir o povo grego,
afirmou que os "gregos fazem-se de paralíticos para ter um
subsidiozinho". Outros, embora não se atrevam a exteriorizar,
desejam no seu interior o fracasso da experiencia grega para depois dizer que
tinham razão, como se possuíssem a "solução
milagrosa" e a alternativa não fosse lutar pela mudança.
É uma verdadeira santa aliança de todos que estão curvados
perante os burocratas de Bruxelas e a sra. Merkel, procurando assim obter as
suas graças, que se levantou contra os que ousam desafiar Bruxelas. E um
dos argumentos mais utilizados nesta campanha, embora sem se darem ao trabalho
de o provar, é que os outros países e, nomeadamente a Alemanha,
não têm nem estão dispostos a pagar a fatura grega.
Interessa pois analisar com objetividade e profundidade este argumento, ou
seja, se é a Alemanha que financia os outros países, ou se o
nível de vida dos alemães é conseguido à custa da
transferência de riqueza de outros países para a Alemanha. Para
isso vamos utilizar dados da própria Comissão Europeia constantes
da sua base de dados AMECO.
O BEM-ESTAR DOS ALEMÃES É CONSEGUIDO À CUSTA TAMBÉM
DA RIQUEZA CRIADA EM OUTROS PAÍSES E TRANSFERIDA PARA A ALEMANHA
O quadro 1,construído com dados oficiais da Comissão Europeia,
mostra de uma forma clara e sintética os resultados para três
países Alemanha, Grécia e Portugal da
criação da União Europeia e, nomeadamente, da Zona do Euro
em 2002.
Para que os dados do quadro sejam mais claros interessa ter presente o
significado dos conceitos que são utilizados nele: (1)
PIB, ou seja, o Produto Interno Bruto
, corresponde ao valor da riqueza criada em cada país em cada ano pelos
que residem nesse país; (2)
PNB, ou seja, Produto Nacional Bruto
, corresponde à riqueza que os habitantes de cada país
dispõem em cada ano que pode ser maior do que a produzida no país
(no caso da transferência de riqueza do exterior ser superior à
riqueza produzida no país em cada ano transferida para o exterior) ou
então pode ser menor que a produzida no país (no caso de uma
parte da riqueza produzida no país ser transferida para o exterior e
não ser compensada pela que recebe do exterior).
E como os próprios dados divulgados pela Comissão Europeia
mostram, antes da entrar para a União Europeia, o PIB alemão era
superior ao PNB, o que significava que uma parte da riqueza criada na Alemanha
era transferida para o exterior beneficiando os habitantes de outros
países. No entanto, após a entrada para a União Europeia,
o PNB alemão passou a ser superior ao PIB alemão. Isto significa
que a riqueza que os alemães passaram a dispor após a
criação da União Europeia, e nomeadamente da Zona Euro
passou a ser muito superior ao valor da riqueza produzida no próprio
país, o que é só possível por meio da
transferência da riqueza criada pelos trabalhadores dos outros
países para a Alemanha. Na Grécia e em Portugal aconteceu
precisamente o contrário. Mas observem-se os dados do quadro que
são extremamente claros.
Quadro 1 Transferência de riqueza criada em outros países
para a Alemanha
e transferência de riqueza criada na Grécia e em
Portugal para o exterior
a preços de mercado 1995/2015
Observem-se com atenção os dados do quadro 1, mas recorde-se mais
uma vez o seguinte: PIB é o valor da riqueza criada anualmente no
país; o PNB é o valor da riqueza que o país tem ao seu
dispor em cada ano. São duas coisas diferentes E quais as
conclusões que se tiram dos dados da Comissão Europeia constantes
do quadro 1?
Comecemos pela Alemanha. Até 2002, o PNB alemão era inferior ao
PIB alemão, o que significava que uma parcela da riqueza criada na
Alemanha ia beneficiar os habitantes de outros países. A partir da
criação da Zona Euro em 2002, a situação inverte-se
rapidamente: o PNB alemão passa a ser superior ao PIB alemão, ou
seja, superior ao valor da riqueza criada na Alemanha. Isto significa que uma
parcela da riqueza criada em outros países é transferida para a
Alemanha indo beneficiar os habitantes deste país. Só no
período 2003-2015 estima-se que a riqueza criada em outros países
que foi transferida para Alemanha, indo beneficiar os seus habitantes, atingiu
677.945 milhões , ou seja, o correspondente a 3,8 vezes o PIB
português.
Na Grécia e em Portugal aconteceu precisamente o contrário como
mostram os dados da Comissão Europeia. Na Grécia até 2001,
o PNB grego (a riqueza que o país dispunha anualmente) era superior ao
PIB (o que era produzido no pais). No entanto, a partir de 2002, com a
criação da Zona Euro, começa a verificar-se precisamente o
contrário. Uma parcela da riqueza criada na Grécia é
transferida para o exterior indo beneficiar os habitantes dos outros
países. Em Portugal aconteceu o mesmo mas logo após a entrada
para a União Europeia em 1996.
Como revelam os dados da Comissão Europeia constantes do quadro 1, se
consideramos o período que vai desde a criação da Zona do
Euro (2002-2015) a riqueza criada na Grécia que foi transferida para o
exterior, indo beneficiar os habitantes de outros países, já
atinge 48.760 milhões .
Em Portugal tal situação começou poucos anos depois de
entrar para a União Europeia. Em 1995, o PNB português, ou seja, a
riqueza que o país dispôs nesse ano ainda era superior ao PIB, ou
seja, à riqueza criada nesse ano em Portugal, em 353 milhões
. A partir de 1996, o PIB passou a ser superior ao PNB, ou seja, uma
parte crescente da riqueza criada em Portugal começou a ser transferida
para o exterior indo beneficiar os habitantes de outros países. No
período 1996-2015, o valor do PIB deste período (20 anos)
é superior ao valor do PNB deste período em 70.751 milhões
. Tal é o montante de riqueza líquida criada em Portugal
que foi transferida para o exterior indo beneficiar os habitantes de outros
países, incluindo os da Alemanha. E como mostram também os dados
do quadro 1, após a entrada de Portugal na Zona Euro em 2002, a
transferência da riqueza criada em Portugal para outros países
aumentou ainda mais (só no período da "troika" e do
governo PSD/CDS a transferência liquida de riqueza para o exterior que
foi beneficiar os habitantes de outros países atingiu 20.807
milhões ).
Portanto, afirmar como fazem os defensores em Portugal da sra. Merkel e dos
burocratas de Bruxelas que é a Alemanha que financia tudo é
não compreender os mecanismos de funcionamento atual da economia
mundial; é no fundo mostrar ignorância ou mentir. Mas não
é apenas neste campo que se verifica esta transferência de
riqueza. Existem outros campos e outros mecanismos que abordaremos em estudos
futuros.
MAIS DE DOIS MILHÕES DE PORTUGUESES NO LIMIAR DA POBREZA SEGUNDO O INE
Esta transferência maciça de riqueza criada em Portugal para
outros países, associada à destruição nomeadamente
da agricultura, das pesca e da indústria e, consequentemente,
também do emprego, tem causado o aumento rápida da miséria
como revelam os dados divulgados pelo INE em 30/1/2015 e constantes do quadro 2.
Como revelam os dados do INE, em 2010, ano anterior à entrada da
"troika" e do governo PSD/CDS, 42,5% dos portugueses, ou seja,
4.431.603 estariam no "limiar da pobreza" se não existissem
prestações sociais; em 2013, essa percentagem já tinha
aumentado para 47,8% dos portugueses, ou seja, para 4.984.250 (+552.647).
Mas mais grave é o aumento verificado após o pagamento das
prestações sociais
(pensões, Rendimento Social de Inserção, Complemento
Solidário de Idoso, abono de família, etc.).
Como consequência da politica da "
troika
" e do governo PSD/CDS de cortes na área das
prestações sociais aos mais desfavorecidos, o numero de
portugueses na pobreza aumentou, entre 2010 e 2013, de 1.876.914 (18% da
população portuguesa) para 2.033.324 (19,5% da
população portuguesa). Em Dezembro de 2014, 35% dos jovens
portugueses estavam desempregados, e o desemprego oficial atingia 695 mil
portugueses. E segundo o INE o desemprego é a maior causa da
miséria em Portugal (40,5% dos desempregados viviam no limiar da pobreza
já em 2013 segundo o INE). Passos Coelho, procurando desmentir os dados
do INE afirmou em Fátima, em 31/1/2015, que os dados do INE "
são um eco do que o país passou, mas não a
situação atual
" pois referem-se a 2013, como se a mentira pudesse alterar a realidade. A
confirmar está o facto de ter sido incapaz de apresentar quaisquer
outros dados
As desigualdades entre ricos e pobres aumentou muito nestes últimos anos
em Portugal, como consequência da politica de austeridade recessiva, que
agrava as desigualdades imposta pela "troika" e pelo governo PSD/CDS
aos portugueses. Como revelam também os dados do INE constantes do
quadro anterior, entre 2010 e 2013, o número de vezes que o rendimento
dos 10% da população mais ricos é superior ao dos 10% mais
pobres aumentou de 9,4 vezes para 11,1 vezes. O Coeficiente de Gini, um
indicador das desigualdades atingiu, em 2013, 34,5%, muito superior à
média da União Europeia, que é 30,5%, sendo mesmo o mais
elevado em toda a Zona Euro.
Dizer neste contexto, como fazem Passos Coelho e Paulo Portas, e o PSD e o CDS,
que estamos agora melhor que antes da entrada da
"troika"
e deste governo, é procurar enganar a opinião pública,
é mentir descaradamente, pois as finanças e a economia devem
servir as pessoas, e estas não devem ser sacrificadas no altar das
finanças.
31/Janeiro/2015
[*]
edr2@netcabo.pt
Este artigo encontra-se em
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