O milagroso "reajustamento externo" do governo & da troika
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Numa clara operação de manipulação da
opinião pública, o governo e a "troika" têm
procurado apresentar como um "êxito" da terapia de choque de
austeridade que têm imposto ao país aquilo que designam por
"reajustamento externo", ou seja, a redução
significativa do défice da Balança Comercial. Vítor
Gaspar, na conferência de imprensa que deu para justificar o aumento da
TSU para os trabalhadores e a descida para os patrões que se
traduzirá, se for aprovada, por uma transferência de 2.200
milhões dos bolsos dos trabalhadores para os bolsos dos
patrões, até apresentou esse "êxito" como a causa
do aumento do desemprego, não compreendendo que isso é, da forma
como está a ser feita, mais uma prova do fracasso do reajustamento do
que de um êxito.
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Analisemos então as duas faces do "milagre" do
"reajustamento externo" tão apregoado pelo governo e pela
"troika", vendo como tem variado as importações e
exportações e, nomeadamente, procurando identificar as causas
dessas variações para ficar a saber se elas são
estruturais ou meramente temporárias, análise essa que aquelas
entidades nunca fizeram publicamente.
O "MILAGRE " DA REDUÇÃO DAS IMPORTAÇÕES
Essa análise vai ser feita utilizando a linguagem fria e objetiva dos
dados oficiais. Para isso observem-se os dados do INE constantes do quadro 1
Quadro 1 Evolução das importações
portuguesas no período 2007-2011
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59.927 | 64.194 | 51.379 | 57.053 | 57.730 | -4,8% | -2.873 |
Produtos Alimentares e bebidas | 7.560 | 8.282 | 7.640 | 7.876 | 7.528 | ||
Produtos minerais | 8.241 | 10.503 | 6.615 | 8.490 | 9.977 | 3,0% | 249 |
Produtos das ind. químicas ou das ind. conexas | 5.096 | 5.457 | 5.235 | 5.728 | 12,4% | 632 | |
Plástico e suas obras; borracha e suas obras | 2.932 | 3.009 | 2.513 | 2.924 | -0,3% | -7 | |
Peles, couros, etc; artigos viagem, bolsas, etc | 603 | 599 | 513 | 586 | -2,8% | -17 | |
Madeira e cortiça e suas obras; cestaria | 789 | 773 | 580 | 672 | -14,9% | -117 | |
Pastas de madeira; papel e cartão, e suas obras | 1.390 | 1.396 | 1.273 | 1.337 | -3,8% | -53 | |
Matérias têxteis e suas obras | 3.417 | 3.295 | 3.038 | 3.296 | -3,5% | -121 | |
Calçado, chapéus, guarda-sóis, bengalas; etc | 569 | 587 | 545 | 568 | -0,2% | -1 | |
Obras de pedra, etc; cerâmica; vidro suas obras | 773 | 796 | 664 | 655 | -15,2% | -117 | |
Pérolas, metais preciosos, etc; bijutarias; moedas | 154 | 166 | 154 | 187 | 21,4% | 33 | |
Metais comuns e suas obras | 5.821 | 5.991 | 3.928 | 4.521 | -22,3% | -1.300 | |
Máquinas e aparelhos; material elétrico | 12.103 | 12.733 | 9.828 | 9.370 | 7.819 | -22,6% | -2.732 |
Material de transporte | 7.789 | 7.838 | 6.218 | 8.036 | 7.217 | 3,2% | 247 |
Aparelhos de ótica, fotografia, relógios; etc | 1.232 | 1.250 | 1.181 | 1.261 | 2,4% | 29 | |
Armas e munições, suas partes e acessórios | 31 | 39 | 80 | 66 | 112,9% | 35 | |
Mercadorias e produtos diversos | 1.330 | 1.408 | 1.283 | 1.254 | -5,7% | -76 | |
Objetos de arte, de coleção ou antiguidades | 97 | 72 | 88 | 224 | 130,9% | 127 |
Entre 2007 e 2010, as importações portuguesas diminuíram
em 2.873 milhões . No entanto, isso foi conseguido
fundamentalmente à custa da redução significativa das
importações de máquinas e aparelhos, que diminuíram
em 2.732 milhões (-22,6%) e de "metais comuns e suas
obras" (ferro fundido, ferro, alumínio, etc.), muitos deles
necessários à produção das empresas, que caiu em
1.300 milhões (-22,6%). E em 2011, a importação de
máquinas sofreu outra forte quebra já que, entre 2010 e 2011,
diminuiu de 9.370 milhões para 7.819 milhões
(.-16,6%). As importações dos restantes produtos, como mostram os
dados do quadro 1, ou aumentaram ou sofreram reduções pequenas.
Em conclusão, a redução das importações
está a ser feita à custa do desinvestimento, da
degradação do parque produtivo nacional e das empresas, e
é consequência também da quebra significativa da
produção das empresas que as leva a importar muito menos
materiais (ferro, aço, ferro fundido, etc.) para a
produção. Não é preciso ser economista nem gestor
de empresas para compreender isto, basta o senso comum, e não estar cego
pela ideologia, para concluir que, quando a economia portuguesa reanimar, estas
importações, nomeadamente de máquinas e materiais,
dispararão, até porque a indústria nacional está a
ser destruída com a terapia de choque recessiva, e o défice da
balança comercial portuguesa surgirá de novo. Apesar disto ser
tão evidente mesmo para o senso comum, "troika" e governo
falam do "milagre" do reajustamento externo, embora a
redução do défice não seja nem estrutural nem
permanente.
O "MILAGRE" DO AUMENTO DAS EXPORTAÇÕES
Vejamos agora as exportações. O quadro 2 permite fazer tal
análise
Quadro 2 As exportações portuguesas no período
2007-2011
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38.294 | 38.847 | 31.697 | 36.762 | 42.149 | -4,0% | -1.532 |
Produtos alimentares e bebidas | 3.662 | 4.209 | 3.998 | 4.395 | 4.151 | 20,0% | 733 |
Produtos minerais (combustíveis) | 2.472 | 2.829 | 2.044 | 3.133 | 2.870 | 26,7% | 661 |
Produtos das ind. químicas ou das ind. conexas | 1.849 | 1.875 | 1.575 | 1.845 | -0,2% | -4 | |
Plástico e suas obras; borracha e suas obras | 2.269 | 2.280 | 1.974 | 2.521 | 11,1% | 252 | |
Peles, couros, etc; art. viagem, bolsas, etc | 110 | 115 | 94 | 115 | 4,8% | 5 | |
Madeira e cortiça e suas obras; cestaria | 1.606 | 1.536 | 1.183 | 1.273 | -20,8% | -334 | |
Pastas de madeira; papel e cartão, e suas obras | 1.376 | 1.503 | 1.489 | 2.094 | 52,1% | 718 | |
Matérias têxteis e suas obras | 4.352 | 4.088 | 3.501 | 3.742 | -14,0% | -610 | |
Calçado, chapéus, guarda-sóis, bengalas; etc | 1.390 | 1.426 | 1.307 | 1.374 | -1,2% | -16 | |
Obras de pedra, etc; cerâmica; vidro suas obras | 1.450 | 1.462 | 1.294 | 1.358 | -6,4% | -92 | |
Pérolas, metais preciosos, etc; bijutarias; moedas | 52 | 73 | 133 | 261 | 403,5% | 209 | |
Metais comuns e suas obras | 3.367 | 3.359 | 2.488 | 2.918 | -13,3% | -449 | |
Máquinas e aparelhos; material elétrico | 7.555 | 7.491 | 5.169 | 5.495 | 4.580 | -27,3% | -2.059 |
Material de transporte | 4.866 | 4.737 | 3.721 | 4.546 | 7.746 | -6,6% | -320 |
Aparelhos de ótica, fotografia, relógios; etc | 325 | 346 | 356 | 422 | 29,7% | 97 | |
Armas e munições, suas partes e acessórios | 35 | 40 | 60 | 46 | 32,3% | 11 | |
Mercadorias e produtos diversos | 1 330 | 1 408 | 1 283 | 1 254 | -5,7% | -76 | |
Objetos de arte, de coleção ou antiguidades | 395 | 284 | 193 | 155 | -60,7% | -240 |
Entre 2007 e 2010, segundo o INE, as exportações portuguesas
diminuíram 1.532 milhões , embora se tenha verificado em
2010 e em 2011 um aumento significativo (entre 2009 e 2011, passaram de 31.697
milhões para 42.149 milhões , ou seja, +33%).
No entanto, se analisarmos as exportações por produtos
observam-se variações preocupantes. Entre 2007 e 2010, o que mais
aumentou (+403,5%) foram as exportações de ouro e pedras
preciosas, que o país não produz, mas que pertenciam a muitas
famílias que, devido à crise, foram obrigadas a vender para
poderem sobreviver e que estão agora a ser vendidas para os estrangeiro
(em 2010, as exportações atingiram 261 milhões ).
Por outro lado, no mesmo período, verificou-se uma redução
muito grande das exportações portuguesas de
"máquinas e aparelhos, e material elétrico
" (menos 2.059 milhões ), situação esta que se
agravou ainda mais no ano seguinte pois, entre 2010 e 2011, as
exportações de "maquinas e aparelhos" portugueses
diminuíram de 5.495 milhões para 4.580 milhões
(-16,6%). Portanto, está a verificar-se uma quebra muito grande
nas exportações de maior intensidade tecnológica. É
previsível que esta quebra na exportação de
"máquinas e aparelhos" esteja associada à
destruição de muitas empresas, ou de uma parte importante da sua
capacidade de produção, o que significa hipotecar o futuro do
país.
Portanto, o aumento das exportações portuguesas está a ser
feito, por um lado, com uma redução muito grande das
exportações de bens de maior intensidade tecnológica e,
por outro lado, por meio de aumento enorme da exportação de ouro
e por uma subida principalmente das exportações de bens de
média, de média baixa e de baixa intensidade tecnológica.
O aumento das exportações de pasta de papel e de papel é
importante, mas tem uma componente importante de exportação de
matéria-prima (pasta de papel). O aumento significativo em 2011 das
exportações de material de transporte é de empresas
estrangeiras (Autoeuropa, por ex.) que está muto dependente dos mercados
para onde estas empresas exportam e, em 2012, já se está a
verificar uma forte quebra anulando uma parcela da subida registada em 2011.
Está-se a desenvolver outra vez em Portugal um modelo de economia
baseada em bens de baixa intensidade tecnológica. Eis a outra face do
"milagre" do reajustamento externo tão apregoado pelo governo,
por Vítor Gaspar e pela "troika".