A espoliação dos trabalhadores de "recibo verde"
Os trabalhadores a
"recibo verde"
(como antes eram conhecidos), também chamados
"falsos independentes"
porque muitos deles são verdadeiramente trabalhadores por conta
de outrem já que estão sujeitos a um horário de trabalho,
à disciplina patronal e têm um local de trabalho certo, que
não gozam dos direitos e da proteção que têm os
trabalhadores por conta de outrem, constituem uma das camadas mais exploradas e
desprotegidas dos trabalhadores portugueses.
O seu número certo é desconhecido, pois são
incluídos pelo INE na categoria genérica de "
trabalhadores por conta própria
" cujo número atingia, no 3º Trimestre de 2014, 859,3 mil.
Estes trabalhadores são certamente muitas dezenas de milhares,
estão por toda a parte, enchendo os "
call center
" das grandes empresas
(companhias de seguros, bancos, empresas de telecomunicações, de
energia, etc.
) e são utilizados por muitas outras entidades patronais para realizar
serviços necessários e permanentes das empresas, já que a
fiscalização das ilegalidades neste campo é reduzida para
não dizer inexistente.
Os trabalhadores a
"recibo de verde"
recebem remunerações ainda mais baixas que os restantes
trabalhadores e não têm direito nem a férias, nem a
subsídio de férias, e quando são despedidos não
têm direito a qualquer indemnização. Para além de
tudo isto estes trabalhadores ainda são espoliados e perseguidos pelo
Estado. E é sobre esta espoliação injusta a que
estão sujeitos estes trabalhadores que trataremos neste estudo.
A ESPOLIAÇÃO DOS TRABALHADORES A RECIBO VERDE PELO GOVERNO
Para se poder compreender melhor a situação em que se encontram
os chamados trabalhadores de
"recibo verde"
, interessa conhecer a forma como o Estado os trata. E isto porque uma das
funções importantes do Estado é ou devia ser proteger as
classes ou grupos da população mais desprotegidos e certamente
estes trabalhadores estão entre os sujeitos à forma mais violenta
de precariedade. No entanto, o que acontece é que estes trabalhadores
são um dos grupos mais espoliados pelo próprio Estado.
O ESTADO RETÉM DE IRS AOS TRABALHADORES DE "RECIBO VERDE" UMA
PERCENTAGEM DO SEU RENDIMENTO MUITO SUPERIOR À DOS RESTANTES
TRABALHADORES
Segundo o artº 101 do Código do IRS o Estado retém
mensalmente aos trabalhadores de "recibo verde", a título de
IRS, 25% do seu rendimento ilíquido. Só no caso em que a soma de
todos rendimentos da categoria B (trabalho independente) do trabalhador for
inferior a 10.000/ano é que ele, nos termos da alínea a) do
nº 1 doa artº 101-B da Lei 82-E/2014, pode pedir a suspensão
da retenção do IRS. Mas para que se possa ter uma ideia do
tratamento desigual a que estão sujeitos estes trabalhadores interessa
comparar a sua situação com a dos trabalhadores por conta de
outrem. Um exemplo torna mais claro o tratamento desigual a que estão
sujeitos estes trabalhadores no campo fiscal. Suponha-se então um
trabalhador a "recibo verde" e um trabalhador por conta de outrem que
recebem 1000 euros por mês.
Em 2015, segundo a tabela de retenção de IRS, a um trabalhador
por conta de outrem com uma remuneração mensal de 1000
(14 meses)
, casado e pertencente a um agregado em que existem dois titulares e um filho,
é-lhe retido de IRS 11,6%, ou seja, 116/mês. E tem de pagar
mensalmente mais 13,48 de sobretaxa de IRS o que, adicionado ao valor
anterior, dá 129,48, portanto uma taxa global de 12,94%. A um
trabalhador de "recibo verde", na mesma situação
familiar e com o mesmo rendimento mensal (1000) é-lhe retido, a
título de IRS, 25% do valor ilíquido que recebe (11 meses), ou
seja 250, não sendo feita qualquer distinção entre
os "falsos independentes" e os restantes
"trabalhadores por conta própria".
A espoliação do chamado trabalhador de "recibo verde "
ainda se torna mais clara se se tiver presente a alínea b) do nº 2
do artº 31º do Código do IRS que dispõe que o
rendimento tributável destes trabalhadores sujeito a IRS se obtém
multiplicando o seu rendimento ilíquido pelo coeficiente 0,75. Portanto,
segundo a própria lei, o rendimento destes trabalhadores que está
sujeito a IRS não é 100% do seu rendimento ilíquido mas
apenas 75%, ou seja, no ex. anterior, não são os 1000 que
estão sujeitos a IRS, mas sim 750. Aplicando a este valor a taxa
de 25% dá 187,5 e não os 250 de IRS que este
trabalhador paga mensalmente. E mesmo que se diga que depois é feito o
encontro de contas, isso terá lugar só no ano seguinte quando
apresentar a declaração de IRS, e até lá o seu
rendimento disponível, que já é muito baixo, fica, desta
forma, mais reduzido.
O ESTADO OBRIGA OS TRABALHADORES DE "RECIBO VERDE" A PAGAR À
SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A SEGURANÇA SOCIAL E A DA ENTIDADE
PATRONAL
Os trabalhadores por conta de outrem contribuem para a Segurança Social
com 11% das remunerações que recebem e a entidade empregadora com
23,75%. Os trabalhadores de "recibo verde" contribuem para a
Segurança Social com 29,6% sobre 70% do valor que receberam, pagando a
sua parte e a da entidade patronal, o que funciona também como um
estimulo à utilização deste tipo de trabalhadores. Para
agravar a sua situação esta contribuição é
calculada com base no rendimento declarado para efeitos de IRS no ano anterior,
o que determina que, se o rendimento atual do trabalhador for inferior ao do
ano anterior, ele está a contribuir para a Segurança Social com
base num rendimento superior ao que está a receber, reduzindo ainda mais
o rendimento líquido disponível com que fica para viver. E em
época de crise como a vivemos cria situações
dramáticas.
CORTES NOS RENDIMENTOS MENSAIS DOS TRABALHADORES DE "RECIBO VERDE"
QUE VARIAM ENTRE 37,4% E 44,1%
Para tornar clara a espoliação injusta a que estão
sujeitos os trabalhadores de "recibo verde" por parte do governo
vamos considerar a situação de quatro trabalhadores em que os
seus rendimentos mensais em 2014 foram, respetivamente, de 800,
1000, 1200, 1500 e 2000, e que em 2015 os rendimentos
mensais dos mesmos trabalhadores são, respetivamente, 650,
1000, 1500 e 2000. Os cortes a que estão sujeitos os
rendimentos mensais desses trabalhadores em 2015 constam do quadro seguinte.
Quadro 1- Cortes que os trabalhadores de "recibo verde" sofrem nos
seus rendimentos
Para compreender os dados do quadro 1 é necessário ter presente
apenas o seguinte: (1) Que o IRS retido obtém-se multiplicando o
rendimento mensal de 2015 (coluna 3) por 25% obtendo-se deste forma o valor de
IRS que é retido ao trabalhador (coluna 4); (2) A
contribuição para a Segurança Social a pagar pelo
trabalhador de "recibo verde" é calculada com base no
rendimento declarado para efeitos de IRS no ano anterior escolhendo depois nos
"escalões de rendimento" definidos para efeito de
cálculo das contribuições (ver manual do independente
disponível no Portal da Segurança Social em
http://www4.seg-social.pt/documents/10152/13198/trabalhadores_independentes
) o escalão imediatamente inferior ao valor do duodécimo
(rendimento anual a dividir por 12)
do citado rendimento declarado pelo trabalhador para efeitos do IRS no ano
anterior.
E a conclusão que se tira do quadro 1 é chocante. Os chamados
trabalhadores de
"recibo verde"
ou
"falsos independentes",
sofrem cortes em 2015 no rendimento ilíquido, resultante da
retenção do IRS e do pagamento da contribuição para
a Segurança Social, que varia entre 37,4%
(rendimento ilíquido mensal mais alto de 1500 em 2014, e de
2000 em 2015)
e 44,1%
(no caso de ter um rendimento ilíquido mensal mais baixo de 800 em
2014 e 650 em 2015).
É desta forma também que o governo reduziu o défice em
2014 e pretende em 2015, que tanto ele e os seus defensores nos media se gabam
. Mas é uma situação que atinge o escândalo e a
desumanidade que urge alterar rapidamente com medidas como: (1) A
contribuição patronal para a Segurança Social (23,75%)
deve ser paga pelo empregador, passando estes trabalhadores a contribuir para a
Segurança Social com apenas 11% do que recebem como acontece com os
restantes trabalhadores; (2) A estes trabalhadores devem ser aplicadas as
mesmas taxas de retenção de IRS que são aplicadas aos
trabalhadores por conta de outrem. Muitos trabalhadores (24 mil em 2015),
pediram para descontar para a Segurança Social sobre um escalão
mais baixo, o que a lei permite, mas isso vai determinar que depois tenham
benefícios de miséria
(subsidio de doença, de invalidez, pensão de reforma, subsidio de
desemprego no caso de receber 80% do seu rendimento de uma única
entidade o que poucas vezes sucede porque o empregador teria de pagar uma
contribuição de 5% para a Segurança Social e ele
não quer).
25/Janeiro/2015
[*]
edr2@netcabo.pt
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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