Portugueses pagam duas vezes infra-estruturas de transportes: c/
impostos & c/ portagens
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Durante o debate que se realizou em 06/12/2007 na Assembleia da República sobre o modelo de financiamento das obras públicas confrontamos o ministro Mário Lino com a seguinte questão, a que ele fugiu responder,:- Os portugueses estão a ser obrigados a pagar duas vezes os custos das infra-estruturas de transportes. Por um lado, pagam impostos específicos (ISP e ISV) cujas receitas deviam ser utilizadas no pagamento dessas infra-estruturas e, por outro lado, quando utilizam os transportes, quer individuais quer colectivos, têm de pagar preços ou portagens que incorporam também os custos dos investimento dessas infra-estruturas, já que uma parte crescente está a ser financiada com receitas próprias das empresas, obtidas precisamente com base nos preços e portagens que cobram. Entre 2004 e 2008, as receitas dos impostos ISP e IA/ISV arrecadadas pelo Estado aumentarão de 4.084,7 milhões de euros para 4.480 milhões de euros, portanto crescerão 395,3 milhões de euros. No entanto o financiamento pelo Orçamento do Estado de infra-estruturas públicas realizadas pelas empresas públicas Estradas de Portugal, REFER, CP e Metro de Lisboa, diminuirá de 575,8 milhões de euros para 496,1 milhões de euros (-13,8%), enquanto a parte financiada por receitas próprias das empresas, ou seja, por receitas que têm como origem os preços e as portagens que cobram aumentará de 489,6 milhões de euros para 1.209,4 milhões de euros (+147%). É assim claro que as despesas de investimento destas empresas públicas que deviam ser financiadas pelo Orçamento do Estado, porque são em infra-estruturas públicas, para as quais o Estado cobra impostos específicos (ISP e ISV), estão a ser pagas duas vezes: uma primeira, através dos impostos (ISP e ISV) que o Estado continua a cobrar, e cujas receitas deviam ser utilizadas no pagamento das despesas com esses investimentos; e uma segunda vez, porque essas empresas, que exploraram essas infra-estruturas, cobram preços ou portagens que incorporam uma parcela destinada precisamente também ao pagamento (amortização) desses investimentos, Como essas empresas não podem reaver o custo dos investimentos nessas infra-estruturas em apenas num ano, porque isso seria, por um lado, incomportável para os utentes e, por outro lado, tecnicamente incorrecto já que essas infra-estruturas são utilizadas durante muitos anos e não apenas num ano, essas empresas para poderem realizar esses investimentos, já que a parte financiada pelo Orçamento do Estado é cada vez menor, estão a ser obrigados a recorrer a empréstimos junto da banca, o que determina mais encargos a suportar pelos utentes. Por ex., no caso das Estradas de Portugal, de acordo com o Plano e Orçamento para 2007, a própria administração prevê que, entre 2006 e 2007, a divida à banca aumente 10,7 vezes, pois passará de 64,9 milhões de euros para 761,3 milhões de euros. Com base nestes valores, estimamos que os encargos desta empresa só com juros cresçam, num ano apenas, em 11,9 vezes pois passarão de 3,2 milhões de euros para 38,1 milhões de euros. Assim, não são apenas a amortização dos investimentos que têm de ser suportados pelos utentes mas também os juros dos empréstimos obtidos para realizar esses investimentos, uns e outros incorporados nos preços e nas portagens cobradas, a que se juntam ainda os lucros. É transferindo também os custos do financiamento das infra-estruturas publicas para as empresas, o que está a obrigá-las a se endividarem fortemente junto da banca, sendo depois estes custos incorporados nos preços dos transportes e nas portagens cobradas aos utentes, que o governo está a conseguir reduzir o défice orçamental no ritmo que não se cansa de gabar. A recente transformação da empresa Estradas de Portugal, EPE em Estradas de Portugal, SA , tem também como objectivo facilitar a transferência destes custos para os utentes, obrigando-os a pagar duas vezes o mesmo serviço, para assim o governo reduzir mais rapidamente o défice orçamental. Outra operação de desorçamentação de facto semelhante à que já se verifica nos Hospitais EPE. Tudo isto está também a determinar graves dificuldades às empresas públicas, com endividamentos excessivos, criando assim as condições para a sua privatização futura com o pretexto de que são incomportáveis para o Orçamento do Estado. |
No debate que se realizou na Assembleia da República em 06/12/2007 sobre
o modelo de financiamento das obras públicas, confrontamos o ministro
Mário Lino com a seguinte questão: as receitas dos impostos
específicos (ISP e IA/ISV) destinadas à construção
de infra-estruturas de transportes têm aumentado, mas a parte desses
investimentos financiados pelo Orçamento do Estado, ou seja, pelas
receitas daqueles impostos têm diminuído significativamente, o que
tem obrigado as empresas a recorrerem cada vez mais a "receitas
próprias", ou seja, a receitas que têm origens preços
e portagens pagas pelos utentes, o que está a agravar ainda mais as
condições de vida dos portugueses. Está-se na verdade
perante uma situação em que os portugueses estão a ser
obrigados a pagar duas vezes pelo mesmo serviço: através de
impostos e por meio de preços e portagens que incluem, para além
dos custos de manutenção e do lucro do concessionário,
também a amortização dos investimentos realizados. Esta
situação ainda se agravará mais no futuro próximo
com a transformação das Estradas de Portugal EPE em sociedade
anónima, decidida recentemente pelo governo, já que essa
transformação tem precisamente como objectivo facilitar e
generalizar ainda mais as portagens em Portugal visando, confessa o
próprio governo, libertar o Orçamento do Estado do encargo com as
auto-estradas. Como já é habitual na Assembleia da
República, quando as questões colocadas são
incómodas, este governo foge a elas e não responde. Neste caso o
silencio total do ministro Mário Lino só poderá ser
interpretado que a questão colocada é verdadeira..
RECEITAS DE IMPOSTOS ESPECIFICOS DESTINADOS A CONSTRUÇÃO E
MANUTENÇÃO DE INFRA-ESTRUTURAS DE TRANSPORTES TEM AUMENTADO
Existem dois impostos específicos Imposto Sobre
Combustíveis (ISP) e Imposto Sobre Veículos (ISV) antes chamado
Imposto Automóvel (IA) cujas receitas são destinadas
fundamentalmente à construção e manutenção
das infra-estruturas de transportes. E como os dados do quadro seguinte
mostram, as receitas destes impostos têm aumentado significativamente.
As receitas fiscais que têm como origem o ISP e o IA registaram um
crescimento continuo no período 2004-2007 (+11%), prevendo-se uma
pequena quebra em 2008 devido à substituição do IA
(Imposto Automóvel) por um novo imposto, o ISV (Imposto Sobre
Veículos). De acordo com uma lei aprovada pelo PS, em 2007, 600
milhões de euros do ISP não passarão pelo Orçamento
do Estado, portanto deixarão de estar sujeitos ao controlo da Assembleia
da República, sendo desviados directamente para as Estradas de Portugal,
SA, o que determinará que o Estado e, consequentemente, o OE só
recebam, em 2008, 3.880 milhões de euros dos 4.480 milhões que
são as receitas previstas do ISP e do ISV.
DIMINUIÇÃO DA PARTE DAS DESPESAS COM INFRA-ESTRUTURAS
PÚBLICAS DE TRANSPORTES FINANCIADA PELO ORÇAMENTO DO ESTADO
Apesar das receitas daqueles impostos específicos que se destinam a
financiar a construção e manutenção das
infra-estruturas de transportes terem aumentado, no entanto as despesas com
essas infra-estruturas financiadas pelo OE, ou seja, pelas receitas daqueles
impostos diminuíram significativamente durante o governo de
Sócrates tendo, em contrapartida, crescido a parte paga directamente
pelos utentes dessas infra-estruturas, através dos preços e
portagens cobradas pelas empresas, como mostram os dados constantes do quadro
seguinte.
Em 2006, as despesas de investimentos realizadas em infra-estruturas
públicas por quatro empresas Estradas de Portugal, REFER, CP e
Metro de Lisboa - financiadas pelo Orçamento do Estado eram superiores
à parte financiada pelos utentes, através da
incorporação das amortizações desses investimentos
nos preços e portagens que pagam, em 17,6% (575,8 milhões de
euros pagos pelo OE e 489,6 milhões de euros pagos pelos utentes). Em
2007, a situação inverteu-se radicalmente. E isto porque, entre
2006 e 2007, a parte dos investimentos financiada pelo OE diminuiu em -13,8%
(passou de 575,8 milhões de euros para 496,1 milhões de euros),
enquanto a parte financiada pelos utentes aumentou em 147% (passou de 489,6
milhões de euros para 1.209,4 milhões de euros).,
O gráfico 1 mostra de uma forma visual, portanto mais clara, o
aumento significativo da parte que os utentes suportam através da
incorporação de uma parcela cada vez maior das despesas com o
investimento em infra-estruturas públicas nos preços de
transportes e nas portagens que são obrigados a pagar.
É claro o aumento em 2007 da parte do investimento que tem de ser paga
por receitas próprias das empresas, ou seja, que têm de ser pagas
pelos utentes. Em 2006, a parte financiada pelos utentes, era pouco superior a
33% mas, em 2007, já ronda os 55%.. Pelo contrário, a parte
financiada pelo Orçamento do Estado, entre 2006 e 2007, desce de cerca
de 39% para apenas 22,5%
A forma utilizada pelas empresas para transferir os custos do investimento para
os utentes é a seguinte: como o Orçamento do Estado financia uma
parte cada vez menor das despesas de investimento com infra-estruturas
públicas, as empresas para poderem realizar os investimentos pedem
empréstimos à banca. E depois incorporam nos preços dos
bilhetes ou nas portagens que cobram esses empréstimos assim como os
respectivos juros que terão de pagar durante vários anos.
É assim evidente um duplo pagamento pelo mesmo serviço: os
portugueses pagam impostos específicos (ISP e ISV) que deviam ser
utilizados na construção das infra-estruturas públicas;
mas depois são obrigados a pagar novamente uma parte desses
infra-estruturas porque os preços e portagens que lhes são
cobrados quando utilizam essas infra-estruturas, seja em transportes
individuais seja em transportes colectivos, incorporam uma parte que é
destinada ao pagamento desses investimentos.
A REDUÇÃO DO DÉFICE ORÇAMENTAL E O ENDIVIDAMENTO
VERTIGINOSO DAS EMPRESAS PÚBLICAS
Com o objectivo de reduzir o financiamento das infra-estruturas através
do Orçamento do Estado, para assim reduzir mais rapidamente o
défice orçamental, o governo tem obrigado as empresas
públicas a recorrer cada vez mais ao endividamento junto da banca,
criando a estas uma grave situação não só
financeira mas também económica, porque os empréstimos
obtidos junto da banca determinam elevados encargos para essas empresas. O
quadro seguinte mostra qual era a previsão, segundo a própria
administração da empresa, das consequências desta politica
do governo em relação á Estradas de Portugal, EPE ,
relativamente ao período 2006/2007.
Os dados do quadro constam do
Plano e Orçamento 2007 da empresa Estradas de Portugal
, EPE (EP,EPE) que está disponível no seu sítio web.
E de acordo com esses dados, como consequência da politica de
redução do financiamento dos investimentos em infra-estruturas
públicas pelo Orçamento do Estado, cuja responsabilidade devia
ser deste, a divida da Estradas de Portugal à Banca disparou em 2007,
pois aumentará segundo a própria administração,
entre 2006 e 2007, 10,7 vezes, já que prevê que passe de 64,9
milhões de euros para 761,3 milhões de euros. Admitindo uma taxa
de juro anual de apenas 5%, isso significa que, em 2006, a Estradas de
Portugal, EPE tenha pago à banca só de juros 3,2 milhões
de euros e que, em 2007, terá de pagar 38,1 milhões de euros de
juros, ou seja, 11,9 vezes mais. É obrigando as empresas publicas a
endividarem-se desta forma, e transferindo os custos desse endividamento para
elas, que o actual governo também está a conseguir reduzir o
défice orçamental que tanto se gaba. Pode-se dizer que neste
caso, à semelhança do que mostramos em estudo anterior
relativamente aos Hospitais EPE
[1]
, que se está aqui perante uma
desorçamentação de facto de importantes custos de
investimentos públicos que são assim transferidos para as
empresas publicas, as quais transferem depois para os utentes através
dos preços e portagens que cobram.
Desta forma, também se estão a criar condições para
que no futuro estas empresas sejam privatizadas com o pretexto de que
são incomportáveis para o Orçamento do Estado o que, a
verificar-se, apenas determinará maiores encargos para os utentes,
à semelhança do que já se verifica na electricidade,
gás e combustíveis cujos preços praticados pelas empresas
que foram reprivatizados são superiores aos preços médios
praticados na União Europeia..