O primeiro orçamento rectificativo de 2012

– ele confirma que a actual politica está a provocar o agravamento da crise apesar de o governo PSD/CDS negar

por Eugénio Rosa [*]

Apenas se passaram três meses após o início do ano, e o governo já se viu na necessidade de apresentar na Assembleia da República uma proposta de lei que visa alterar o Orçamento do Estado para 2012 que tinha sido aprovado. E mesmo esta proposta assenta em pressupostos macroeconómicos que já estão ultrapassados. O quadro seguinte, construído com dados constantes da Proposta de Orçamento do Estado para 2012 que foi aprovada, da proposta de Lei que o governo apresentou na Assembleia da República em Março de 2012, e no Boletim Económico da Primavera de 2012 que o Banco de Portugal acabou de divulgar, mostra a variação verificada nas previsões oficiais em poucos meses, o que revela bem a reduzida credibilidade das mesmas sobre a evolução futura da situação económica e social em Portugal.

Quadro 1 – A variação das previsões oficiais para 2012 num curto período de tempo
RUBRICAS
PREVISÕES OFICIAIS PARA 2012
GOVERNO
OE2012 aprovado
GOVERNO
Proposta -Março 2012
BANCO DE PORTUGAL
Boletim Económico - Primavera 2012
PIB -2,8% -3,3% -3,4%
Consumo Privado -4,8% -5,8% -7,3%
Consumo Público -6,2% -3,2% -1,7%
Investimento (FBCF) -9,5% -10,2% -12,0%
Exportações 4,8% 2,1% 2,7%
Emprego (destruição) -1,0% -2,5%  
Taxa de desemprego 13,4% 14,5%  
Fonte: Alteração ao Orçamento do Estado para 2012 -Governo; Boletim Económico - Primavera 2012- Banco de Portugal

A simples comparação dos dados constantes das colunas do quadro revela, por um lado, a falibilidade das previsões oficiais e, por outro, uma tendência nítida de agravamento. No curto período de tempo que decorreu entre a aprovação do OE-2012 e Março de 2012, a quebra no PIB agrava-se entre 17,9% (segundo o governo) e 21,4% (segundo o Banco de Portugal); no Consumo Privado, que traduz a evolução das condições de vida da população, a redução aumenta entre 20,8% (segundo o Governo) e 52,1% (segundo o Banco de Portugal), etc. A previsão das exportações, que segundo o governo são a solução para crise, sofre uma quebra que varia entre 43% e 56%. Portanto, de previsão para previsão, e num curto período de tempo, as previsões do governo e do Banco de Portugal pioram sempre.

Um aspecto grave são as previsões do governo sobre a destruição de emprego em Portugal em 2012. Aquando da aprovação do OE-2012, a previsão era de ser destruído 1% do emprego, o que correspondia à destruição de 48.370 postos de trabalho. Agora, de acordo com a proposta de OE rectificativo para 2012 do governo, a destruição atingirá 2,5% (+150%), o que corresponde à destruição de 120.925 empregos. E apesar de o governo afirmar que a taxa média de desemprego em 2012 será de 14,5%, esta previsão parece não ser credível já que, segundo o Eurostat, no 1º Trimestre de 2012, a taxa de desemprego já tinha atingido em Portugal 14,8%.

A QUEBRA NAS RECEITAS PROVOCADA PELO AGRAVAMENTO DA CRISE ECONÓMICA

Apesar da previsão na quebra da actividade económica do governo (-3,3% do PIB) ser inferior à já prevista pelo Banco de Portugal (-3,4%), mesmo assim é claro na proposta do 1º Orçamento do Estado rectificativo para 2012 os efeitos do agravamento da crise económica e social.

Segundo a proposta do 1º orçamento rectificativo de 2012, o governo já prevê, relativamente ao que consta do Orçamento do Estado para 2012, um redução nas receitas do IVA em -239 milhões € e de -158 milhões € no Imposto sobre veículos, o que soma -309 milhões €. E nas contribuições da Segurança Social também uma redução de -182,5 milhões €, o que totaliza (impostos e contribuições) já menos 491,5 milhões € de receitas para o Estado e para a Segurança Social. E estamos apenas no fim do 1º Trimestre de 2011.

PAGAMENTO DE DIVIDAS À BANCA E AOS FORNECEDORES DO SNS COM O DINHEIRO DO FUNDO DE PENSÕES DOS TRABALHADORES BANCÁRIOS

Segundo o OE-2112 rectificativo, 3.000 milhões € dos fundos de pensões dos trabalhadores bancários que foram transferidos para o Estado, serão utilizados para pagar dividas à banca que tinham as Câmaras, Entidades Públicas (empresas) e entidades do sector de saúde, portanto a banca acaba por receber, desta forma, metade dos fundos que tinha entregue ao Estado a juntar à redução importante de impostos (IRC) que obteve com a mesma transferência. A transferência do fundo de pensões dos trabalhadores bancários revelou-se, para a banca, um negócio altamente vantajoso pois, para além de ter transferido o elevado risco financeiro que existia no pagamento de pensões aos bancários devido à instabilidade dos mercados financeiros, também permitiu à banca obter elevados benefícios imediatos.

Por outro lado, 1500 milhões € do fundo de pensões dos trabalhadores bancários serão utilizados, segundo o OE rectificativo, para pagar dividas das entidades do Serviço Nacional de Saúde, agora não em relação à banca, mas sim a fornecedores, nomeadamente a laboratórios (as dividas actuais do SNS atingem cerca de 3000 milhões €, o que determinará que ainda fiquem por pagar mais de 1500 milhões € o que determinará que a situação do SNS continue insustentável). Desta forma, 75% dos activos do fundo de pensões dos trabalhadores bancários serão utilizados, não para pagar pensões, como devia acontecer, mas sim em outros fins, ficando o Estado depois com a obrigação de transferir do OE, ou seja, de receitas obtidas de impostos, todos os anos a importância necessária (no OE rectificativo de 2012 consta já uma transferência de 522 milhões € com esse fim.

No Orçamento rectificativo para 2012 existem dois grandes conjuntos de valores que interessa ainda referir pois envolvem também mais responsabilidades para o Estado. São eles os "Passivos Financeiros" e "Activos Financeiros".

Segundo Economia e Finanças Públicas de Paulo Trigo Pereira e outros autores, os "Passivos Financeiros", do lado da despesa de Capital, incluem os "pagamentos decorrentes de amortização de empréstimos ou da execução de avales". E de acordo com OE-2012 rectificativo eles somam 1457 milhões € destinados à " cobertura de necessidades adicionais de empréstimos bancários de médio e longo prazo ", sendo 1100 milhões € para a PARVALOREM e PARUPS, dois veículos (sociedades) para onde foram transferidos os créditos tóxicos (incobráveis) do BPN antes da sua privatização; 150 milhões € para pagar empréstimos da REFER; 90 milhões € para o Parque Escolar; 97 milhões € para Estradas de Portugal; e 20 milhões € para Viana Polis.

Os Activos Financeiros que, segundo os mesmos autores, incluem a " aquisição de títulos de crédito e a concessão de empréstimos" totalizam, no OE-2012 rectificativo, 6338 milhões €, sendo 3000 milhões € relativos à aquisição de créditos à banca, referidos anteriormente; 938 milhões € para pagar dividas da RA da Madeira; 135 milhões € para dividas da RA dos Açores; 804 milhões € para o Mecanismo Europeu de Estabilidade financeira; 357 milhões € para dividas das Entidades Públicas Reclassificadas; 77 milhões € para o QREN, e 27 milhões € para Europarques e MARL.

AUMENTO DA DÍVIDA PÚBLICA DIRECTA EM MAIS 18.910 MILHÕES € EM 2012

Contrariamente à mensagem que o governo PSD/CDS muitas vezes pretende fazer passar junto da opinião pública, a dívida do Estado vai aumentar ainda mais em 2012. Segundo o artº 2º da Proposta de Lei 159/2012 de 29/03/2012, que altera o artº 95º da Lei do Orçamento do Estado para 2012, o governo fica autorizado a "aumentar o endividamento liquido global directo até ao montante de 18910 milhões €", quando a Lei do OE-2012 só permitia até 13.890 milhões €, ou seja, em mais 5020 milhões €. No fim de 2011, de acordo com o Relatório do Orçamento do Estado para 2012, a Dívida Pública Directa do Estado já atingia 173131 milhões €. Isso significa que no fim de 2012, a divida do Estado deverá aumentar, pelo menos, para 192041 milhões €, o que deverá corresponder a 114,1% do PIB, quando no fim de 2011 correspondia a 101,4% do PIB.

Para terminar interessa ainda chamar a atenção para alguns outros pontos constantes do Orçamento do Estado rectificativo para 2012. Em primeiro lugar, para o reforço das transferências do Estado para os Hospitais EPE em mais 200 milhões €, o que é a confissão de que existia um subfinanciamento em relação a estes hospitais, situação esta que governo e "troika estrangeira" negavam, e que não será totalmente corrigido com este reforço (entre 2011 e 2012, as transferências do OE para o SNS passam de 8100 milhões € para 7525 milhões € segundo a informação que o Ministério da Saúde apresentou à Assembleia da República, aquando do debate do OE-2012, o que significa um corte de 575 milhões €). Em segundo lugar, aparece nesta proposta de orçamento rectificativo, uma alteração ao Código dos Impostos Especiais de Consumo, que introduz uma taxa de imposto entre 0,50€ (mínima) e 1,00€ (máxima) sobre a electricidade. Os portugueses, para além de continuarem a pagar as rendas excessivas à EDP, que tardam em serem eliminadas, as quais permitiram a esta empresa obter em 2011 mais de 1.100 milhões € de lucros líquidos, em que uma parcela vai ser entregue aos novos accionistas chineses sem terem de pagar quaisquer imposto em Portugal, ainda têm de suportar mais este imposto sobre a electricidade, o que é mais um escândalo desta politica de austeridade que atinge principalmente trabalhadores e reformados, agravando ainda mais as desigualdades e as dificuldades de milhões de famílias portuguesas. Continuar com esta politica de austeridade violenta fortemente recessiva em plena recessão económica, o que contraria os ensinamentos mais elementares da ciência económica, é conduzir a economia portuguesa e a sociedade portuguesa para o abismo. O ministro das Finanças afirmou, numa entrevista dada a um jornal, que Portugal estava a atravessar a ponte, no entanto esqueceu-se de dizer o nome de ponte, que era certamente "Entre os Rios" – que, quando desmoronou, levou à morte muitos portugueses

31/Março/2012

[*] Economista, edr2@netcabo.pt

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02/Abr/12