A mentira da convergência que o governo utiliza para reduzir as
pensões dos trabalhadores da administração pública
Reunião de 24/Fevereiro/2010 com o governo
Um dos argumentos mais utilizados pelo governo para justificar, a nível
da opinião pública, mais alterações ao Estatuto da
Aposentação que constam da proposta de Lei do OE2010, as quais
estão a provocar, com razão, uma grande instabilidade e
insegurança em toda a Função Pública porque atingem
direitos importantes dos trabalhadores, é que aquelas
alterações apenas têm como objectivo aplicar aos
trabalhadores da Administração Pública o que já
vigora na Segurança Social do sector privado ou, por outras palavras,
fazer a convergência entre os dois regimes. Ora isto não é
verdade como dissemos directamente ao secretário de Estado da
Administração Pública na reunião realizada no dia
24./02/2010, o que provocou a sua irritação e total descontrolo.
No entanto, é isso que vamos provar com base na proposta de Lei do
OE2010 e no Decreto-Lei 187/2007 (esta última contém o regime que
se aplica à Segurança Social), relativamente ao qual o
secretário de Estado revelou uma grande ignorância como
também lhe dissemos directamente.
NA SEGURANÇA SOCIAL NÃO EXISTE NENHUMA PENSÃO QUE NO SEU
CÁLCULO NÃO ENTRE OS SALÁRIOS RECEBIDOS PELO TRABALHADOR
NOS ÚLTIMOS ANOS ANTES DA REFORMA COMO O GOVERNO PRETENDE INTRODUZIR NA
FUNÇÃO PÚBLICA
Uma das alterações constantes da proposta de Lei do OE2010
é que a da pensão correspondente ao tempo de serviço
realizado até 31/12/2005 passe a ser calculada com base na
remuneração revalorizada de 2005, e não com base na
última remuneração auferida pelo trabalhador como
até aqui acontecia e como dispõe o Estatuto da
Aposentação. Esta alteração, a concretizar-se, vai
lesar todos os trabalhadores que, depois de 2005, tenham subido de
posição remuneratória ou que, no futuro, por mérito
ou por avaliação ou imposição do nº6 do
nº do artº 47º da Lei 12-A/2008 (mudanças
obrigatórias) subam de nível remuneratório pois esses
aumentos de remunerações não serão considerados no
cálculo da pensão correspondente ao tempo de serviço feito
até ao fim de 2005 que é, para a maioria, o período mais
longo da sua carreira e, consequentemente, com maior peso no valor da sua
pensão.
Na Segurança Social não existe nada de parecido. De acordo com o
Decreto-Lei 187/2007, que é o diploma que regula o cálculo da
pensão de reforma no sector privado, para os trabalhadores que se
inscreveram na Segurança Social antes de 31/12/2001 e que se reformem
até ao fim de 2016 são calculados três valores de
pensões (artº 28º a 33º). O primeiro valor, com base nos
salários revalorizados dos 10 melhores anos dos últimos 15 anos
anteriores à data da reforma (é o regime que vigorava na
Segurança Social antes da reforma do PS), portanto toma em
consideração os salários recebidos pelo trabalhador nos
últimos anos da vida activa desde que sejam os mais elevados. Um segundo
valor de pensão é calculado com base nos salários
revalorizados de toda a carreira contributiva, portanto também inclui os
últimos salários recebidos pelo trabalhador. E finalmente,
é ainda calculado um terceiro valor de pensão que resulta da
média ponderada dos valores das duas pensões anteriores, em que
os pesos são os anos de descontos feitos para a Segurança Social
até ao fim de 2006 e os anos posteriores a 2006 e que, consequentemente,
também são considerados os salários recebidos pelos
trabalhadores nos últimos anos antes de se reformarem.
É evidente que o governo não está a dizer a verdade quando
afirma que aquilo que agora pretende introduzir na Administração
Pública já se aplica ao sector privado e visa fazer a
convergência com o regime da Segurança Social, porque isso
não existe para o sector privado como acabamos de provar.
Durante a reunião colocamos também ao secretário de Estado
a seguinte questão. O governo pretende que a pensão
correspondente ao tempo de serviço feito até 2005 passe a ser
calculada com base na remuneração revalorizada de 2005.
Então porque razão em relação às restantes
variáveis da fórmula de cálculo da pensão
não adopta os valores vigentes em 2005?
E isto porque a formula de cálculo da pensão correspondente ao
tempo de serviço do trabalhador feito até ao fim de 2005 (o
chamado P1), de acordo com a proposta do governo, passará a ser a
seguinte: Remuneração revalorizada de 2005 a multiplicar por uma
fracção em que o numerador são os anos de serviço
feitos até 2005 e o denominador é o tempo legal de serviço
no ano em que o trabalhador se aposenta (em 2010, são 38,5 anos
aumentando meio ano em cada ano até atingir 40). Como consequência
do aumento do denominador o valor da pensão diminui, e a
redução será tanto maior quanto mais tarde o trabalhador
se aposentar, porque o numerador da fracção mantém-se
constante (tempo de serviço feito até ao fim de 2005) enquanto o
denominador aumenta (tempo de serviço legal na data de
aposentação do trabalhador). Assim, se a
remuneração é de 2005 porque razão o denominador da
fracção não é também o tempo legal de
serviço de 2005, que era 36 anos?
Confrontado com esta questão, e perante o facto de ficar claro que o
objectivo mais importante, para não dizer mesmo único, da
proposta do governo não é fazer a convergência para uma
coisa que não existe na Segurança Social mas sim reduzir o valor
da pensão do trabalhador, a reacção de
irritação e de descontrolo do secretário de Estado da
Administração Pública foi ainda maior.
A CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO QUE DETERMINA REDUÇÃO DA
PENALIZAÇÃO DA PENSÃO DO TRABALHADOR É LIMITADA
APENAS AO DIA EM QUE ELE FAZ 55 ANOS DE IDADE
Uma outra alteração que o governo pretende introduzir no Estatuto
da Aposentação, que consta da proposta de Lei do OE2010, é
o da idade legal da aposentação ser reduzida um ano por cada
período completo de três anos que exceda 30 anos, mas apenas
contados no dia em que o trabalhador faz 55 anos de idade.
Durante a reunião com o secretário de Estado da
Administração Pública em 24/02/2010, levantamos a seguinte
questão: Porque razão essa contagem não é feita
durante todo ano em que o trabalhador tem 55 anos de idade, e não apenas
no dia do seu aniversário como consta de proposta de Lei do OE2010?
Também em relação a esta questão o
secretário de Estado não deu qualquer resposta.
É evidente que face a estas atitudes do governo, e à sua recusa e
mesmo incapacidade para negociar seja o que for, não aceitando qualquer
alteração nas suas propostas, as negociações de
2010 transformaram-se mais uma vez num simulacro de negociação
.
PORQUE RAZÃO NÃO PODE O TRABALHADOR ESCOLHER A PENSÃO QUE
LHE SEJA MAIS FAVORÁVEL COMO SUCEDE NA SEGURANÇA SOCIAL?
Actualmente na Segurança Social, de acordo com o Decreto Lei 187/2007,
quando um trabalhador se reforma são calculados três valores de
pensão, como já referimos,: (a) Um valor de pensão com
base nos salários revalorizados dos 10 melhores anos dos últimos
15 anos anteriores à data da reforma; (b) Um outro valor de
pensão calculado com base nos salários revalorizados de toda a
carreira contributiva do trabalhador; (c) E ainda um terceiro valor de
pensão que é a média ponderada das duas pensões
anteriores. E de acordo com a Lei do OE2009 é atribuído como
pensão ao trabalhador que se reforma o valor mais elevados entre os dois
valores (b) e (c).
A questão que colocamos é a seguinte. O governo fala tanto em
convergência e afirma (na reunião) que o regime que pretende
introduzir é até mais favorável para muitos trabalhadores
da Administração Pública do que aquele que está em
vigor. Então porque razão não adopta uma
solução semelhante à da Segurança Social; por
outras palavras, a pensão da aposentação dos trabalhadores
que se aposentassem no futuro passaria a ser calculada com base no regime que
está neste momento em vigor e também com base no regime que o
governo pretende introduzir na Administração Pública, e
que consta da proposta de Lei do OE2010. E depois, à semelhança
do que se verifica actualmente na Segurança Social do sector privado,
seria atribuído ao trabalhador que se aposentar no futuro, entre os dois
valores de pensão assim obtidos, o mais favorável para o
trabalhador. É o desafio que fazemos, que respeitaria não
só os direitos dos trabalhadores mas também o princípio da
estabilidade das leis que deve existir num Estado democrático.
AS CARREIRAS DA MAIORIA DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO
VÃO CONTINUAR CONGELADAS EM 2010
Durante a reunião realizada em 24/02/2010, o secretário de Estado
informou que na proposta de Orçamento do Estado para 2010 estão
inscritos 51,6 milhões de euros para as alterações
obrigatórias de posições remuneratórias (as do
nº 6, artº 47º da Lei 12-A/2008), enquanto em 2009 estava 40
milhões de euros; para prémios 18,2 milhões de euros (em
2009, 7,5 milhões ), e para alterações não
obrigatórias em 2010 de posições remuneratórias
(as previstas no artº 46º; no nº 3 do artº 47º, e as
no artº 48º da Lei 12-A/2008) estão orçamentados apenas
30,2 milhões de euros (1,5% foi já cativo pelo governo), ou seja,
para estas últimas menos do que o inscrito no OE2009 que foi 37
milhões de euros. É evidente que, para além do
congelamento salarial, a esmagadora maioria dos trabalhadores da
Administração Pública também sofrerão em
2010 mais um ano de congelamento das suas carreiras, apesar das
declarações do ministro das Finanças e de Sócrates
que as carreiras na Função Pública já não
estavam congeladas.
24/Fevereiro/2010
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Economista,
edr2@netcabo.pt
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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