Medidas anti-défice agravam desigualdades, crise social e
situação económica
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Sócrates e Passos Coelho, sem avaliar as consequências para os portugueses e para a economia do País, decidiram que, em 2010, o défice teria de ser reduzido de 9,3% para 7,3% e, em 2011, para 4,6%. E isto quando no PEC apresentado há poucas semanas na Assembleia da República se tinham comprometido a baixar para 8,3% e 6,6% respectivamente. Passar dos 9,3% para 4,6%, representa uma redução de mais de 7.800 milhões. É evidente, que numa economia em profunda crise que não cria emprego (até está a destruir), como é a nossa, e com trabalhadores a auferirem os mais baixos salários da Zona Euro, uma contracção tão brutal do défice orçamental só poderá levar a uma maior estagnação económica (Portugal está a crescer em média menos de 1% ao ano desde 2000), e ao aumento da miséria. Mas estas coisas parecem não incomodar nem o PS nem o PSD para agradar os chamados "mercados financeiros" cujos principais especuladores são os maiores bancos, precisamente aqueles que levaram o mundo à crise actual. Embora o governo não tenha divulgado dados precisos sobre quanto custarão aos portugueses e à economia do País as várias medidas que aprovou, e embora os defensores do pensamento neoliberal dominante e os patrões estejam de acordo com tais medidas, e cada órgão de informação tenha divulgado a sua estimativa diferente, o que tem levado à confusão sobre o seu custo, vamos procurar quantificar pelo menos as medidas com maior impacto social e económico. A 1ª medida e mais importante, porque é aquela que reduzirá mais o já baixo poder de compra dos trabalhadores e reformados é a criação de um adicional de 1% sobre os rendimentos sujeitos a IRS até ao 3º escalão de IRS (inclui trabalhadores, pensionistas e todos os que estão sujeitos a IRS), e de 1,5% para os rendimentos superiores. Para se poder ficar com uma ideia do aumento de imposto que determinará interessa referir o seguinte. Segundo os últimos dados disponibilizados pela Direcção Geral de Impostos, a matéria colectável, ou seja, o rendimento sujeito a imposto é, em média, 6,9 superior ao IRS que se tem de pagar. Como o governo prevê arrecadar em 2010 cerca de 9.441 milhões (este valor inclui o IRS para as Autarquias e admite-se que não incorpora nada resultante do combate à evasão e fraude fiscal, já que o PEC não inclui qualquer medida com esse objectivo, contrariamente ao de todos os países do Sul da Europa); repetindo com base naquele valor de IRS a receber, e também com base no coeficiente de 6,9 obtém um valor para a matéria colectável de 2010 que, aplicando-se a taxa média ponderada de 1,4% (é a que resulta dos adicionais 1% e 1,5% aprovados pelo governo), dá, para um ano, mais 912 milhões de IRS. Como o imposto não pode ser aplicado retroactivamente por imperativo constitucional, terão de ser deduzidos os rendimentos referentes aos cinco primeiros meses deste ano, o que determinará que o aumento do IRS este ano ronde os 586 milhões e em 2011 seja superior a 912 milhões. Qualquer português poderá calcular o aumento de IRS que terá. Basta que pegue na sua declaração de IRS, que veja qual é o valor que está na linha com a designação "Rendimento Colectável" e que depois multiplique esse valor por 0,01 no caso do seu rendimento colectável não ultrapassar o limite do 3º escalão, e 0,015 no caso contrário. Para se poder avaliar os verdadeiros efeitos deste aumento, interessa ainda referir que, de acordo com a DGCI, 87% dos rendimentos declarados para efeitos de IRS são do trabalho e pensões. A 2ª medida , com efeitos para as pessoas e empresas, é o aumento do IVA em 1 ponto percentual, a aplicar também a medicamentos e produtos essenciais (pão, leite, batatas, arroz, etc) o que dá um aumento de imposto de 600 milhões/ano. Como se aplicará apenas a 7 meses de 2010, isso determina que este ano os portugueses sofrerão uma redução nos seus rendimentos em 350 milhões (e em 2011, 600M). Como a maioria dos consumidores portugueses são trabalhadores e reformados, serão também estes que pagarão a maior parte da factura. A 3ª medida aprovada por Sócrates e Passos Coelho é um adicional de 2,5% a aplicar não aos lucros efectivos das grandes empresas, mas apenas aos lucros fiscais, portanto depois de deduzidos os benefícios fiscais, e mesmo assim só aquelas que tiverem lucros fiscais superiores a 2 milhões. Utilizando uma metodologia semelhante à usada para o IRS, e tomando como base os últimos dados divulgados pela DGCI conclui-se que, no máximo, se poderá obter um acréscimo de receita de 193 milhões de IRC. Este valor é irrisório, se se tiver presente que só nos primeiros três meses de 2010, os cinco maiores bancos portugueses tiveram 492 milhões de lucros líquidos, o que dá 5,5 milhões/dia (a previsão para o ano é de 2.000 milhões). E como tudo isto já não fosse suficiente, Sócrates e Passos Coelho decidiram reduzir ainda mais o investimento público ( 4ª medida ), o que dificultará a criação de emprego, assim como a diminuição das indemnizações compensatórias às empresas públicas. Isto poderá determinar aumentos maiores nos preços dos transportes colectivos e eliminar antecipadamente as medidas anti-crise sociais e de apoio às empresas (inclui a diminuição do prazo de garantia de 450 dias para 365 dias para se poder ter acesso ao subsidio de desemprego constantes do DL 324/2009, a condição de recursos, e as medidas constantes da Iniciativa de Emprego Resolução do CM 5/2010). É evidente que, face a este quadro, não basta criticar, embora a critica desde que objectiva e tecnicamente fundamentada seja também necessária. Mas o mais importante é apresentar propostas tecnicamente críveis e claras para que os portugueses vejam que existe outra alternativa de politica económica, possível no quadro actual que o PS e o PSD recusam apenas por interesses egoístas de classe. É precisamente com esse objectivo que se apresentam seguidamente algumas propostas. Elas são apenas contributos para essa politica económica alternativa, que agruparemos da seguinte forma: (1) Como aumentar as receitas fiscais; (2) Que despesas do Estado podem ser imediatamente reduzidas; (3) O que entendemos por bom investimento público tão necessário nesta altura. As propostas para aumentar as receitas passam pela introdução nomeadamente das seguintes medidas: (1) Criação de uma taxa extraordinária sobre os lucros da banca e das grandes empresas (um adicional extraordinário de 10% daria certamente uma receita superior a 500 milhões, deixando ainda uma parcela significativa dos lucros para serem investidos); (2) Tributação de todas as mais valias obtidas na bolsa e não apenas de 25%, como resulta da proposta do governo. Segundo o governo, a tributação de 25% das mais valias dará um acréscimo de receita de 200 milhões. Portanto, se se tributasse todas as mais valias o aumento de receita seria certamente superior ao triplo. De Jan/Abril de 2010 as transacções bolsistas atingiram 44.813 milhões, mais do dobro de igual período de 2009; (3) Um combate eficaz à evasão e fraude fiscal já que o descalabro verificado nas receitas fiscais resulta, em parte, do abandono desse combate até porque o governo tem empurrado prematuramente para a aposentação os quadros mais qualificados da Administração Fiscal (aqui poder-se-ia obter certamente mais 1500 milhões de receita, o que adicionados aos 1.100 anteriores daria 2.600 milhões). A nível de redução de despesas uma medida que devia e podia ser facilmente tomada, com efeitos importantes, seria reduzir significativamente a aquisição de serviços a empresas privadas e a contratação a empresas de trabalho temporário para menos de metade. A redução da despesa seria certamente superior a 700 milhões, já que o governo prevê gastar este ano com tais aquisições a privados cerca de 1.400 milhões (é a verba inscrita no OE2010). Isto exigiria uma nova atitude do governo em relação aos trabalhadores da Administração Pública que têm sido empurrados prematuramente para a aposentação. Finalmente o governo e o PSD anunciaram novas reduções no investimento público. Reduzir as despesas de capital é uma das medidas aprovadas pelo governo e constante do comunicado do Conselho de Ministros. Reduzir o mau investimento público como são as auto-estradas nomeadamente no interior do País, com tráfego reduzido, e mesmo o TGV e mais uma ponte sobre o Tejo numa altura destas, é, na nossa opinião necessária. E não será pelo facto da direita defender a mesma posição que nos deve impedir de expressar a nossa opinião, já que tecnicamente nos parece correcto. Mas há que substitui-lo rapidamente por bom investimento público, como são a modernização e electrificação da chamada ferrovia convencional, cujo investimento o governo decidiu reduzir para menos de metade; a aquisição das novas locomotivas para a CP cujo contrato o governo decidiu cancelar; aumentar os mini-metros de Lisboa e Porto que não satisfazem as necessidades de transporte nestas duas áreas metropolitanas; apoiar a reabilitação do parque habitacional urbano que está profundamente degradado nas grandes cidades; e apoiar fundamental e efectivamente a agricultura e as empresas que produzem para o mercado interno, a fim de substituir as importações, e assim reduzir o défice externo e o crescente aumento do endividamento do País ao estrangeiro. Dominados pela obsessão do défice, o governo e o PSD decidiram, por um lado, reduzir o já baixo poder de compra da maioria da população, o que agravará a situação de muitas empresas, que enfrentarão maiores dificuldades em vender, o que provocará mais falências e mais desemprego e, por outro lado, cortar no já pouco (bom) investimento e despesa pública o que só poderá contribuir para agravar e prolongar a crise social e económica que o País enfrenta, e determinará o aumento do endividamento externo, e isto quando a divida bruta do país ao estrangeiro já atinge 488 milhões (três vezes o valor do PIB). As medidas aprovadas pelo governo e pelo PSD inevitavelmente provocarão a contracção da economia. Isto determinará que o défice da Balança de Pagamento do País, que anualmente ronda os 10% do PIB (muito superior ao défice orçamental, o que não preocupa nem Sócrates, nem Passos Coelho, nem os defensores do pensamento neoliberal dominante em Portugal) continue a agravar o crescimento rápido da já elevada divida externa. As consequências são graves para o desenvolvimento do País. |
O Sócrates e o Passos Coelho, à margem da Assembleia da
República, para agradar aos chamados "mercados financeiros",
aprovaram um conjunto de medidas, cujas consequências, pelo menos as mais
importantes, interessa analisar de uma forma tecnicamente fundamentada.
É o que se vai procurar fazer utilizando para isso os dados oficiais
disponíveis.
OS TRABALHADORES E REFORMADOS VÃO PAGAR ESTE ANO, EM MÉDIA, MAIS
270 DE IRS E PELO MENOS MAIS 434 EM 2011
Uma das medidas anunciadas pelo governo é a criação de um
adicional de 1% para os rendimentos até ao 3º escalão do IRS
(rendimentos mensais até 2345 para trabalhadores e reformados), e
de 1,5% para os rendimentos superiores. Para se poder avaliar os efeitos desta
medida é importante ter presente os dados de 2006 e 2007 constantes do
quadro seguinte, que são os mais recentes disponibilizados pela DGCI do
Ministério das Finanças.
QUADRO I Rendimentos Brutos Totais, Rendimento Colectável e IRS
Liquidado em 2006 e 2007, Rendimento Colectável estimado de 2010 com
base na previsão de IRS constante do OE2010 e estimativa de aumento de
IRS devido sobretaxas de 1% e 1,5%
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(DGCI) |
(DGCI) |
Previsão |
(Acréscimo de IRS, 10 meses) Previsão |
1- Rendimento bruto total | 75.531 | 79.671 | 92.107 | |
2- Rendimento colectável | 52.736 | 56.601 | 65.143 | |
3- IRS liquidado | 7.671 | 8.202 | 9.441 (*) | 586 |
% que IRS Liquidado representa do Rendimento colectável | 14,55% | 14,49% | 14,50% | |
% que IRS Liquidado representa do Rendimento Bruto Total | 10,16% | 10,29% | 10,25% | |
Nº de vezes que o RENDIMENTO COLECTÁVEL é superior ao IRS LIQUIDADO (3: 2 ) | 6,9 | 6,9 | 6,9 |