Orçamento de Estado 2010
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O descalabro das receitas fiscais é uma das causas mais importantes do agravamento do défice orçamental que está a ser utilizado pelo governo e pela direita para exigir mais sacrifícios aos trabalhadores (ex. Função Pública). Este descalabro não é justificado apenas pela quebra da actividade económica resultante da crise internacional. Dados do Relatório do OE2010, mostram que tal argumento não tem a consistência técnica que o governo e a direita pretendem fazer crer, e que ele resulta do aumento da evasão e fraude que se estão a aproveitar muitas empresas. De acordo com o Relatório do OE2010, entre 2008 e 2009, o PIB a preços correntes (e é sobre este que incide as taxas de imposto) passou de 166.436,9 milhões para 164.879,5 milhões , ou seja, diminuiu em 1.557,4 milhões de euros (em percentagem baixou apenas -0,9%), enquanto as receitas fiscais totais, durante o mesmo período, diminuíram em 5.034 milhões de euros (-13,7%), pois passaram de 36.660,8 milhões de euros para apenas 31.626,8 milhões de euros. E a situação não vai melhorar em 2010. Entre 2008 e 2010, segundo o governo, o valor do PIB a preços correntes aumenta 930,2 milhões de euros, pois passa de 166.436,9 milhões de euros para 167.367,1 milhões de euros, enquanto as receitas fiscais, durante o mesmo período, diminuem em 4.686,7 milhões de euros (-12,8%), pois passam de 36.660,8 milhões de euros para 31.974,1 milhões de euros. Estes dados do próprio governo, mostram que o descalabro a nível das receitas fiscais não é provocado apenas ou fundamentalmente pela quebra da actividade económica determinada pela crise internacional como pretende fazer crer o governo. Estimamos que, pelo menos, 3.000 milhões da quebra de receitas é devida ao aumento significativo da evasão e fraude fiscal provocado pelo discurso permissivo do governo e pela falta de acção e de eficácia da Administração Fiscal no combate à evasão e à fraude fiscal. A confirmar esse facto, estão as estimativas que fizemos a partir do relatório elaborado, a pedido da Comissão Europeia, pela Reckon LL que calculou o "gap" entre "IVA Potencial" e "IVA recebido" para os diversos países da U.E., incluindo Portugal. Utilizando a mesma metodologia para 2008-2010, conclui-se que a fraude e evasão fiscal a nível do IVA apresenta a seguinte evolução em Portugal: 2008: 201,2 milhões ; 2009: 3.051,2 milhões ; e 2010, a previsão, é de 2.861,1 milhões , o que confirma o nosso valor. A passividade e o silêncio do governo são inaceitáveis. Apenas no IRS, em que cerca de 80% são rendimentos declarados pelos trabalhadores e pensionistas, é que não se registou uma quebra de receitas, apesar do aumento significativo do desemprego. Segundo o Relatório do OE2010, a receita arrecadada em IRS em 2009 (9.338,1 milhões ) é praticamente igual à de 2008 (9.339,4 milhões ). Em 2010, a previsão do governo, é que até aumente em 1,1% se a compararmos com a de 2008. Nas receitas fiscais a pagar pelas empresas o descalabro é total. Mesmo utilizando os dados do Relatório OE2010, a evasão e a fraude são evidentes. A quebra verificada entre 2008 e 2009, a nível do IVA atinge 2.996 milhões de euros, ou seja, -21,6%, quando, em 2009, o consumo privado diminuiu apenas 0,9% e o público até aumentou. Mesmo entrando com outras causas, como a baixa da taxa do IVA de 21% para 20%, que reduziu a receita do IVA em 2009 em relação a 2008, em cerca de 390 milhões , cerca de 2.000 milhões de euros ficam por explicar só a nível do IVA. Outro aspecto grave e preocupante é que não se prevê qualquer recuperação significativa nas receitas fiscais em 2010, apesar da reanimação da actividade económica. A receita fiscal total de 2010 é praticamente igual à de 2009 (apenas mais 347,3 milhões ), e verifica-se que, medida em percentagem do PIB, continua a baixar (22% em 2008; 19,2% em 2009; 19,1% em 2010). Como consequência a injustiça fiscal continua a aumentar ainda mais em Portugal. Entre 2009 e 2010, o peso dos impostos directos, que são impostos tecnicamente mais justos porque atendem ao rendimento de cada contribuinte, em relação às receitas fiscais totais diminuiu pois passa de 43,9% para 42,9%, enquanto o peso dos impostos indirectos, que são impostos mais injustos porque seja rico ou pobre quando se adquire o mesmo produto paga-se a mesma importância de imposto, aumenta de 56,1% para 57,1%. E Victor Constâncio veio defender o aumento do IVA. Porque razão não propôs a eliminação da isenção total que continuam a gozar as mais valias especulativas obtidas na bolsa em Portugal, como já acontece na maior parte dos países da UE? Apesar da crise, os benefícios fiscais concedidos que determinam perda da receita fiscal aumentam. Segundo o Relatório do OE2010, a perda de receita fiscal atingirá, em 2010, 2.536 milhões quando, em 2009, atingiu 2.407 milhões , sendo cerca de 69% só no IRC. Só no período 2005-2010, com Sócrates, o Estado perde 15.605 milhões de receitas fiscais. Apesar da crise, nos orçamentos dos serviços da Administração Central (SI e SFA) estão orçamentados para 2010, 1.318,9 milhões para aquisição de serviços a empresas privadas em 2010 (estudos, pareceres, assistência técnica, outros serviços), quando muitos podiam ser feitos internamente. |
O governo e os "opinion makers" oficiais que enxameiam a
comunicação social têm procurado fazer passar a mensagem,
junto da opinião pública, que o agravamento do défice
orçamental se deve só à crise internacional. Desta forma
procuram ilibar aqueles que, internamente, contribuíram para que a crise
tenha alcançado, em Portugal, a gravidade conhecida
Daquela afirmação, partem imediatamente para uma outra, que
é a seguinte: são necessários grandes sacrifícios
para a enfrentar que devem ser "suportados por todos", leia-se por
quem trabalha, e que dificilmente consegue sobreviver com o reduzido rendimento
que aufere. Daí as propostas de congelamento ou mesmo de
redução de salários, de aumento do IVA, etc, etc.
Este foi também o principal argumento utilizado pelo secretário
do Estado do Orçamento na 1ª reunião com os sindicatos da
Frente Comum, para justificar o congelamento dos salários da
Função Pública e a redução muito
significativa do valor da pensão da aposentação que o
governo pretende impor em 2010 e no futuro à generalidade dos
trabalhadores da Administração Pública.
É evidente que o congelamento dos salários e a
redução das pensões servirão, como já
sucedeu no passado, de modelo e funcionará como apoio a medidas
semelhantes contra os trabalhadores do sector privado.
No entanto, dados do próprio governo constantes do Relatório do
OE2010 mostram que aquele argumento não tem a consistência
técnica que o governo pretende fazer crer, já que não
é a crise internacional a causa determinante do descalabro das receitas
fiscais que causou o agravamento do défice orçamental que
está a ser utilizado pelo governo para justificar tudo.
A EVASÃO E A FRAUDE FISCAL EXPLICAM QUEBRA DE MAIS DE 3.000 MILHÕES
DO
DÉFICE DE 2009, E O GOVERNO NÃO VAI FAZER NADA EM 2010 PARA
PÔR COBRO A ISSO
Para concluir que o descalabro das receitas fiscais, que está a causar o
agravamento significativo do défice orçamental, não
é causado exclusivamente, e mesmo de uma forma determinante pela crise
internacional, como pretende fazer crer o governo e toda a direita, e os
grandes patrões privados, basta observar o quadro seguinte,
construído com dados do próprio Relatório do OE2010.
QUADRO I Variação do PIB e das Receitas Fiscais no
período 2008-2010
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Milhões |
em % |
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Milhões |
em % |
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2008 | 166.436,9 | | | 36.660,8 | | |
2009 | 164.879,5 | -1.557,4 | -0,9% | 31.626,8 | -5.034,0 | -13,7% |
2010 | 167.367,1 | 2.487,6 | 1,5% | 31.974,1 | 347,3 | 1,1% |
2010-2008 | 930,2 | | 0,6% | -4.686,7 | | -12,8% |
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(Estimativa com base no estudo da Reckon) Milhões |
(Relatório OE2010) Milhões |
(Diferença) Milhões |
(Receita perdida devido a isenções - Relatório OE2010) Milhões |
(Estimativa) Milhões |
2008 | 14.204,4 | 13.871,0 | 333,4 | 132,2 | 201,2 |
2009 | 14.097,7 | 10.884,6 | 3.213,1 | 161,9 | 3.051,2 |
2010 | 14.310,4 | 11.271,8 | 3.038,6 | 177,5 | 2.861,1 |
SOMA | 42.612,5 | 36.027,4 | 6.585,1 | 471,6 | 6.113,5 |
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Real Milhões |
Estimativa Milhões |
Orçamento Milhões |
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2009-08 |
2010-08 |
Total 2009 |
Total 2010 |
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IRS | 9.339,4 | 9.338,6 | 9.441,0 | 0,0% | 1,1% | 29,5% | 29,5% |
IRC | 5.937,9 | 4.534,5 | 4.200,0 | -23,6% | -29,3% | 14,3% | 13,1% |
Outros | 10,9 | -1,8 | 67,4 | -116,5% | 518,3% | 0,0% | 0,2% |
IMPOSTOS DIRECTOS | 15.288,2 | 13.871,3 | 13.708,4 | -9,3% | -10,3% | 43,9% | 42,9% |
ISP | 3.088,9 | 3.023,0 | 3.025,0 | -2,1% | -2,1% | 9,6% | 9,5% |
IVA | 13.880,0 | 10.884,0 | 11.271,0 | -21,6% | -18,8% | 34,4% | 35,3% |
IA /ISV | 940,0 | 693,3 | 710,0 | -26,2% | -24,5% | 2,2% | 2,2% |
IT | 1.277,0 | 1.141,0 | 1.180,0 | -10,6% | -7,6% | 3,6% | 3,7% |
Selo | 1.822,0 | 1.654,5 | 1.692,0 | -9,2% | -7,1% | 5,2% | 5,3% |
IABA | 196,0 | 180,1 | 185,0 | -8,1% | -5,6% | 0,6% | 0,6% |
IUC/IC | 104,9 | 129,3 | 140,0 | 23,3% | 33,5% | 0,4% | 0,4% |
Outros | 63,8 | 50,3 | 62,7 | -21,2% | -1,7% | 0,2% | 0,2% |
IMPOSTOS INDIRECTOS | 21.372,6 | 17.755,5 | 18.265,7 | -16,9% | -14,5% | 56,1% | 57,1% |
TOTAL IMPOSTOS | 36.660,80 | 31.626,80 | 31.974,10 | -13,7% | -12,8% | 100,0% | 100,0% |
PIB - Milhões euros | 166.436,9 | 164.879,5 | 167.367,1 | -0,9% | 0,6% | ||
% TOTAL IMPOSTOS/PIB | 22,0% | 19,2% | 19,1% | -12,9% | -13,3% |
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Milhões |
Milhões |
Milhões |
Milhões |
Milhões |
Milhões |
Milhões |
IRS | 382,3 | 229,8 | 362,0 | 304,6 | 325,2 | 351,4 | 1.955,3 |
IS | 0,2 | 1,1 | 0,4 | 0,2 | 0,2 | 0,2 | 2,3 |
IA/ISV | 56,8 | 59,6 | 95,5 | 143,8 | 102,9 | 111,3 | 569,9 |
IVA | 99,2 | 118,3 | 100,0 | 132,2 | 161,9 | 177,5 | 789,1 |
ISP | 210,8 | 240,1 | 261,0 | 226,8 | 260,7 | 286,8 | 1.486,2 |
IABA | 0,7 | 0,6 | 0,4 | 0,4 | 0,4 | 0,4 | 2,9 |
IT | 0,5 | 0,5 | 0,8 | 1,0 | 1,0 | 1,2 | 5,0 |
SUBTOTAL | 750,5 | 650,0 | 820,1 | 809,0 | 852,3 | 928,8 | 4.810,7 |
IRC | 259,0 | 255,8 | 238,6 | 469,5 | 246,1 | 298,9 | 1.767,9 |
IRC- Isenção Temporária (Madeira) | 1.326,1 | 1.356,1 | 1.683,0 | 2.044,1 | 1.308,7 | 1.308,7 | 9.026,7 |
SUBTOTAL-IRC | 1.585,1 | 1.611,9 | 1.921,6 | 2.513,6 | 1.554,8 | 1.607,6 | 10.794,6 |
TOTAL | 2.335,6 | 2.261,9 | 2.741,7 | 3.322,6 | 2.407,1 | 2.536,4 | 15.605,3 |
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Estudos, pareceres, projectos, consultoria | 63,106 | 126,068 | 189,174 |
Assistência Técnica | 61,487 | 48,527 | 110,014 |
Outros trabalhos especializados | 220,619 | 475,367 | 695,986 |
Outros serviços | 113,625 | 210,2 | 323,825 |
TOTAL | 458,837 | 860,162 | 1.318,999 |