Governo utiliza empresas públicas para reduzir o défice
orçamental, endividando-as e arrastando-as para a situação
de falência técnica
RESUMO DESTE ESTUDO
Os principais jornais diários portugueses divulgaram recentemente em
grandes títulos, alguns deles na 1ª página, que as
dividas das empresas públicas atingiam 17.500 milhões de euros.
E, como é habitual em muitos media portugueses, não explicaram
por que razão isso acontecia, podendo criar nos leitores a falsa ideia
que isso resultava de serem empresas públicas. Está-se assim
perante aquilo a que Phippe Breton designa por "enquadramento
manipulatório", pois uma analise objectiva das causas de tais
dividas levam a conclusões bem diferentes.
Existem impostos cuja cobrança se justifica porque são
necessários precisamente para financiar as infra-estruturas dos
transportes. São nomeadamente o Imposto Automóvel (IA), agora
designado Imposto sobre os Veículos (ISV), e o Imposto sobre Produtos
Petrolíferos (ISP). No período 2005-2009, as receitas obtidas
pelo Estado, através do IA/ISV e do ISP, deverão atingir
20.051,6 milhões de euros de acordo com os dados dos Relatórios
dos OE 2005-2009.
Apesar de arrecadar mais de 20.000 milhões de euros de receitas com
estes dois impostos, as dotações orçamentais
atribuídas por este governo às empresas públicas de
transportes para o financiamento de infra-estruturas e aquisição
de material circulante têm sido manifestamente insuficientes. Entre 2005
e 2009. as transferências do Orçamento do Estado para as empresas
públicas de transportes (REFER, CP, Carris, Metro, etc), para
financiamento de infra-estruturas e aquisição de material
circulante, atingirão apenas 2.289,5 milhões de euros. Como
consequência, as empresas públicas de transportes serão
obrigadas a se endividarem em mais 3.773 milhões de euros (mais 63% do
que o transferido do Orçamento do Estado), no período 2005-2009,
só para poderem cumprir o programa de investimentos constante do PIDDAC,
ou seja, o programa mais importante de investimentos do Estado.
Como consequência da insuficiência das transferências do
Orçamento do Estado, as dividas aos bancos apenas de quatro empresas
públicas de transportes (REFER, CP, Carris e Metro de Lisboa) atingiam,
já no fim de 2007, 7.983,2 milhões de euros, e os juros pagos por
estas empresas totalizaram, só em 2007, 444,7 milhões de euros.
Estes elevados montantes de juros contribuíram para que estas quatro
empresas tivessem tido, em 2007, 532 milhões de euros de
prejuízos. Esta situação provocou que estas quatro
empresas públicas apresentassem em 2007 "Situações
Liquidas" e "Capitais Próprios" negativos, isto é,
o seu "Activo" (aquilo que possuíam mais o que tinham a
receber) já não era suficiente para pagar o seu
"Passivo" (tudo o que deviam), pois o seu
"Passivo"já era superior ao seu "Activo" em
3.272,5 milhões de euros, , o que significava que, já em 2007,
aquelas quatro empresas estivessem tecnicamente falidas. É arrastando as
empresas públicas de transportes para a situação de
falência técnica, que este governo tem conseguido também
reduzir o défice orçamental.
Mesmo as indemnizações compensatórias a que as empresas de
transportes públicas têm direito a receber por prestarem à
população serviços a um preço inferior ao seu custo
são pagas "tarde e a más horas". Por ex., as 2008
só começaram a ser pagas a partir de Outubro deste ano (Parecer
do Tribunal de Contas, pág. 7), o que agravou as dificuldades
financeiras destas empresas.
Uma das mensagens que este governo e os seus defensores nos media têm
procurado fazer passar é que as empresas públicas são um
"sorvedouro" de dinheiro para o Orçamento do Estado. No
entanto, de acordo com o Parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do
Estado de 2007, no período 2003-2007, a despesas do Estado com
"apoios financeiros não reembolsáveis" às
empresas publicas atingiram 5.655 milhões de euros, mas às
empresas privadas já somaram 6.694,1 milhões de euros, ou seja,
mais 1.000 milhões de euros (pág. 104). Portanto, o apoio
financeiro do Estado às empresas privadas foi bastante superior ao
concedido às empresas públicas. Por isso, não se pense que
este apoio só teve lugar recentemente (mais de 24.000 milhões
à banca, mais de 1.300 milhões de euros à Quimonda e
sector automóvel, etc). Normalmente os media falam do apoio do Estado
às empresas públicas mas "esquecem-se" de falar, fora
de períodos de crise como é o actual, do apoio do Estado
às empresas privadas. È a informação de dois pesos
e de duas medidas que temos em Portugal.
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No dia 13 de Janeiro de 2008, os principais jornais diários portugueses,
utilizando o relatório da "Auditoria aos débitos e ao prazo
médio de pagamento das Empresas Públicas", publicado pelo
Tribunal de Contas, que está disponível no seu sitio na Internet,
publicaram grandes títulos, alguns na 1ª pagina, em que se
podia ler: "Empresas do sector público com dividas de 17.500
milhões"
(Público)
; "Dividas das empresas
públicas superam 11% do PIB nacional"
(Diário
Económico).
Mas como é habitual, esses mesmos jornais não investigaram, nem
contextualizaram, nem explicaram por que razão isso sucede. E embora
não tenham afirmado expressa e directamente isso, poderão ter
criado nos leitores a falsa ideia de que isso sucedia pela simples razão
de serem empresas públicas. Philippe Breton, no seu livro "A
palavra manipulada", classifica aquela forma de apresentar a noticia como
uma forma de manipulação, designando-o por "enquadramento
manipulatório" que "consiste em ordenar os factos de tal modo
que da nova imagem da realidade resulte a convicção em bases de
certo modo falsas". (pág. 114).
Efectivamente, se aqueles jornais se tivessem dado ao trabalho de investigar,
de saber por que razão as empresas públicas, nomeadamente as de
transportes, apresentam dividas elevadas, e se explicassem isso aos leitores,
naturalmente a percepção da realidade que os leitores obteriam
seria certamente muito diferente da que obtiveram com a leitura daquela noticia
como foi publicada.
Neste estudo vamos procurar explicar por que razão as empresas publicas
de transporte, que são as que apresentam maiores dividas, estão
endividadas e, algumas delas, até já tecnicamente falidas.
IMPOSTOS SOBRE OS TRANSPORTES SOMAM MAIS DE 20.000 MILHÕES DE EUROS COM
ESTE GOVERNO
Existem impostos cuja cobrança se justifica porque são
necessários para financiar despesas com as infra-estruturas dos
transportes. São os casos, nomeadamente do Imposto Automóvel
(IA), agora designado Imposto sobre os Veículos (ISV), e do Imposto
sobre Produtos Petrolíferos (ISP). As receitas destes dois impostos
durante o período deste governo, ou seja, no período 2005-2009,
consta do quadro seguinte, que foi construído com dados dos
Orçamentos de Estado apresentados por este governo.
No período 2005-2009, as receitas do Estado, só com o actual
Imposto sobre Veículos e o Imposto sobre Produtos Petrolíferos
atingirão, 20.051,6 milhões de euros. E neste valor não
está incluído a chamada "contribuição de
serviço rodoviária" , criada pela Lei nº 51/2007, que
é uma parcela do ISP, que é desviada directamente para a empresa
Estradas de Portugal sem passar pelo Orçamento do Estado e que, por
isso, não está incluída nos valores do quadro I. Esta
"contribuição de serviço rodoviário",
só nos anos de 2008 e 2009, representa mais 1.113 milhões de
euros. E tudo isto ainda não inclui o chamado Imposto de
circulação, cuja receita reverte integralmente para as Autarquias
e que, também por isso, não entra no Orçamento do Estado.
GOVERNO REDUZ DOTAÇÕES DO ORÇAMENTO DO ESTADO PARA
EMPRESAS PÚBLICAS DE TRANSPORTES DESTINADAS A INVESTIMENTO PARA REDUZIR
DÉFICE ORÇAMENTAL
Apesar de obter só para o Orçamento do Estado mais de 20.000
milhões de euros de receitas com impostos que incidem sobre o sector de
transportes, as dotações do Orçamento do Estado
atribuídas por este governo às empresas publicas de transportes
para o financiamento de infra-estruturas e aquisição de material
circulante têm sido manifestamente insuficientes como revela o quadro
seguinte construído com dados constantes dos Relatórios que
acompanharam os Orçamentos do Estado para o período 2005-2009.
Assim, no período compreendido entre 2005 e 2009, as
transferências do Orçamento do Estado para as empresas
públicas de transportes (REFER, CP, Carris, Metro, etc), para
financiamento de infra-estruturas e aquisição de material
circulante, somarão somente 2.289,5 milhões de euros, sem
incluir a "contribuição por serviço
rodoviário", que é uma parcela das receitas do ISP
desviadas directamente apenas para as Estradas de Portugal, quando as receitas
obtidas directamente pelo Orçamento do Estado de impostos que incidem
sobre os transportes, durante o mesmo período (2005-2009),sem incluir
também aquela mesma "contribuições por serviço
rodoviário, totalizarão mais de 20.000 milhões de euros.
Como consequências as empresas públicas de transportes
serão obrigadas a se endividarem em 3.773,4 milhões de euros
(mais 63% que o transferido do Orçamento do Estado), durante o mesmo
período 2005-2009, para poderem cumprir só o programa de
investimentos constante do PIDDAC, ou seja, o programa mais importante de
investimentos do Estado.
É evidente que é transferindo do Orçamento do Estado para
as empresas públicas de transportes dotações insuficientes
para financiar as infra-estruturas de transporte e a aquisição de
material circulante, ou seja, através desta engenharia financeira, que
este governo tem conseguido também reduzir o défice
orçamental. Mas esta politica está a determinar o agravamento
vertiginosos do endividamento das empresas públicas de transporte e a
sua, consequente, degradação financeira.
GOVERNO PROVOCA FALENCIA TECNICA DAS EMPRESAS PÚBLICAS DE TRANSPORTE
O aumento do endividamento das empresas públicas, determinado pela
politica deste governo dominada pela obsessão de reduzir o défice
orçamental, está a provocar o aumento rápido das despesas
das empresas públicas de transportes com o pagamento de juros. como
revela o quadro seguinte.
As dívidas aos bancos apenas destas quatro empresas públicas de
transportes atingiam, no fim de 2007, 7.983,2 milhões de euros, tendo
aumentado mais de 600 milhões euros entre 2006 e 2007. Como
consequência, os encargos financeiros, ou seja, os juros pagos por estas
empresas alcançaram, em 2006, 367,2 milhões de euros e, em 2007,
444,7 milhões de euros, um aumento de 77,4 milhões de euros de
juros em apenas num ano.
Estes elevados montantes de juros determinaram, por sua vez, que as quatro
empresas públicas de transportes tivessem tido, em 2006 e em 2007, mais
de 530 milhões de euros de prejuízos em cada um destes anos. Esta
situação provocou que estas quatro empresas públicas
apresentassem em 2007, "Situações Liquidas" e
"Capitais Próprios" negativos", isto é que o seu
"Activo" (aquilo que possuíam mais o que tinham a receber)
já não era suficiente para pagar o seu "Passivo" (tudo
o que devem), pois as suas dividas eram já superiores a tudo que
possuíam e que tinham a receber em 3.272,5 milhões de euros, o
que significava que todas elas já estivessem tecnicamente falidas em
2007. É arrastando as empresas públicas para a
situação de falência técnica que este governo tem
conseguido também reduzir o défice orçamental.
A manutenção desta situação de falência
técnica é insustentável e levará inevitavelmente ao
aumento dos preços dos transportes públicos e de impostos
necessários para financiar o "buraco financeiro" que a
politica deste governo esta a provocar nas empresas públicas.
OS SUBSIDIOS DO ESTADO ÀS EMPRESAS PRIVADAS É SUPERIOR AOS
CONCEDIDOS ÀS EMPRESAS PÚBLICAS
Uma das mensagens que este governo e os seus defensores nos media têm
procurado fazer passar é que as empresas públicas são um
"sorvedouro" de dinheiro para o Orçamento do Estado. No
entanto, no período 2003-2007, portanto antes da crise, o apoio
às empresas do sector privado foi bastante superior ao das empresas
públicas como mostra o quadro seguinte, construído com dados
constantes do Parecer do Tribunal de Contas sobre a CGE de 2007.
Entre 2003 e 2007, de acordo com o Tribunal de Contas, a despesa do Estado com
apoios financeiros não reembolsáveis a empresas publicas somou
5.656 milhões de euros, mas a empresas privadas atingiu 6.694,3
milhões de euros, ou seja, mais de 1.000 milhões de euros do que
a empresas públicas. E aos bancos e outros instituições
financeiras esta despesa do Estado também não reembolsável
alcançou 1.537,6 milhões de euros.
Por outro lado, em 2007, só em subsídios não
reembolsáveis a empresas privadas o Estado despendeu 519,2
milhões de euros, enquanto os subsídios a empresas publicas
somaram 402,2 milhões de euros (pág. 105 do Parecer do Tribunal
de Contas). Por aqui se vê bem quem é o "sorvedouro" de
dinheiros do Orçamento do Estado de que normalmente os media não
falam.
Mesmo as indemnizações compensatórias a que as empresas
públicas de transportes colectivos têm direito por prestarem
à população um serviço a preços inferiores
aos seus custos tem sido pagas por este governo "tarde e a más
horas". No Parecer do Tribunal de Contas, na pág. 7, sobre esta
questão lê-se o seguinte: "A titulo de exemplo, assinale-se
que, apenas em 9 de Outubro de 2008, foi aprovada a Resolução do
Conselho de Ministros que promove a distribuição das
indemnizações compensatórias para 2008, pelas empresas
prestadoras de serviço público, o que significa dez meses em que
as empresas prestaram tais serviços, sem auferir as
compensações a que têm direito. Estão neste caso as
empresas do sector de transportes e comunicações"
E no seu Parecer, o Tribunal de Contas ainda acrescenta o seguinte:
"Não pode, porém deixar de se salientar que os
estrangulamentos causados pelo próprio Estado às suas empresas
pela não disponibilização tempestiva das verbas que lhe
são devidas
. vai, certamente, forçar a maior recurso ao
endividamento bancário para acorrer a necessidades de tesouraria"
(pág. 7), inevitavelmente com elevados custos financeiros para estas
empresas. Mas estes pontos do Parecer do Tribunal de Contas foram ignorado por
muitos jornais, naturalmente por não ser do agrado do poder politico e
económico dominante na sua campanha contra as empresas publicas,
campanha essa que é alimentada também por actos de má
gestão dos homens colocados pelo governo nas
administrações de muita empresas públicas, de que é
exemplo recente o caso da promoção ao topo da carreira na CGD de
Armando Vara, antigo secretário de Estado e ministro de um governo PS,
que é actualmente administrador numa empresa concorrente da CGD, o
MillenniumBCP.
18/Janeiro/2009
[*]
Economista,
edr@mail.telepac.pt
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