O discurso da desculpabilização do governo, a cambalhota de
Sócrates na AR e as consequências da
ruinosa gestão capitalista
RESUMO DESTE ESTUDO
Sócrates já iniciou o discurso de desculpabilização
do governo. Segundo ele, este estava a fazer um bom trabalho com resultados
surpreendentes que se tinham já traduzido na recuperação
da economia e no crescimento económico. Mas agora uma crise externa
imprevisível, de que não tem culpa, veio estragar o bom trabalho
que estava a fazer. É este o novo discurso de
desculpabilização do governo, que interessa analisar e confrontar
com dados mesmo do FMI, Eurostat e Banco de Portugal sobre a
evolução do nosso País nos últimos anos.
Em 2005-2007, segundo o FMI, a taxa de crescimento económico foi pouco
superior a 1%.ao ano, portanto um crescimento anémico. Para 2008 o
crescimento previsto é apenas 0,8%, e de 1% em 2009. E os valores
2008-2009 são previsões que poderão ser ainda
corrigidas, tal como aconteceu com as anteriores previsões do
próprio FMI, do governo e do Banco de Portugal pois é cada
vez mais evidente que o País caminha novamente para a recessão
económica. Nos últimos anos a taxa de crescimento do investimento
foi reduzida. Em 2005 e 2006 o investimento total (FBCF) registou mesmo uma
taxa de variação negativa (-0,9% e -0,7%, respectivamente) e nos
anos seguintes a taxa foi baixa (2,8% em 2007 e 1,6% é a previsão
para 2008 e 2009). O investimento público diminuiu, entre 2004 e 2007,
de 3,1% do PIB para apenas 2,4% do PIB. Como consequência o PIB
potencial, que dá o crescimento potencial da economia portuguesa no
futuro sem inflação, atingiu valores extremamente baixos. Segundo
o FMI o seu valor diminuiu, entre 2007 e 2008, de 1,5% para apenas 1,2%, o que
revela, por um lado, uma degradação crescente do aparelho
produtivo português devido ao reduzido investimento realizado e, por
outro lado, dificulta, para não dizer mesmo impede, que no futuro
Portugal possa atingir taxas elevadas de crescimento económico. O PIB
por habitante SPA, que é o indicador mais utilizado do nível de
riqueza, entre 2005 e 2008, diminuiu de 75,4% para 72,2% da média da
UE27, e a produtividade, fundamental para assegurar o crescimento
económico, baixou no mesmo período de 68,7% para 67,3% da
média da UE27. A Balança Corrente do País, que dá o
saldo das relações de Portugal com o estrangeiro, tem apresentado
elevados saldos negativos. Em 2004, o saldo negativo foi de -10.900
milhões de euros e, em 2008, o FMI prevê que atinja -19.400
milhões de euros, ou seja, praticamente o dobro, o que é
indicador da crescente falta de competitividade da economia. Como
consequência, o endividamento do País ao estrangeiro atingiu
valores assustadores, hipotecando o futuro de Portugal. Entre 2004 e 2008, o
valor dos activos portugueses pertencentes já a estrangeiros aumentou de
92.900 milhões de euros para 166.300 milhões de euros (99% do
PIB), o que fez que o valor do rendimento gerado no País transferido
para o estrangeiro aumentasse vertiginosamente atingindo, em 2008, cerca de
21.868 milhões de euros. Em 2004, cerca de 18% do PIB e, em 2007, o
correspondente a 20,5% do PIB foi para o estrangeiro, deixando o País e
os portugueses mais pobres.
É este o "bom" trabalho realizado pelo governo de
Sócrates; é este o estado em se encontra o País para
enfrentar a grave crise que abala o sistema mundial do capitalismo.
Entre 2006 e 2008, as remunerações médias reais em
Portugal a nível de toda a economia diminuíram -1,4%. Na
Administração Pública, a quebra foi ainda maior pois
atingiu -3,8%. As pensões médias pagas pela Segurança
Social estagnaram no período 2007-2008, tendo mesmo o seu poder de
compra diminuído em 2008 em -0,4%. A parte da riqueza criada no
País (PIB) que reverteu para os trabalhadores em "ordenados e
salários" diminuiu, entre 2006 e 2008, de 35,2% para apenas 33,3%,
ou seja, baixou em 5,4%, agravando-se ainda mais as desigualdades sociais, e as
condições de vida dos trabalhadores e dos reformados.
É este o "bom" trabalho realizado por Sócrates, e
é esta a situação em que se encontra a maioria dos
portugueses para enfrentar a grave crise que atinge presentemente o
capitalismo, que vai determinar recessão económica, aumento do
desemprego e a redução do poder de compra da maioria da
população.
Neste momento, Sócrates, como todos os neoliberais que dominam nos
media, procura fazer crer que a actual crise financeira resultou apenas de uma
deficiente supervisão (veja-se o seu discurso na Assembleia da
República), e que basta fazer uns remendos nesta para resolver o
problema do funcionamento do sistema. Ora isso não é verdade. A
"deficiente" supervisão é inevitável no
capitalismo, como prova o que se verifica em Portugal a nível dos
combustíveis, da electricidade, do gás, das
telecomunicações, etc, cujos preços são superiores
aos preços médios praticados na UE. E isto sucede devido ao
domínio do poder politico pelo poder económico, e à
própria lógica do funcionamento dos "mercados",
tão defendidos por Sócrates, cuja ganância para obter
lucros elevados não olha a meios. Como afirma Alex Jilberto e Barbara
Hogenboom no livro
Big Business And Economic Development
, o neoliberalismo que levou a actual crise mundial foi tornado
possível pela política generalizada de
privatizações de empresas públicas que atingiu grande
número de países.
Portugal não fugiu à regra. Cavaco Silva, Guterres, Durão
Barroso e Sócrates, que agora derramam "lágrimas" pelo
País e pelas camadas mais desprotegidas da população
atingidas já pela crise, realizaram em Portugal uma política de
privatizações que levou à entrega das principais empresas
públicas ao grande capital privado nacional e estrangeiro. Só em
2007, 12 empresas públicas que foram privatizadas (EDP, PT, GALP,
PORTUCEL, BRISA, TABAQUEIRA, CIMPOR, CUF, REN, TOTTA_CP, BES e BPI) deram aos
grandes patrões privados lucros superiores a 3.457 milhões de
euros. É evidente que se aquelas empresas não tivessem sido
privatizadas, por um lado, constituiriam um importante instrumento no combate
à crise e, por outro lado, aqueles lucros que foram para os grandes
patrões privados teriam revertido para o Orçamento do Estado
dando a este meios financeiros para pôr em pratica uma politica social e
de investimento público visando reduzir os efeitos da crise, no lugar
das mini-medidas anunciadas pelo governo cujos resultados serão
naturalmente reduzidos e insuficientes.
Um dos méritos desta crise será tornar claro a necessidade de
inverter rapidamente todo processo de privatizações. As
nacionalizações não podem apenas servir para que sejam os
contribuintes a pagar as consequências de uma gestão capitalista
ruinosa, de que é também exemplo o
Fundo de Garantia de 20 mil milhões de euros
, criado pelo governo à custa do Estado para assegurar à banca o
pagamento dos empréstimos que esta tenha de fazer, o que revela a
fragilização clara da banca fruto da gestão capitalista.
Como contrapartida de uma politica que não preparou nem o País
nem os portugueses para a crise, afinal o que é que este governo tem
para oferecer aos portugueses: apenas a redução não
durável do défice orçamental para 2,2% feita ainda por
cima num período em que a economia portuguesa estava mergulhada numa
prolongada crise, o que deixou o País mais atrasado, fragilizado e
desarmado perante uma globalização selvagem dominada pelo capital
financeiro
.
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No último debate quinzenal realizado na Assembleia da República
Sócrates ensaiou o novo discurso de desculpabilização do
governo que vai servir naturalmente de mote à propaganda governamental,
nomeadamente durante as eleições. Segundo o 1º ministro, o
governo estava a fazer um bom trabalho com resultados surpreendentes que
já se tinham traduzido no inicio da recuperação do
País e no crescimento económico. Mas agora uma crise externa
imprevisível, de que não tinha culpa, veio estragar aquele bom
trabalho que o governo estava a fazer. E como a desfaçatez não
tem limites afirmou no discurso lido na Assembleia da República:
"Nesta crise financeira há uma ideologia derrotada. E quem sai
derrotado são os apóstolos do Estado mínimo e do mercado
desregulado. Quem sai derrotado são aqueles que durante anos a fio,
enalteceram as virtudes imbatíveis de um mercado entregue a si
próprio. Quem sai derrotado são aqueles que sempre professam a
sua fé na mão invisível do mercado, para agora, à
falta de outra , reclamarem intervenção bem visível do
Estado". Portanto, com um passe de mágica, Sócrates pretende
fazer esquecer o seu passado de defensor acérrimo do neoliberalismo e
dos "mercados" e passar a defensor de "mais Estado" e de
maior intervenção do Estado.
O GOVERNO NÃO ESTAVA A FAZER UM BOM TRABALHO NEM OS RESULTADOS OBTIDOS
SÃO BONS PARA O PAÍS E PARA OS PORTUGUESES COMO PRETENDE FAZER
CRER
Se analisarmos a evolução da economia nos últimos quatro
anos (2005-2008) conclui-se que a situação não melhorou,
tendo até se agravado em áreas importantes, como revelam os
próprios dados do FMI, do Eurostat e do Banco de Portugal constantes do
quadro seguinte.
Segundo o próprio FMI, no período 2005-2007, a taxa média
de crescimento económico rondou apenas 1,3% ao ano, portanto um
crescimento anémico O valor previsto pelo FMI para 2008 é apenas
de 0,8%, e de 1% em 2009, que é uma mera previsão que
naturalmente poderá ser ainda corrigida no futuro, tal como aconteceu
com as anteriores previsões do FMI, do governo e do Banco de Portugal,
pois é cada vez mais evidente que o País caminha para a
recessão económica,.
Outro aspecto grave da evolução verificada nos últimos
anos no campo económico é o reduzido investimento total e
público. Assim, em 2005 e 2006 o investimento total (FBCF) registou uma
taxa de variação negativa (-0,9% e -0,7%, respectivamente) e taxa
de variação nos anos seguintes é também baixa (2,8%
em 2007 e 1,6% é a previsão para 2008 e 2009). Igualmente o
investimento público, medido em percentagem do PIB, acusa uma
diminuição importante já que passa, entre 2004 e 2007, de
3,1% do PIB para apenas 2,4% do PIB. Uma consequência grave desta
situação é o reduzido valor do PIB potencial, que
dá o crescimento potencial da economia portuguesa no futuro sem
inflação. E os dados do FMI revelam um crescimento potencial
extremamente baixo (apenas 1,5%), tendo até tendência para
diminuir (entre 2007 e 2008, prevê-se que diminua de 1,5% para apenas
1,2%). Este valor, por um lado, revela uma degradação crescente
do aparelho produtivo português devido ao reduzido investimento
público e privado realizado e, por outro lado, dificulta, para
não dizer mesmo impede, que no futuro Portugal possa atingir elevadas
taxas de crescimento económico sem inflação.
Se compararmos Portugal com a média da União Europeia,
concluímos que a situação portuguesa não melhorou
nos últimos anos, tendo-se mesmo agravado. Assim, o PIB por habitante
SPA, ou seja, anulando o efeito da diferença de preços, entre
2005 e 2008, baixou de 75,4% para 72,2% da média da UE27 o que mostra
que Portugal está a ficar para trás, e a produtividade
também diminuiu no mesmo período de 68,2% para 67,3% da
média da UE27.
Outro aspecto é o crescente endividamento do País em
relação ao estrangeiro. A chamada Balança Corrente, que
dá o saldo das relações de Portugal com os outros
países, tem apresentado sempre um saldo negativo e cada vez maior. Em
2004, esse saldo negativo foi de -10.900 milhões de euros e, em 2008, o
FMI prevê que atinja -19.400 milhões de euros, ou seja,
praticamente o dobro, o que revela a crescente falta de competitividade da
economia portuguesa. Como consequência verificou-se, durante o governo de
Sócrates, o aumento vertiginoso do endividamento de Portugal em
relação ao estrangeiro. Portanto, não são apenas as
famílias e as empresas que estão altamente endividadas, mas
também o próprio País. Entre 2004 e 2008, o valor dos
activos portugueses já pertencentes a estrangeiros aumentou de 92.900
milhões de euros para 166.300 milhões de euros, ou seja, cresceu
79% (passou de 64,5% para 99% do PIB), o que está a determinar que a
parcela de rendimentos transferida para o estrangeiro é cada vez maior,
tendo atingido, em 2008, cerca de 21.868 milhões de euros. Desta forma,
uma parte crescente da riqueza produzida em Portugal todos anos vai para o
estrangeiro (em 2004, 18% do PIB e, em 2007, o correspondente a 20,5% do
PIB), deixando o País e os portugueses mais pobres.
É este o "bom" trabalho realizado pelo governo, de que
naturalmente falou Sócrates
.
A REDUÇÃO DOS SALÁRIOS E DAS PENSÕES E DA PARTE DOS
SALÁRIOS E ORDENADOS NO PIB
A variação registada nos últimos anos nos salários,
pensões e preços revela uma diminuição do
nível de vida dos trabalhadores e reformados como mostram os dados do
quadro seguinte.
Entre 2006 e 2008, as remunerações médias reais a
nível de toda a economia diminuíram -1,4%; na
Administração Pública a quebra foi ainda maior pois
atingiu -3,8%; as pensões médias pagas pela Segurança
Social estagnaram no período 2007-2008, tendo mesmo o seu poder de
compra diminuído, em 2008, -0,4%; e a parte da riqueza criada no
País (PIB) que reverteu para os trabalhadores em "ordenados e
salários" diminuiu também, entre 2006 e 2008, de 35,2% para
apenas 33,3%, ou seja, baixou em 5,4%. É evidente que as
condições de vida dos trabalhadores e reformados se degradaram
nestes três últimos anos, enquanto a parte da riqueza que reverte
para uma minoria privilegiada aumentou substancialmente. Eis também os
resultados do "bom" trabalho realizado por este governo, de que
Sócrates se gabou no debate na Assembleia da República
A CRISE FINANCEIRA ACTUAL NÃO RESULTA APENAS DE UMA DEFICIENTE
SUPERVISÃO MAS É UMA CRISE GLOBAL DO SISTEMA CAPITALISTA.
É MOSTRA QUE É NECESSÁRIO INVERTER TODO O PROCESSO DE
PRIVATIZAÇÕES
Sócrates, como todos os defensores do neoliberalismo, procura fazer crer
que a actual crise financeira que está a acelerar a
concentração capitalista e a agravar, consequentemente, as
contradições deste sistema que fizeram surgir esta crise
resultou apenas de uma deficiente supervisão, e que basta fazer uns
remendos nesta para resolver o problema. Ora isso não é verdade.
A "deficiente" supervisão no capitalismo é
inevitável, como prova o que se verifica em Portugal a nível dos
combustíveis, da electricidade, do gás, das
telecomunicações, etc, cujos preços são superiores
aos preços médios praticados na União Europeia. E isto
sucede devido ao domínio do poder politico pelo poder económico,
e à própria lógica do funcionamento dos
"mercados", de que Sócrates e o seu ministro da economia
fantasma tanto defendem, cuja ganância para obter lucros elevados
não olha a meios. Como afirma Alex Jilberto e Barbara Hogenboom no livro
Big Business And Economic Development
, o neoliberalismo que levou
à actual crise mundial foi tornado possível pela politica
generalizada de privatizações de empresas públicas que
atingiu grande número de países.
Portugal não fugiu à regra. Cavaco Silva, Guterres, Durão
Barroso e mesmo Sócrates, que agora derramam "lágrimas"
sobre as consequências para o país e para as camadas mais
desprotegidas da população da actual crise, realizaram em
Portugal uma politica generalizada de privatizações que levou
à entrega ao grande capital nacional e estrangeiro das mais importantes
empresas públicas que eram fundamentais para garantir uma politica
económica ao serviço do País e dos portugueses, e
não aquela que tem sido seguida que serve fundamentalmente os interesses
dos grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros.
Nos quatro anos de governo Sócrates o processo de
privatização das grandes empresas públicas não
parou. Em 2005 foi privatizada a "totalidade da participação
pública na Portucel Tejo que ocorreu em duas fases, e encontra-se
prevista para 2006 uma nova fase de privatização do Capital da
EDP" como consta da pág. 116 do Relatório OE2006. No
Relatório do OE2007, o governo escreveu o seguinte: "Além
das operações de privatização da GALP, PORTUCEL e
REN, que se encontram actualmente em curso, prosseguir-se-á um programa
incidente sobre as empresas Portucel Tejo, Portucel- Empresas Produtora de
Pasta de Papel., INAPA, Galp Energia, EDP, REN, TAP, e ANA" (págs.
174 e 175). E na pág. 198 do Relatório do OE2008, sobre as
privatizações pode-se ler o seguinte: "Dando continuidade ao
Programa de 2006-2007, o governo está a ultimar a
elaboração de um novo Programa de Privatizações
para os exercícios de 2008 e 2009" Poucos dias antes de explodir
com violência a crise financeira, o governo aprovou uma
resolução que visava a privatização da
última parcela que o Estado ainda tinha na GALP. Nada consegue fugir
à fúria privatizadora do governo de Sócrates.
Se juntarmos a tudo isto, o ataque que este governo tem feito a toda a
Administração Pública com o claro propósito de a
reduzir, de a fragilizar para transferir para o sector privado muitos
serviços que até agora são prestados pelos serviços
públicos, concretizando assim um lema muito caro a todos os neoliberais,
de "menos Estado", é surpreendente, porque é incoerente
e soa a falso, o discurso de Sócrates quando afirmou na Assembleia da
República que "nesta crise financeira há uma ideologia
derrotada. E quem sai derrotado são os apóstolos do Estado
mínimo e do mercado desregulado. Quem sai derrotado são aqueles
que durante anos a fio, enalteceram as virtudes imbatíveis de um mercado
entregue a si próprio. Quem sai derrotado são aqueles que sempre
professam a sua fé na mão invisível do mercado, para
agora, à falta de outra, reclamarem intervenção bem
visível do Estado". Será que o 1º ministro pretendia
fazer um acto de contrição público ou será mais um
discurso para enganar os portugueses? é a duvida e a
questão final que fica para reflexão do leitor.
12/Outubro/2008
[*]
Economista,
edr@mail.telepac.pt
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