A cegueira e a incapacidade de Vitor Gaspar e do governo para compreender o
funcionamento da economia real e os problemas do país
Numa conferência de imprensa realizada em 23/5/2013, Vítor Gaspar,
com aquele ar convencido que o carateriza, afirmou solenemente:
"Chegou o momento do investimento. Repito, depois do ajustamento chegou o
momento do investimento".
E a medida que, segundo ele e Álvaro Santos, também
presente, determinaria o milagre seria uma dedução no IRC, por
investimentos até 5 milhões realizados até ao fim deste
ano, de 20% do valor investido até ao máximo de 70%. Esta medida,
segundo estes ministros, poderia determinar que a empresa pagasse, nos anos em
que conseguisse aproveitar a dedução máxima permitida pela
lei a ser publicada mas que ainda não foi, uma taxa de IRC de apenas
7,5%. E com base em tal incentivo fiscal Vítor Gaspar e o governo
esperam que o milagre surja, ou seja, que o investimento dispare assim como a
criação de emprego.
Mas uma coisa são as previsões/desejos fantasiosos de
Vítor Gaspar e do governo, que já estamos habituados, e outra
coisa muito diferente é a economia real. Para que o leitor possa avaliar
se é ou não mais uma mentira de Vítor Gaspar e do governo
para enganar a opinião pública, é importante ter presentes
os seguintes factos e dados oficiais.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que já existe em Portugal o
crédito fiscal com uma redução na taxa de IRC muito
semelhante à agora anunciada pelo governo, e que isso não
provocou um milagre a nível de investimentos, nomeadamente estrangeiro.
A diferença é que a norma que existe aplica-se a investimentos
superiores a 5 milhões . Por ex., a Petrogal no investimento que
realizou na renovação das refinarias obteve um crédito
fiscal de 190,6 milhões , ou seja, teve uma redução
no IRC a pagar naquele montante; a Embraer, um grupo brasileiro, nos
investimentos que realizou em Portugal obteve um crédito fiscal
(redução) de 61,9 milhões a nível de IRC. E
mesmo com tais benefícios fiscais o investimento não disparou.
Mas será que a carga fiscal, e nomeadamente a atual taxa de IRC,
é o obstáculo mais importante ao investimento em Portugal? Os
gráficos seguintes retirados do Relatório do Banco de Portugal de
2012 respondem a essa questão.
Gráfico 1- Taxa de utilização da capacidade produtiva
e fatores que impedem o investimento
Como mostra o gráfico da esquerda, em 2011 menos de 75% da capacidade
produtiva do pais estava a ser utilizada (e a situação atual
é certamente mais grave), portanto, em Portugal a capacidade produtiva
é já excessiva para a atual procura agregada solvente tanto
interna e como externa (não para as necessidades, nomeadamente
internas). Por outro lado, e como revela o gráfico da direita, o
principal fator limitativo que impede atualmente o investimento em Portugal, de
acordo com os próprios empresários, é a "
deterioração das perspetivas de venda
", as quais se agravaram de uma forma continua entre 2010 e 2012, sendo no
último ano indicado por mais de 65% dos empresários para
não investir.
É esclarecedor que, entre as razões apresentadas pelos
empresários para não investir, não apareça a carga
fiscal, e muito menos o IRC. Vítor Gaspar e Alvaro Santos ao procurar
criar a ilusão de que com o "supercrédito fiscal", como
a despropósito o Secretário de Estado de Assuntos Fiscais chamou,
se verificaria uma inversão na situação de quebra
continuada do investimento, estavam a substituir a realidade pelos desejos o
que apenas mostra a sua incompetência ou então tinham o
propósito de enganar a opinião pública. Toda esta trama
torna-se mais clara quando se analisam as previsões oficiais do
investimento em Portugal. Na proposta de alteração do
Orçamento do Estado de 2013 que o governo apresentou em 31.5.2013
prevê, para este ano, mais uma redução no investimento
(FBCF) de -7,6% (a OCDE prevê uma quebra de -10,6%), portanto o
próprio governo não acredita no que diz. Em 2014, a OCDE
prevê nova quebra. E isto, quando o investimento diminuiu em 2010/2012
mais de 30%.
Uma das causas mais importantes que está a levar à quebra brutal
e continuada do investimento em Portugal, referida pelos próprios
empresários, é precisamente a quebra na procura agregada
determinada pela redução do consumo. Esta redução
é causada pela diminuição do poder de compra da
população, do consumo e do investimento público.
Perante tal situação, como pode o governo ter a "lata"
de afirmar, como fizeram Vítor Gaspar e Álvaro Santos, que espera
que o investimento aumente agora significativamente com a simples
introdução do credito fiscal, quando o governo aumenta
enormemente os impostos, como afirmou Vítor Gaspar, que reduz
significativamente o rendimento disponível das famílias, chegando
ao ponto de insistir em criar, como consta da proposta de orçamento
retificativo apresentado, um imposto de 5% sobre o subsidio de doença e
de 6% sobre o subsidio de desemprego o que significa um corte de quase 180
milhões por ano no rendimento dos desempregados, e de mais de 20
milhões por ano no rendimento dos trabalhadores atingidos pela
doença. As próprias previsões do governo constantes da
proposta de alteração do OE-2013 que acabou de apresentar apontam
para mais uma redução, em 2013, do consumo privado em -3,2% e de
-4,2% no consumo público. E a OCDE que acabou de apresentar novas
previsões para Portugal, prevê que a procura interna diminua -5,1%
em 2013, e -1,5% em 2014. E isto depois da procura interna ter diminuído
em Portugal em 2011-2012, ou seja, com a"troika" e com o governo
PSD/CDS, mais de 12%.
APÓS A ENTRADA DA "TROIKA" E DO GOVERNO PSD/CDS, E MESMO COM
CRISE, AS DESIGUALDADES AUMENTARAM EM PORTUGAL
O gráfico seguinte, construído com dados do Relatório do
Banco de Portugal de 2012 (pág. 112), mostra que, com a crise, as
desigualdades aumentaram ainda mais em Portugal.
Segundo o próprio Banco de Portugal, após a entrada da
"troika" e do governo PSD/CS verificou-se um aumento acentuado dos
rendimentos de empresa e propriedade (Capital) e uma quebra significativa das
remunerações nominais, sendo a quebra das
remunerações reais muito maior. E isto porque o Estado
transformou-se num instrumento de agravamento das desigualdades, na medida que
suga os rendimentos aos que menos têm (trabalhadores,
pensionistas,desempregados) para os dar aos credores, poupando os rendimentos
do capital.
02/Junho/2013
[*]
Economista,
edr2@netcabo.pt
,
www.eugeniorosa.com
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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