O governo aumenta o capital da CGD para poder fazer desaparecer os
prejuízos do BPN e reduzir o défice orçamental
RESUMO DESTE ESTUDO
O 1º ministro anunciou, no último debate na Assembleia da
República, que o Estado ia aumentar o capital da CGD em 1.000
milhões de euros. E apresentou como razão para essa
decisão do governo a seguinte justificação: "Nunca
como agora o país precisou tanto de um banco público". Desta
forma, procurou fazer passar a mensagem de que a única razão que
movia o governo era o interesse do País. No entanto, esta
afirmação é surpreendente num governo que tudo fez para
reduzir o papel do Estado, e mesmo desorganizá-lo, com o pretexto de que
isso era necessário para reduzir o défice orçamental, e
que também tudo fez para privatizar o que ainda restava de
rentável no sector público. E que depois nacionalizou um banco
falido para suportar com fundos públicos os elevados prejuízos
acumulados por uma gestão danosa privada.
A verdade é que existem também outras razões que o governo
ocultou à própria Assembleia da República e aos
portugueses para aumentar o capital da CGD. Para compreender as outras
razões do governo é necessário ter presente o seguinte. A
transferência de dividendos da CGD para o O.E. aumenta as receitas do
orçamento e, consequentemente, diminui o défice
orçamental. O aumento de capital da CGD, mesmo financiado pelo Estado,
pois o Estado é o único accionista da CGD, não aumenta o
défice orçamental pois não é considerado no seu
cálculo. Faz aumentar a divida do Estado mas não o défice
orçamental. Mas expliquemos ainda de uma forma mais pormenorizada e
concreta para que a operação de engenharia financeira que este
governo pretende fazer fique ainda mais clara.
A CGD é uma importante fonte de receitas do Orçamento do Estado.
Entre 2007 e 2009, de acordo com a Lei do Orçamento do Estado,
prevê-se que os bancos e as instituições financeiras
públicas, em particular a CGD transfiram para o Orçamento cerca
de 1.015,3 milhões de euros. Só a CGD, no ano de 2007,
transferiu, segundo o seu Relatório e Contas, 300 milhões de
euros, ou seja, mais 26,7% do que o total previsto no OE desse ano.
O governo nacionalizou o BPN, um banco privado com elevados prejuízos.
Esses prejuízos devem ser suportados pela CGD, ou seja, por fundos
públicos. Mas se isso fosse feito utilizando directamente os lucros da
CGD, esta ficaria impossibilitada de transferir para o Orçamento do
Estado em 2008 e em 2009 o valor de dividendos previstos, o que faria aumentar
o défice orçamental nesse valor, o que era negativo para a
propaganda governamental. O que pretende fazer o governo? Apenas o seguinte: a
CGD transfere os valores de dividendos previstos naqueles dois anos para o
Orçamento do Estado, e o Estado endivida-se e, com o aumento da divida,
aumenta o capital da CGD em 1000 milhões de euros que depois é
utilizado para anular os prejuízos do BPN. Desta forma reduz o
défice através dos dividendos recebidos, e não aumenta o
défice por meio do aumento da divida publica necessária para
aumentar o capital da CGD, já que o aumento da divida não
é considerado para o cálculo do défice orçamental.
Entra por um lado e sai pelo outro lado e, como por magia, o défice
é reduzido. Uma operação de engenharia financeira que
consegue enganar os media e a opinião pública, pois oculta um dos
objectivos desta manobra governamental. Infelizmente, é assim que este
governo funciona.
O governo ao aumentar o capital da CGD em 1.000 milhões de euros
confirma, embora de uma forma indirecta, que os prejuízos efectivos do
BPN são muito superiores aos 700 milhões de euros anunciados
inicialmente pelo ministro Teixeira dos Santos, estando já muito
próximos dos mil milhões de euros, o que até já foi
confirmado por uma auditoria ao BPN mandada fazer pela CGD, que apurou 950
milhões de euros, como alguns órgãos de
informação já divulgaram. Assim torna-se ainda mais clara
a razão do aumento de capital da CGD precisamente nesse valor, pois
serão precisamente os capitais próprios deste banco
público que terão de suportar, em última instância,
os prejuízos do BPN, no caso da decisão do governo ser a de
responsabilizar aquela entidade financeira pública pela
resolução do problema deste banco, como parece que vai acontecer.
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Um aspecto que caracteriza o comportamento deste governo é precisamente
fazer, à socapa e procurando passar despercebido, o que acusava o
governo do PSD/CDS de fazer, ou seja, operações de engenharia
financeira que, de facto, não reduzem o défice orçamental,
mas apenas ocultam esse défice.
É exemplo comprovativo disso, o que está a suceder com os
hospitais EPE, que têm acumulado centenas de milhões de euros de
prejuízos mas que, pelo facto de serem empresas, isto é entidades
jurídicas autónomas, os seus prejuízos não
são considerados no cálculo do défice orçamental. O
mesmo sucede com as empresas públicas de transportes. Estas empresas
estão a ser obrigadas pelo governo a suportar uma parte importante dos
custos das infra-estruturas de transportes que deviam ser financiados pelo
Orçamento do Estado, pois é o Estado que recebe as receitas do
imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) e sobre os
automóveis (IA) que se destinam precisamente a esse fim. No entanto, o
governo, aproveitando o facto de tutelar essas empresas, obriga-as a suportar
os custos dessas infra-estruturas. Como essas empresas não geram
receitas próprias suficientes para poder executar essas
infra-estruturas, têm-se endividado, pagando por esse endividamento
crescente encargos financeiros cada vez mais elevados, o que determinou que
já estejam tecnicamente falidas (CP, REFER, Carris, etc). Este
comportamento do governo configura uma situação de
desorçamentação de facto embora, sob o ponto de vista
formal, possa não ser assim considerado.
Um outro exemplo de engenharia financeira é o que está a
acontecer com a CGD. Em menos de um ano, o capital social da CGD já foi
aumentado duas vezes, passando de 2.950 milhões de euros para 3.500
milhões de euros. O 1º ministro anunciou na Assembleia da
Republica, em 17/12/2008, um novo aumento do capital da CGD, agora de 1.000
milhões de euros, a ser financiado pelo Estado no âmbito dos 4.000
milhões de euros já aprovados pela Assembleia da República.
Sócrates na intervenção que fez na Assembleia afirmou, com
a falta de precisão e de transparência que o caracteriza quando
fala de matérias económico-financeiras, que "nunca como
agora o país precisou tanto de um banco público". Esta
afirmação é surpreendente num governo que tanto fez para
reduzir o papel do Estado, e mesmo desorganizá-lo, com o pretexto de
que era necessário reduzir o défice orçamental. Com tal
justificação pretendeu também fazer passar a mensagem que
a única razão que movia o governo ao aumentar o capital da CGD
era o interesse do País quando, na verdade, existem também outras
razões, que o governo ocultou à própria Assembleia da
República e aos portugueses, para tomar aquela decisão, como se
vai provar.
O GOVERNO AUMENTA O CAPITAL DA CGD PARA PODER PAGAR OS PREJUÍZOS DO BPN
E TRANSFERIR DIVIDENDOS PARA OE, E ASSIM REDUZIR O DÉFICE
ORÇAMENTAL
Para se poder compreender a manobra do governo no caso do aumento do capital da
CGD, é preciso ter presente a forma como são considerados, sob o
ponto de vista técnico, para o cálculo do défice
orçamental as transferências de dividendos da CGD para o
Orçamento do Estado e o aumento do capital da CGD financiado pelo Estado.
Sob o ponto de vista técnico, a transferência de dividendos da CGD
para o O.E. faz aumentar as receitas do orçamento e, consequentemente,
diminuir o défice orçamental. O aumento de capital da CGD, embora
seja financiado pelo Estado, pois o Estado é o único accionista
da CGD, no entanto esse financiamento não é considerado para o
cálculo do défice orçamental. O aumento do capital da CGD
realizado pelo Estado é financiado através do endividamento
deste, e não por meio do défice orçamental. Faz aumentar a
divida do Estado mas não o défice orçamental. Desta forma
o governo transfere o seu pagamento para as gerações futuras, e
assim pode apresentar um défice mais baixo.
O quadro seguinte, construído com dados da Lei do Orçamento do
Estado de 2007, 2008 e 2009, e do Relatório e Contas da CGD de 2007
torna mais clara e compreensível esta operação de
engenharia financeira e de manipulação da opinião publica
levada a cabo pelo governo.
Como os dados do quadro mostram os bancos e outras instituições
financeiras públicas, em particular a CGD, são uma importante
fonte de receitas do Orçamento do Estado. Entre 2007 e 2009, de acordo
com o Mapa I da Lei do Orçamento do Estado aprovada deviam transferir
para o Orçamento cerca de 1.015,3 milhões de euros. No entanto,
só a CGD, no ano de 2007, transferiu, segundo o seu Relatório e
Contas, 300 milhões de euros, ou seja, mais 26,7% do que o total
previsto no Orçamento do Estado desse ano.
O governo nacionalizou o BPN, um banco privado com elevados prejuízos. A
solução aponta para que esses prejuízos sejam suportados
pela CGD, portanto com fundos públicos. Mas se isso se fosse feito
directamente com a utilização dos lucros da CGD, esta ficaria
impossibilitada de poder transferir para o Orçamento do Estado em 2008 e
em 2009 o valor de dividendos previstos desses anos, o que faria aumentar o
défice orçamental nesse valor, o que era negativo para a
propaganda governamental. O que vai fazer o governo? A CGD transfere para o OE
pelo menos os valores previstos nos orçamentos daqueles dois anos, e o
Estado endivida-se e, com o aumento da divida, aumenta o capital da CGD em 1000
milhões de euros. Desta forma reduz o défice através dos
dividendos recebidos, e não aumenta o défice por meio do aumento
do endividamento necessário para aumentar o capital da CGD, já
que o aumento da divida não é considerado para o cálculo
do défice. Recebe com uma mão, e dá com a outra. Uma
operação de engenharia financeira que visa enganar os media, a
opinião pública, e a própria Assembleia da
República, pois oculta um dos objectivos principais desta manobra
governamental. Infelizmente, é assim que funciona este governo.
GOVERNO ACABA POR CONFIRMAR QUE OS PREJUIZOS DO BPN ATINGEM 1.000
MILHÕES EUROS
O governo tem afirmado que os prejuízos conhecidos do BPN somam 700
milhões de euros. Este valor deve ter sido fornecido pelo Banco de
Portugal. No entanto, o dr. Vítor Constâncio, governador do Banco
de Portugal, ouvido em audiência na Assembleia da República poucos
dias depois, para se desculpabilizar de não ter actuado atempadamente,
afirmou que apenas 16% das ilegalidades e falcatruas praticadas pelas
administrações dos bancos eram detectadas pela entidade de
supervisão. Desta forma deu uma mensagem de incapacidade e extremamente
negativa da acção do Banco de Portugal, o que só pode
incentivar comportamentos desviantes como os verificados no BCP, BPN e BPP, na
medida que tornou clara a incompetência/incapacidade da autoridade de
supervisão para os detectar atempadamente.
Face à incapacidade reconhecida pelos próprios
responsáveis do Banco de Portugal, entidade de supervisão da
banca em Portugal, era previsível que os prejuízos acumulados
pelo BPN fossem muito superiores aos 700 milhões de euros anunciados
pelo governo, o que já tinha sido confessado publicamente por alguns dos
altos responsáveis do BPN e confirmada pela auditoria mandada fazer pela
CGD que apurou o valor de 950 milhões de euros.
O governo ao aumentar o capital da CGD em 1.000 milhões de euros veio
confirmar, embora de uma forma indirecta e tardia, que os prejuízos
efectivos do BPN são muito superiores aos anunciados inicialmente,
estando já muito próximos dos mil milhões de euros.
Só assim é que se compreende e fica clara a razão do
aumento de capital da CGD precisamente nesse valor, pois serão
precisamente os capitais próprios deste banco público que
acabarão por suportar a totalidade dos prejuízos do BPN.
18/Dezembro/2008
[*]
Economista,
edr@mail.telepac.pt
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