Troika&governo ignoram sistema de aposentação da
função pública
|
||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
|
O semanário Expresso e a RTP1, em perfeita articulação, prestaram-se recentemente a uma operação de manipulação da opinião pública visando prepará-la para aceitar/apoiar novos cortes nas pensões dos trabalhadores da Função Pública. E isto com o pretexto de que as pensões destes trabalhadores são mais elevadas do que as do setor privado. Numa peça jornalística publicada em 8/12/2012, o Expresso escrevia: O objetivo " é para cortar. FMI e Banco Mundial concordam, alegando não fazer sentido que o valor médio das reformas da Função Pública seja o dobro do setor privado 1.263 euros contra cerca de 500 euros. A medida justifica-se (sublinhado e "bold" nosso) no quadro do megapacote de cortes 4 mil milhões de euros de redução da despesa do Estado que deverá estar definida até fevereiro, altura do próximo exame da "troika ". No mesmo dia, a RTP1, no telejornal das 20h00, portanto em pleno horário nobre, divulgou uma peça idêntica à do Expresso. Estes órgãos de informação apresentam tal intenção do governo e da "troika" como um facto necessário e justificado pois não explicaram por que razão o valor das pensões são diferentes. Ao ocultar as razões que justificam tais diferenças, estão a criar deliberadamente na opinião publica a ideia de que a intenção do governo e da "troika" é correta e justa, participando objetivamente numa operação de manipulação e de engano da opinião pública. Vamos apresentar os factos que foram "esquecidos" pelo Expresso e RTP1, e parecem ser do desconhecimento do governo e da "troika" para o leitor poder tirar as suas próprias conclusões. As pensões dos trabalhadores da Função Pública que entraram depois de 1993 são calculadas com base nas regras da Segurança Social, ou seja, da mesma forma que as do setor privado. Em relação aos trabalhadores que entraram para a Administração Pública antes de 1993, como consequência das alterações do Estatuto da Aposentação verificadas depois de 2005, as regras de aposentação são já muito semelhantes às do setor privado. A pensão desses trabalhadores correspondente ao tempo de serviço até 2005, é calculada com base no último vencimento recebido até 2005 revalorizado com base, não no índice publicado pelo Ministério da Solidariedade e da Segurança Social que tem em conta a taxa de inflação e do PIB que se aplica ao setor privado, mas sim com base no aumento verificado no índice 100 de vencimento da Função Pública, cuja subida é muito inferior ao índice publicado pelo Ministério da Solidariedade, prejudicando desta forma os trabalhadores da Função Pública. E depois esta remuneração assim calculada é multiplicada pelo número de anos e por uma taxa de formação da pensão que já está muito próxima da do setor privado. Em relação à pensão correspondente ao tempo de serviço destes trabalhadores depois de 2005, ela é calculada com base nas mesmas regras do setor privado. As diferenças nos valores das pensões entre a Administração Pública e o setor privado resultam fundamentalmente de dois factos que são "esquecidos" tanto pelo Expresso como pela RTP1, e desconhecidos pelo governo e "troika". Mais uma vez a ignorância da realidade portuguesa por estes "senhores" é notória. E esses dois factos são fundamentais no cálculo do valor da pensão: os trabalhadores da Função Pública descontam sobre salários mais elevados (o nível médio de escolaridade na Administração Pública é muito mais elevado do que no setor privado, por isso a remuneração média é mais elevada) e a carreira média contributiva na Administração Pública é mais longa do que no setor privado. É evidente que descontando sobre remunerações mais elevadas, portanto contribuindo mais, e descontando em média mais anos para a CGA do que os trabalhadores do setor privado para a Segurança Social, os trabalhadores da Função Pública têm naturalmente o direito a ter pensões mais elevadas. É precisamente isto que foi ocultado tanto pelo Expresso como pela RTP1, configurando por isso uma autêntica operação de manipulação da opinião pública, e que os "senhores" do governo e da "troika" parecem desconhecer. Segundo dados divulgados pela Direção Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP) do Ministério das Finanças, 55,7% dos trabalhadores da Administração Central têm o ensino superior enquanto no setor privado corresponde apenas a 16,6%; e apenas 22,1% dos trabalhadores da Administração Pública Central têm o ensino básico enquanto no setor privado corresponde a 62,4%. É evidente que perante este grande desnível de escolaridade e, consequentemente de remunerações, a remuneração base média na Administração Pública é mais elevada (1.397 /mês), por isso os trabalhadores descontam mais por mês para a sua pensão e naturalmente têm direito a uma pensão mais elevada. Para além disso, os trabalhadores da Administração Pública, no período 2002-2011, descontaram em média mais 6 anos do que os do setor privado. Portanto, descontando sobre salários mais elevados e descontando mais tempo, naturalmente têm direito a pensões mais elevadas. Isso também acontece na Segurança Social. Foi isto que o Expresso e a RTP1 ocultaram, e que o governo e "troika" parecem desconhecer. Para além de tudo isto, os sucessivos governos descapitalizaram a CGA como mostra o quadro 3. |
O
Expresso
de 8/12/2012 publicou um extenso artigo sobre a "
Reforma do Estado
" e sobre os cortes de 4.000 milhões que o governo e a
"troika" pretendem fazer nas despesas com as funções
sociais do Estado com o seguinte titulo esclarecedor: "
Cortes atingem ADSE e pensões do Estado
FMI e Banco Mundial estranham a diferença entre pensões do Estado
e do privado. E pedem mais cortes
". No mesmo dia a RTP1, e não foi por acaso, enquadrando-se na
mesma operação de manipulação da opinião
pública transmitiu em horário nobre (telejornal das 20h00), uma
peça em que afirmava que na "
Função Pública apenas 21% dos aposentados recebiam
pensões inferiores a 500, enquanto na Segurança Social eram
80%; e que na Administração Pública 40% dos aposentados
recebiam pensões superiores a 1300, enquanto no setor privado eram
apenas 2%".
E terminava citando a afirmação do semanário
Expresso
(a articulação era perfeita) concluindo que o governo se
preparava para fazer a aproximação das pensões do setor
público com as do setor privado, ou seja, para fazer mais cortes nas
primeiras (Função Pública).
O mais grave em tudo isto, é que nem o
Expresso
nem a RTP1, apesar da responsabilidade que têm de fazer uma
informação verdadeira e objetiva, explicaram a razão das
diferenças nas pensões entre o setor público e o setor
privado, apesar das realidades serem muito diferentes. Essa omissão, que
é uma técnica clássica de manipulação da
opinião pública (ocultação de uma parte da
realidade) só poderá ser entendida, objetivamente, como tendo a
intenção de manipular e enganar a opinião pública,
virando a população contra os trabalhadores da
Função Pública, para assim justificar as medidas do
governo e da "troika" contra estes trabalhadores. Ao ocultar uma
parte da realidade, o
Expresso
e a RTP1 procuram fazer passar, objetivamente, as intenções da
"troika" e do governo reduzir as pensões dos
trabalhadores da Função Pública por serem excessivas e
injustificadas como justas e necessárias. Neste estudo,
utilizando dados oficiais, vamos explicar por que razão o valor das
pensões são diferentes, razões estas que o
Expresso
e a RTP1 se "esqueceram" de informar os seus leitores.
OS TRABALHADORES DA FUNÇÃO PÚBLICA DESCONTAM PARA A CGA
SOBRE REMUNERAÇÕES MAIS ELEVADAS POR ISSO TÊM DIREITO A
PENSÕES MAIS ELEVADAS
Na Administração Pública o nível medio de
escolaridade é muito superior ao do setor privado, como mostra o
gráfico seguinte divulgado pela DGAEP do Ministério das
Finanças.
Em 2011, na Administração Central, 55,7% dos trabalhadores tinham
o ensino superior, enquanto a nível do país essa percentagem era
apenas 18,6%; e inversamente, na Administração Pública
Central apenas 22,1% tinha o ensino básico, enquanto a nível de
todo o país essa percentagem atingia 61,5%. E os dados a nível do
país estão influenciados positivamente pelo nível de
escolaridade mais elevado existente na Administração
Pública, porque os trabalhadores da Função Pública
também estão incluídos na população
empregada total. Se retiramos os trabalhadores da Administração
Pública Central da população empregada, a percentagem
desta com o ensino superior reduz-se para 16,6% e a população
empregada com o ensino básico sobe para 62,4%, enquanto na
Administração Pública Central é apenas de 22,1%.
Portanto, a realidade a nível de escolaridade, de competências e
de remunerações é diferente na Administração
Pública e no resto do país. Ignorá-la como fazem governo e
"troika",
Expresso
e RTP1 só revela má fé ou ignorância total. E isto
porque realidades tão diferentes em relação a nível
de escolaridade e de qualificações determinam
remunerações também diferentes. É por esta
razão que, segundo a Direção Geral de
Administração e Emprego Público do Ministério da
Finanças, em Julho de 2012, a remuneração base
média nas Administrações Públicas era de 1.397
por trabalhador (na Administração Central: 1.533 ) ,
que é superior à do setor privado. Para além disto, na
Administração Pública não se verifica a fraude e a
evasão contributiva que é habitual e importante no setor privado.
Portanto, contribuindo para a CGA (os trabalhadores contribuem com 11% das suas
remunerações para a CGA, e com 1,5% para a ADSE) com base em
remunerações mais elevadas naturalmente o valor das
pensões têm de ser mais elevadas. O mesmo sucede no setor privado.
No entanto, o governo, a "troika", o
Expresso
e a RTP1 parecem ignorar estas verdades elementares. Mas não é
apenas por esta razão que as pensões na
Administração Pública são superiores às do
setor privado.
AS CARREIRAS CONTRIBUTIVAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
SÃO MAIS LONGAS DO QUE NO SETOR PRIVADO POR ISSO AS PENSÕES
TÊM DE SER MAIS ELEVADAS
As carreiras contributivas, ou seja, o numero de anos que os trabalhadores
descontam para o seu sistema de segurança são mais longas na
Administração Pública de que no setor privado, como provam
os dados oficiais da CGA e da Segurança Social constantes do quadro 2.
Quadro 2- Carreira contributiva média na CGA e na Segurança Social
|
|
Em anos |
Em anos |
(entre as carreiras da CGA e da Segurança Social) |
| 2002 | 32,0 | 21,3 | 10,7 |
| 2003 | 30,0 | 21,8 | 8,2 |
| 2004 | 29,6 | 22,5 | 7,1 |
| 2005 | 28,3 | 23,4 | 4,9 |
| 2006 | 30,6 | 23,9 | 6,7 |
| 2007 | 28,3 | 24,4 | 3,9 |
| 2008 | 29,3 | 24,7 | 4,6 |
| 2009 | 30,4 | 25,1 | 5,3 |
| 2010 | 29,9 | 25,5 | 4,4 |
| 2011 | 29,8 | 25,6 | 4,2 |
| MEDIA | 29,8 | 23,8 | 6,0 |
Na período 2002-2011, na CGA a carreira contributiva média dos
trabalhadores da Função Pública (número de anos que
descontaram para a CGA) foi de 29,8 anos, enquanto na Segurança Social
foi de 23,8 anos, ou seja, menos 6 anos. É evidente que descontando mais
anos para a formação das pensões, naturalmente estas
terão de ter um valor mais elevado. Isso também acontece no setor
privado. No entanto, o governo, a "troika", o
Expresso
e a RTP1, na sua campanha de desinformação da opinião
pública, "esqueceram" de referir esse facto que é
fundamental para compreender as diferenças. É evidente
também que a "troika" e o governo ao "
estranharem a diferença entre as pensões do Estado e as do privado
", como refere o "Expresso", só revelam um total
desconhecimento da realidade portuguesa, semelhante ao que se constatou em
relação ao desemprego e à quebra do PIB.
O ESTADO DESCAPITALIZOU A CGA E AGORA ATACA OS DIREITOS DOS TRABALHADORES COM A
JUSTIFICAÇÃO DE QUE A DESPESA COM OS APOSENTADOS É
INCOMPORTÁVEL
O ataque aos direitos dos trabalhadores da Função Pública,
na área da aposentação, tem sido feito com base no
argumento de que as despesas do Estado com a CGA dispararam e o seu
financiamento é incomportável para o Estado. No entanto, como o
quadro 3 revela os trabalhadores pagaram a sua parte, mas o Estado, enquanto o
sistema não atingiu a maturidade e, consequentemente, o número de
aposentados era reduzido, aproveitou essa situação e o poder que
tem, para contribuir com muito menos do que qualquer outra entidade
empregadora, o que descapitalizou a CGA. Para além disso, o Estado ao
transformar a CGA num sistema fechado (nenhum trabalhador que entre para o
Estado se pode inscrever na CGA e descontar para ela) e ao empurrar milhares de
trabalhadores da Função Pública prematuramente para a
aposentação, devido à insegurança que criou, o que
fez aumentar as despesas da CGA, agravou as dificuldades financeiras desta. E
depois utiliza os problemas que ele próprio criou para tentar reduzir
ainda mais as pensões dos trabalhadores. É esta também a
realidade "esquecida" pelos dois media.
Quadro 3 Subfinanciamento e consequente descapitalização da
CGA pelo Estado
|
|
|
|
|
|
|
|
SALDOS |
|
|
|
|
|||||||||
|
|
euros |
||||||||
| 1993 | 119 | 18 | 136 | 155 | 1.190 | 283 | 128 | 259 | 1.294 |
| 1994 | 158 | 23 | 157 | 180 | 1.575 | 374 | 194 | 378 | 1.886 |
| 1995 | 169 | 26 | 233 | 259 | 1.690 | 401 | 143 | 267 | 1.334 |
| 1996 | 180 | 28 | 274 | 302 | 1.797 | 427 | 125 | 224 | 1.119 |
| 1997 | 186 | 28 | 313 | 341 | 1.861 | 442 | 101 | 175 | 874 |
| 1998 | 203 | 32 | 346 | 378 | 2.030 | 482 | 104 | 173 | 865 |
| 1999 | 223 | 37 | 362 | 399 | 2.230 | 530 | 131 | 209 | 1.043 |
| 2000 | 244 | 39 | 405 | 444 | 2.440 | 580 | 136 | 209 | 1.040 |
| 2001 | 270 | 44 | 402 | 446 | 2.700 | 641 | 195 | 289 | 1.442 |
| 2002 | 1.415 | 256 | 2.355 | 2.611 | 14.150 | 3.361 | 750 | 1.067 | |
| 2003 | 1.446 | 410 | 2.543 | 2.953 | 14.460 | 3.434 | 481 | 659 | |
| 2004 | 1.483 | 473 | 3.107 | 3.580 | 14.825 | 3.521 | -59 | ||
| 2005 | 1.493 | 498 | 3.219 | 3.717 | 14.926 | 3.545 | -172 | ||
| 2006 | 1.469 | 617 | 3.040 | 3.657 | 14.693 | 3.490 | -168 | ||
| 2007 | 1.470 | 842 | 3.291 | 4.133 | 14.699 | 3.491 | -642 | ||
| 2008 | 1.444 | 897 | 3.396 | 4.293 | 14.438 | 3.429 | -864 | ||
| 2009 | 1.438 | 1.464 | 3.474 | 4.938 | 14.376 | 3.414 | -1.524 | ||
| 2010 | 1.413 | 2.060 | 3.750 | 5.810 | 14.127 | 3.355 | -2.455 | ||
| 2011 | 1.433 | 1.908 | 4.202 | 6.110 | 14.334 | 3.404 | -2.706 |
Milhões euros |
|
| 2012 | |||||||||
Como revelam os dados da CGA, no período 1993-2003, se o Estado tivesse
contribuído com a mesma percentagem de remunerações que
são obrigados a contribuir qualquer empregador privado (23,75%),
não teria sido necessário quaisquer transferências do
Orçamento do Estado e, para além disso, ter-se-iam acumulado
elevadas reservas que totalizariam, em 2012, 12.622,7 milhões de euros
se tivessem sido rentabilizados a uma taxa média anual de 4%, que
é a taxa de desconto aceite pelo governo na negociação de
transferência dos fundos de pensões da Portugal Telecom e da banca
para a responsabilidade do Estado. Uma quantia mais que suficiente para cobrir
os défices da CGA até esta data.
Recorde-se que até 2002, as entidades empregadoras públicas
contribuíram para a CGA com menos de 2% das remunerações
que pagaram e, em 2012, a contribuição das entidades empregadoras
públicas para a CGA foi apenas 15% das remunerações base
pagas e, em 2013, passará para 20% de acordo com uma
disposição constante da proposta de Lei do OE-2013. No entanto,
continua a ser inferior aos 23,75% pago à Segurança Social por um
empregador privado.
A decisão do governo em transformar a CGA num sistema fechado, em que os
novos trabalhadores ficaram impossibilitados de se inscrever e,
consequentemente, de contribuir assim como as respetivas entidades
empregadoras, causou dificuldades financeiras à CGA como era
previsível. Agora governo e "troika" querem-se aproveitar do
problemas que eles próprios criaram como justificação para
reduzir ainda mais as pensões dos trabalhadores da Função
Pública, a juntar às sucessivas alterações que tem
sido sujeito o Estatuto da Aposentação, ignorando o contrato
existente entre o Estado, representado pela CGA, e os trabalhadores, contrato
esse que assenta numa relação sinalagmática, em que o
trabalhador desconta para a CGA e, como contrapartida, tem direito a receber
uma pensão, cujo valor depende do valor da sua
contribuição, e do número de anos de descontos. A
pensão não é uma benesse do Estado. Ao se ignorar isso
destrói-se a segurança jurídica em que assenta um Estado
de direito e gera-se a insegurança nos cidadãos, empurrando
milhares de trabalhadores para a aposentação prematura,
provocando a degradação dos serviços públicos e
aumentando as despesas da CGA.