A tirania dos títulos
por Zoltan Zigedy
Noventa anos atrás Lenine afirmou que "sob as
condições gerais da produção de mercadorias e da
propriedade privada, a 'dominação' dos monopólios
capitalistas torna-se inevitavelmente a dominação de uma
oligarquia financeira". Ele desenvolveu a ideia de que "A supremacia
do capital financeiro sobre todas as outras formas de capital significa a
predominância do rentista e da oligarquia financeira".
Deixarei ao leitor curioso o exame de
Imperialismo: A etapa superior do capitalismo
para verificar a argumentação convincente que está por
trás desta afirmação presciente. Mas seguramente ela
decorre de um entendimento profundo da exposição de Marx da
lógica do capitalismo e da evidência disponível no tempo de
Lenine. Ironicamente, esta projecção agora antiga esta
previsão da dominância do capital financeiro diz mais
da crise económica que agora devasta o planeta do que a
multidão de laureados com o Prémio Nobel que pontificam acerca da
causa da retracção começada em 2008.
A dominância de uma "oligarquia financeira", como prevista por
Lenine, atingiu o seu zénite durante os últimos vinte anos com o
sector financeiro a duplicar a sua fatia dos lucros corporativos nos EUA. Mas
"dominância" não é meramente uma matéria
de supremacia no lucro; ela inclui também a ascendência do poder
político, social e ideológico. A viragem neoliberal introduzida
solenemente no fim da administração Carter e vigorosamente
alimentada por Reagan principiou um processo de desregulamentação
que acabou por remover as algemas nas finanças estabelecidas pelo New
Deal.
O sector financeiro desencadeou a dívida como o mecanismo para
escravizar consumidores, cidades, municípios, estados e países
soberanos. Fundos de pensão foram ou privatizados ou atraídos
para grupos de investimento especulativo. Cartões de crédito,
hipotecas e títulos tornaram-se as ferramentas de
dominação da oligarquia financeira. Ao mesmo tempo, os enormes
lucros acumulados permitiram ao sector financeiro comprar uma influência
decisiva no circo dos dois partidos, através de lobbies,
contribuições de campanha e corrupção desenfreada.
Com a notável excepção da descrição do
perverso Gordon Gekko no filme de Oliver Stone, os banqueiros de investimento
foram encarados como as figuras mais brilhantes, mais dinâmicas e mais
invejadas da imaginação popular.
Dominância inevitavelmente convida à tirania e o sector financeiro
avidamente aproveitou a oportunidade. Hoje, a expressão desta tirania
é a noção louca de que bancos são "demasiado
grandes para falirem". Vemos esta tirania na arrogância da Goldman
Sachs, a operar sem nenhum respeito pelos interesses nacionais ou a
opinião pública e sem qualquer travão efectivo do governo.
Analogamente, a timidez de legisladores em conceber regulação
bancária efectiva destaca esta tirania. Mas nada sublinha mais esta
tirania do que a actual crise da dívida europeia.
CRISE EUROPEIA
A Europa, hoje, é uma refém do mercado de títulos. Porque
a União Europeia é um projecto comum incompleto com
desigualdades, desequilíbrios e contradições
histórica, ela é presa fácil para a oligarquia financeira.
Estas condições de fraqueza abandonam as economias menos
desenvolvidas aos abutres do capital financeiro. Mas o jogo não era a
solvência porque nunca houve realmente qualquer questão
como as coisas estavam no fim de 2009 de que a Grécia, Portugal,
Itália, Irlanda, Espanha ou mesmo Roménia e Hungria pudessem
cumprir suas obrigações de dívida ou assegurar novos
empréstimos.
Mais exactamente, a crise foi tramada pelos predadores financeiros. O ataque
especulativo em grande escala por parte do sector financeiro estrangulou estas
economias até à submissão, forçando-as, no momento
em que a recuperação estava no equilíbrio, a abandonar
quaisquer programas de estímulo e a abraçar uma extrema
austeridade do sector público. Nove meses depois, este pânico da
dívida propagou-se através do mundo, com governos a correrem para
cortar empregos no sector público, benefícios e salários,
eliminando programas sociais e privatizando obras públicas.
Como carneiros, políticos, sabichões e comentadores acrescentaram
suas vozes reverenciais aos mercados de títulos. O governo do PASOK na
Grécia prosternou-se à oligarquia financeira, seguido pelos
governos espanhol, português e irlandês. O novo governo do Reino
Unido garantiu cortes profundos nas despesas do governo.
Preocupações com dívida empurraram para o lado todas as
outras questões nas eleições holandesas. O governo
francês está a pressionar por um aumento na idade de reforma. E o
novo governo da Hungria quase entrou em colapso ao sugerir que podia desviar-se
do plano de jogo imposto pelo FMI de miserabilismo fiscal.
Os EUA, embora não afectados pela agressão financeira,
também sucumbiram à extorsão da oligarquia financeira. O
presidente Obama pretende cortar a Segurança Social e o Medicare
através da sua discreta Comissão sobre Responsabilidade e Reforma
Fiscal.
Para aqueles que se recusam a desafiar a dominância dos mercados
financeiros e a tirania dos títulos, não há nenhum outro
caminho senão aceitar e impor cortes profundos nos gastos
públicos. O ataque à Grécia foi uma
demonstração do poder do sector financeiro e a sua brutalidade ao
utilizá-lo. Exactamente quando os cortes de despesas começam a
sentir-se, a Grécia experimenta inflação explosiva, um
desenvolvimento fatal nos seus efeitos sobre os padrões de vida da
classe trabalhadora grega.
Mas há uma resposta à tirania dos títulos, uma resposta
que apela à mobilização em massa do povo trabalhador
contra a oligarquia financeira. Essa resposta recusa-se a acatar um sistema que
promete atrasar durante décadas a segurança e os padrões
de vida do povo trabalhador e oferece-lhe um futuro negro.
Os omnipresentes porta-vozes da oligarquia financeira apelam a
sacrifícios para restaurar a ordem no sistema económico. Isto
é um logro calculado. Não há qualquer nobre
sacrifício em capitular à extorsão ou aceitar que
há a inevitabilidade da dominação dos mercados financeiros.
Trabalhadores na Grécia, liderados pelos comunistas gregos e o
agrupamento de todos os sindicatos, PAME, estão na vanguarda da
organização de greves e manifestações contra a
oligarquia financeira. A sua determinação e apelos à
unidade estabeleceram um exemplo para todos os trabalhadores europeus. Nos
calcanhares das acções gregas, trabalhadores portugueses foram
às ruas. A maior central sindical da Espanha, Comisiones Obreras, foi
à greve em 8 de Junho, com 75% dos 2,6 milhões de trabalhadores
da organização aderindo à acção e com uma
greve geral prevista. Trabalhadores do sector público na Roménia
organizaram várias acções militantes.
Quando o combate se intensifica, a unidade é essencial mas
não a expensas da militância. Os resmungos das lideranças
de muitos sindicatos europeus são bem vindos, mas devem ser apoiados por
organização efectiva e mobilização de massa.
Recentemente, vários líderes sindicais do Reino Unidos falaram
iradamente dos cortes draconianos prometidos pelo novo governo, mas falharam em
apresentar mais do que retórica estridente e futuras ameaças
eleitorais. Nos EUA, uns poucos líderes têm falado contra o
assalto encoberto da administração Obama a programas sociais, mas
um movimento de massa ainda está por emergir. Uma
confrontação de base classista com a oligarquia financeira
enfrenta muitos obstáculos, o não menor dos quais é a
quase total dominação do trabalho organizado no pós
Guerra-Fria pelos colaboracionistas de classe, a liderança
social-democrata.
E os oligarcas financeiros estão plenamente conscientes desta fraqueza.
Recentemente, o chefe da Comissão Europeia, presidente José
Manuel Barroso, reuniu muitos dos líderes sindicais social-democratas
para instruí-los sobre os perigos de resistir ao assalto aos
padrões de vida provocados pela "crise" predatória da
dívida. Conforme relatado pelo
Daily Mail
britânico: "Numa palestra extraordinária a
responsáveis sindicais na semana passada, o presidente da
Comissão José Manuel Barroso expôs uma visão
"apocalíptica" na qual países atingidos pela crise no
Sul da Europa poderiam tornar-se vítimas de golpes militares ou
levantamentos populares quando taxas de juro subirem e serviços
públicos entrarem em colapso porque acaba o dinheiro dos seus
governos".
São os "levantamentos populares" que Barroso teme, um temor
que é partilhado pelos líderes sindicais social-democratas.
Além disso, ele quer alistar estes líderes na tarefa de empurrar
o programa de austeridade goela abaixo dos trabalhadores. John Monks,
responsável do European Trades Union Congress, comentou: "Tive uma
discussão com Barroso sexta-feira passada acerca do que pode ser feito
para a Grécia, Espanha, Portugal e o resto e a sua mensagem foi brusca:
"Olhe, se eles não executarem estes pacotes de austeridade, estes
países poderiam virtualmente desaparecer do modo que os conhecemos como
democracias. Eles não têm nenhuma escolha, é isto". Ao
mesmo tempo, "o sr. Monks advertiu ontem que as novas medidas de
austeridade poderiam por si próprias levar o continente 'de volta
à década de 1930' ", segundo o
Daily Mail.
Claramente, sociais-democratas como o sr. Monks estão desejosos de
remeter a classe trabalhadora europeia "de volta aos anos 1930" ao
invés de arriscar levantamentos populares que desafiariam a oligarquia
financeira.
A Federação Sindical Mundial apelou a um dia internacional de
acção do movimento sindical em 7 de Setembro de 2010. Devem ser
feitos todos os esforços para preparar esta acção ao longo
do Verão. Devem ser feitos todos os esforços para mobilizar o
povo trabalhador contra a oligarquia financeira.
Levantamentos populares é o que precisamos.
O original encontra-se em
http://mltoday.com/en/subject-areas/commentary/the-tyranny-of-bonds-887-2.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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