Recuperação económica para poucos
Onde está esta recuperação evanescente? Os bancos, dizem
alguns, "recuperaram-se". Mas eles permanecem dependentes de
Washington, não efectuam os empréstimos necessários para
uma recuperação geral e muitos pequenos e médios bancos
continuam a entrar em colapso. O mercado de acções não
mostra recuperação. O índice Dow estava em 14.000 no fim
de 2007 quando o capitalismo entrou em pane e agora em torno dos 10.000. O
índice de mercado Nasdaq estava então em 2800 e agora está
em 2300. Em todos os aspectos desemprego, arrestos, bancarrota, mercado
habitacional de deprimido e assim por diante nenhuma
recuperação à vista. Contudo, a minha
investigação descobriu finalmente recuperação
genuína para um determinado grupo e a mesma proporciona uma
política melhor para tratar desta crise.
Todos os anos, duas grandes companhias que atendem investidores ricos publicam
em co-autoria um inquérito dos seus clientes. O Relatório Mundial
da Riqueza (
World Wealth Report
)
da Capgemini e da Merrill Lynch Wealth Management cobre os dois grupos que os
interessam: Indivíduos com alto património líquido
(High Net Worth Individuals, HNWIs)
e Indivíduos com ultra-alto património líquido
(Ultra-High Net Worth Individuals, Ultra-HNWIs).
O primeiro grupo representa todos os indivíduos com pelo
menos US$1 milhão de "activos investíveis" em
acréscimo aos valores da sua residência primária, obras de
arte, colecções, etc. O segundo grupo inclui indivíduos
com pelo menos US$30 milhões dos tais activos investíveis.
O seu relatório mais recente, cobrindo o ano 2009, descobre 10
milhões de HNWIs no mundo naquele ano: 3,1 milhões na
América do Norte, ao passo que a Europa e a Ásia-Pacífico
têm 3 milhões cada um. O resto do mundo tem uns meros 0,9
milhão dos ricos e muito ricos.
Os 10 milhões de HNWIs numa população global de 6,8
mil milhões em 2009 representavam 0,14 por cento da
população da terra. Juntos, eles possuem um total de US$39
milhões de milhões
(trillion)
de "activos investíveis". Para ver o que isto significa: em
2009, o PIB dos EUA (produto total de bens e serviços) foi de US$14,6
milhões de milhões. Os
PIBs somados dos nove países mais ricos do mundo
(EUA, Japão, China, Alemanha, França, Reino Unido, Itália,
Rússia e Espanha) totalizavam menos em 2009 do que os activos
investíveis dos HNWIs do mundo.
Durante o ano de 2009, quando dezenas de milhões perderam os seus
empregos, o número de HNWIs subiu 17,1 por cento e a sua riqueza somada
ascendeu 18,9 por cento. Eles tiveram uma "recuperação"
genuína. Os HNWIs recuperaram em riqueza a maior parte do que haviam
perdido em 2008. Não é de admirar que eles celebrem a
"recuperação" enquanto o resto do mundo pergunta-se (ou
enfurece-se) com o que eles estão a falar. Nos EU, por exemplo, a
população HNWI cresceu 16,6 por cento em 2009 ao passo que o PIB
dos EUA caiu 2,4 por cento.
Só 1 por cento de todos os HNWIs eram Ultra-HNWIs, mas aquele grupo
permanece. Os Ultra-HNWIs sozinhos possuíam 35,5 por cento dos US$39
milhões de milhões possuídos por todos os 10
milhões de HNWIs. E eles recuperaram mais durante 2009 do que os seus
companheiros HNWIs.
Capitalismo é o nome do sistema económico global que proporciona
os resultados resumidos nestes números. O capitalismo produz
"recuperação" para aqueles que menos precisam enquanto
oferece austeridade para praticamente todos os demais. Os líderes de
negócios e da política de hoje dizem ao povo de todos os
países industriais avançados que não há alternativa
a anos de austeridade orçamental dos governos (elevação de
impostos e/ou redução de empregos e serviços do governo).
Eles não explicam que podiam recorrer, ao invés, à imensa
riqueza dos 0,14 por cento mais ricos que (a) tiveram enormes ganhos de riqueza
ao longo dos últimos 25 anos, e (b) já recuperaram em 2009 o que
haviam perdido em 2008.
Que noções de justiça, decência, ética ou
democracia poderiam justificar tal desempenho económico, especialmente
num tempo de crise económica global? Recordar também que estas
mesmas pessoas ricas e mais ricas contribuíram muito significativamente
(como patrões industriais, banqueiros e investidores) para gerar esta
crise económica global.
Vamos agora concentrar-nos nos HNWIs apenas dos EUA (incluindo os seus
Ultra-HNWIs). O seu número era de 2,9 milhões em 2009: bem abaixo
de 1 por cento dos cidadãos estado-unidenses. Os seus activos
investíveis totalizavam US$12,9 milhões de milhões. Em
2009, o défice orçamental total dos EUA foi de US$1,7
milhão de milhões.
Houvesse o governo dos EUA lançado um imposto económico de
emergência de uns modestos 15 por cento apenas sobre os activos
investíveis dos HNWI, isso podia ter apagado todo o seu défice de
2009. Mais de 99 por cento dos cidadãos dos EUA teriam ficado isentos
daquele imposto.
Os governos europeus, japonês e outros podiam ter tratado a crise da
mesma forma nos seus países. Então os governos não teriam
tido de contrair milhões de milhões em empréstimos. Eles
ao invés teriam tributado à minúscula minoria de super
ricos uma pequena porção da sua imensa riqueza. Aqueles governos
não teriam então tido de se voltar para prestamistas (muitas
vezes aqueles mesmos super ricos). Não haveria então a actua
"crise de dívida soberana" na Grécia, Portugal,
Espanha, Irlanda, etc e não necessidade das austeridades resultantes
para satisfazer aqueles prestamistas. Os republicanos não teriam de
tocar o tambor do "défice, défice" à espera de
ganhos no dia das eleições.
Tributar os HNWIs e Ultra-HNWIs seria a política de governos
sensíveis às necessidades das suas classes trabalhadoras
maioritárias ao invés dos seus patrões ricos e
super-ricos. A austeridade não é a única política.
Tributar modestamente a riqueza dos HNWIs é de longe a melhor
opção política. As duas companhias de
administração de riqueza que atendem os HNWIs proporcionaram-nos
gentilmente todos os factos e números necessários para servir de
suporte à melhor política.
Por toda a Europa, coligações de sindicatos, socialistas,
comunistas e alguns partidos verdes e muitas organizações
sociais, religiosas e comunitárias estão a organizar crescentes
manifestações de massa e greves gerais. Opõem-se à
austeridade de pedem caminhos alternativos para lidar com a crise
económica. Em França, a mobilização centra-se numa
greve geral à escala nacional em 7 de Setembro. Há planos em
preparação para um dia de acções públicas de
todos os europeus a 29 de Setembro. Acções nacionais como esta
já aconteceram na Grécia, Portugal e outros países.
Os líderes políticos e de negócios gerados pelos
últimos 30 anos de capitalismo neoliberal simplesmente assumiram que
podiam impor os custos da sua crise sobre o povo dos seus países. Tal
suposição está agora a ser contestadas. Os povos europeus
começam a defender-se. E aqui, nos EUA?
[*]
Professor de Economia na Universidade de Massachusetts
Amherst e professor visitante na New School University em Nova York.
Autor de
muitos livros e artigos
, incluíndo (c/ Stephen Resnick)
Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR
(Routledge, 2002) e (c/ Stephen Resnick)
New Departures in Marxian Theory
(Routledge, 2006). Acerca da crise económica actual ver o seu
filme documentário
Capitalism Hits the Fan,
em
www.capitalismhitsthefan.com
.
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/2010/wolff290710.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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