Os mercados globais afundaram durante mais de um mês, eliminando mais de
US$5,3 milhões de milhões no valor total do mercado.
Ostensivamente, o catalisador foram os grandes défices da Grécia,
mas isso é só uma parte da história. Nos termos do Tratado
de Maastricht (também conhecido como o Tratado da União Europeia)
os países da UE não podem exceder o tecto do Tratado de 3 por
cento de défices fiscais. O absurdo tratado basicamente rejeita o ciclo
de negócios por decreto. Estarão as recessões
também proibidas?
Farisaicos burocratas alemães e chefes de estado assumiram a causa da
probidade fiscal e transformaram-na num assunto perfeitamente
administrável em meio a uma crise completa que podia dissolver a UE e
arrastar o mundo outra vez para a recessão profunda. Recordar que a
Alemanha foi a principal beneficiária dos défices gregos, pois
reflectidos nos seus avultados excedentes. Um não existe sem o outro; e
como destacou Keynes, países com excedente aumentam a instabilidade
global ao exercerem "externalidade negativa". Isto não impediu
os media da Alemanha de apontarem o dedo ao seus "perdulários"
vizinhos do Sul.
Agora os mercados estão num delírio, a volatilidade disparou e
medidores da tensão do mercado (Libor) estão em ascensão
firme. Os empréstimos interbancários começaram a
arrefecer. Os défices gregos descobriam a putrefacção
sistémica do sistema bancário da UE, o qual está
super-carregado com activos lixo e empréstimos não cumpridos,
só que a UE não tem a infraestrutura fiscal/política para
garantir os papéis ardilosos. Assim, a pressão sobre os bancos
continua a crescer e a perspectiva de outro crash Lehman torna-se cada vez
maior a cada dia que passa.
Enquanto isso, em Berlim, políticos sob ataque os quais
estão 100 por cento certos de que "todos os outros são
culpados" estão a aderir ao seu plano económico
Hooveriano: orçamentos equilibrados, programas de austeridade, camisas
de força fiscais para todos. Isto é o remédio dos
falcões do défice e, também, a Solução
Hoover. Aprecie-o; isto é o que os EUA parecerão se os
celebradores de Keynes, a gente das camisas de força e os adeptos da
penumbra do défice fizerem o seu caminho. Grande Depressão 2.0.
Pode apostar.
Os défices criam procura. A procura gera gastos. Os gastos geram
actividade económica. A actividade económica gera crescimento. O
crescimento gera empregos, aumenta receitas do governo, reduz défices e
acaba recessões.
Simples, não é?
Quando consumidores têm dívida demasiada, eles não
gastarão não importa quão baixas estejam as taxas de juro.
Isto não é teoria, isto é facto.
Se o governo cortar os gastos ao mesmo tempo que os consumidores, então
os gastos totais declinam e a economia desliza na recessão. Isto
é o que querem os falcões défice um retorno
à recessão. Isto é política, não teoria
económica.
Os falcões do défice dizem: "Você não pode
resolver um problema de dívida pelo acréscimo de mais
dívida". Trata-se de um argumento muito persuasivo, mas errado.
Aumentar os défices, reduz os défices. Isto soa errado, mas
está certo. Ver um artigo recente do economista Marshall Auerback:
"A Irlanda começou a reduzir o gasto deficitário em 2008,
quando a sua crise bancária começou a propagar-se e o seu
défice orçamental em percentagem do PIB era de 7,3 por cento. A
economia imediatamente contraiu-se em 10 por cento e, surpresa, surpresa, o
défice explodiu para 14,3 por cento do PIB". ("The US is not
Greece", Marshall Auerback, counterpunch.org)
A Irlanda não é a excepção. A Irlanda é a
regra. Um país não pode matar-se de fome para prosperar nem
tão pouco recuar para crescer. A austeridade é boa para monges,
mas má para a economia.
O corte do défice uma baixa cria maiores défices, desemprego mais
elevado, maior contracção económica e mais sofrimento.
Todo país que segue a receita do FMI de apertar o cinto experimenta uma
mini-depressão. Eis porque isto é má teoria
económica (ou antes) teoria económica politicamente orientada. Ao
enfraquecer o estado, a indústria privada e os especuladores esperar
agarrar activos públicos a preços baratos e forçar a
privatização de serviços públicos. Estes são
os objectivos reais por trás das medidas de austeridade.
Quando o governo está em excedente, o sector privado deve estar em
défice. Quando o governo está em défice, o sector privado
deve estar em excedente. Assim, quando consumidores e famílias devem
poupar para compensar o património perdido e a queda de receita (tal
como após o colapso da bolha imobiliária) o governo DEVE aumentar
os défices para manter a economia a funcionar, para reduzir a
frouxidão da procura e para baixar os altos níveis de desemprego.
Sem o estímulo fiscal de Obama, a economia não teria produzido
três trimestres de crescimento positivo. O estímulo (a
política monetária) impediu a economia de cair numa grave
recessão. Tivesse Obama seguido o conselho dos falcões do
défice (muitos dos quais também apoiaram as guerras de Bush no
Iraque e no Afeganistão) o país estaria atolado numa outra Grande
Depressão. Isto é de considerar quando algumas senhoras da Fox
com um decote generoso dizem "O estímulo nada fez".
Governos soberanos cujas dívidas são pagas na sua própria
divisa não são como você e eu. Eles não estão
fiscalmente constrangidos ou obrigados a equilibrar o seu livro de cheques. Nem
deveriam eles assim proceder se isto enfraquece a economia ou aumenta o
desemprego. O governo pode gastar sem risco de falir porque a dívida
é devida a si próprio. Sim, isto pode criar
inflação quando o desemprego é baixo e há demasiado
dinheiro à procura de poucos bens. Mas isso não deveria impedir o
governo de estimular a economia quando o desemprego é de 10 por cento, o
subemprego é de 20 por cento, a manufactura está em baixa, a
habitação está numa pandemónio, o núcleo do
IPC está abaixo de 1 por cento e a economia está a
balouçar rumo à deflação imediata. Os
défices deveriam ser aumentados e mantidos num nível alto
até que o desemprego e super-capacidade comecem a recuar. Os economistas
sabem que o desalavancamento do consumidor é uma projecto a longo prazo,
o qual significa que o estímulo do governo será exigido por muito
longo tempo. Habitue-se a isso.
Na semana passada, o economista James Galbraith foi entrevistado por Ezra
Klein, do Washington Post. Klein perguntou-lhe: pensa que "o perigo
colocado pelo défice a longo prazo é exagerado pela maior parte
dos economistas?" Eis a sua resposta:
James Galbraith: "Penso que o perigo é zero. Ele não
é exagerado. É completamente nulo.
Ezra Klein: "Por que?"
James Galbraith: "Qual a natureza do perigo? A única resposta
possível é que este défice maior causaria a
elevação na taxa de juro. Bem, se os mercados pensassem que isto
era um risco sério, a taxa dos títulos do tesouro a 20 anos
não seria de 4 por cento e mudaria agora. Se os mercados pensam que a
taxa de juro seria forçada para cima por dificuldades de financiamento
daqui a 10 anos, isto mostrar-se-ia nas taxas a 20 anos. Mas aquela taxa tem
realmente estado a descer no rastro da crise europeia.
Então há aqui duas possibilidades. Uma é de a teoria estar
errada. A outra é que o mercado não é racional. E se o
mercado não é racional, não tem sentido conceber uma
política para acomodar os mercados porque você não pode
acomodar uma entidade irracional". (Washington Post)
Naturalmente, a resposta de Galbraith provoca controvérsia na Fox School
of Economics, onde a foto de Andrew Mellon ainda é orgulhosamente
exibida. Mas Galbraith está certo. Se os mercados estivessem realmente
preocupados, então os rendimentos a longo prazo dos Treasuries subiriam.
Mas eles não estão a subir, porque a economia ainda está a
lutar com a deflação. O Treasury a 10 anos está
actualmente em 3,4 por cento, exactamente como se poderia esperar numa
Depressão. Na quarta-feira, o ICP básico chegou a 1 por cento.
Não há inflação no sistema. Os pessimistas da
inflação são alarmistas desacreditados que deveriam ser
ignorados. A economia precisa de mais estímulo, mais gastos do governo.
Eis Galbraith outra vez:
"Destaco o ponto categoricamente... a economia está a recuperar por
causa dos défices orçamentais. Sem estes défices
orçamentais, não haveria recuperação, porque
são os défices que estão ajudando a por mais dinheiro nos
bolsos das famílias. Falar de recuperação mas criticar os
défices é ridículo. Tudo em relação a isto
[gastos de estímulo] é no sentido de aumentar o défice. O
paciente está a recuperar de uma doença mortal e ainda assim a
imprensa está a atacar o remédio..."
"O défice e a dívida pública do governo dos EUA pode,
tem, deve e aumentará nesta crise. Eles aumentarão quer o governo
actue ou não. A opção está entre um programa
activo, incidindo em dívida enquanto cria empregos e reconstrói a
América, ou um programa passivo, incidindo em dívida devido ao
colapso de receitas, porque a população tem ser mantida com
esmolas e porque o Tesouro pretende, por nenhuma razão construtiva,
resgatar os grandes banqueiros". ("Galbraith: deficits are the
solution not the problem", John Hanrahan, Nieman Watchdog)
Nem todo gasto deficitário é bom. John Maynard Keynes nunca
advogou o salvamento de instituições financeiras afundadas
dirigida por vigaristas, mas ainda assim esta tem sido a política
essencial do Fed desde o dia 1. Keynes acreditava que os mercados eram
fundamentalmente instáveis; que o governo tinha um papel a desempenhar
na suavização dos excessos do capitalismo, reduzindo a
desigualdade e criando empregos. Também acreditava que períodos
de baixa perdurariam muito mais tempo do que o necessário se o governo
não interviesse e estimulasse a procura.
O valor dos défices depende de como é gasto o dinheiro. Os US$700
mil milhões do TARP foram em grande medida desperdiçados com
instituições financeiras que deveriam ter sido nacionalizadas,
desmembradas e com os seus activos tóxicos oferecidos à venda
pública. Os US$787 mil milhões de estímulo, por outro
lado, foram um êxito em grande medida porque proporcionaram alívio
urgentemente necessário aos estados, benefícios para
trabalhadores desempregados, cortes fiscais e programas de infraestrutura.
Peritos acreditam que o estímulo aumentou o emprego para cerca de 2
milhões de trabalhadores e aumentou o PIB de 1,5 por cento para 2,5 por
cento. O estímulo não é uma panaceia e ninguém
alguma vez disse isso. É uma transfusão de sangue de
emergência para pacientes enfraquecidos após um trauma violento.
Ele faz aquilo que é concebido fazer e paga-se a si própria via
aumento da actividade económica e crescimento.
Retirado do
World Economic Outlook
de Abril de 2010, do FMI:
"A política fiscal proporcionou o apoio principal em resposta ao
profundo período de baixa, especialmente em economias
avançadas... Os equilíbrios fiscais deterioram-se, principalmente
devido à queda de receitas resultante da actividade real e financeira
diminuída. O estímulo fiscal desempenhou um grande papel na
estabilização da produção mas contribuiu pouco para
aumentos na dívida pública, os quais são especialmente
amplos em economias avançadas". (Citado no Billy Blog, Bill
Mitchell)
Repito: Os estímulos "contribuíram pouco para aumentos na
dívida pública". Por outras palavras, os défices
gigantes não são o resultado de estímulo (ou do chamado
gasto público "perdulário") e sim da "queda de
receita" devida ao facto de a economia ainda estar num nível raso.
A mensagem é simples: coloque o povo de volta ao trabalho, aumente a
procura, restaure a confiança pública e gaste mais dinheiro.
Agora.
21/Maio/2010
[*]
fergiewhitney@msn.com
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/whitney05212010.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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