A quebra financeira de Bush em 2008:
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"Acabei de ver uma foto de Bernanke despido até à cintura na
sala das caldeiras a atirar dólares às pasadas para dentro do
forno".
Rob Dawg, no blog Calculated Risk. |
Em 14 de Janeiro de 2008 o sítio web do Federal Deposit Insurance
Corporation (FDIC) começou a anunciar as regras para o reembolso de
depositantes no caso de uma falência bancária. Ao FDIC exige-se
"determinar a quantia total segurada para cada depositante... no dia da
falência" e devolver o seu dinheiro tão rapidamente quanto
possível. A agência está "a modernizar os seus
processos de negócios e procedimentos actuais para determinar a
cobertura do seguro de depósito no caso de uma falência de uma das
maiores instituições de depósito asseguradas".
(
http://www.fdic.gov/news/news/financial/2008/fil08002.html#body
)
O significado é claro: o FDIC começou a "assistir à
morte" de muitos bancos que actualmente estão a afogar-se na sua
própria tinta vermelha. O problema para o FDIC é que nunca
supervisionou uma falência de banco que excedesse 175 mil contas. Assim,
o iminente tsunami financeiro provavelmente será um curso rápido
em administração de crises. Hoje alguns dos maiores bancos
têm mais de 50 milhões de depositantes, o que tornará a
tarefa do FDIC quase impossível.
Boa sorte.
Convém notar que, devido a uma regra alterada pelo Congresso em 1991, ao
FDIC é agora exigido utilizar "a transacção com menor
custo quando tratar com um banco em perturbações. O FDIC
não reembolsará depositantes não segurados se isto
significa aumentar as perdas para o fundo de seguros de depósitos... Em
consequência, depositantes não segurados são protegidos
apenas no caso de um banco que adquirir o banco falido pague mais a todos os
depositantes do que o faria para apenas para depositantes segurados".
(MarketWatch)
Notável. Isto é tranquilizante. E há mais ainda. A
presidente do FDIC, Shiela Bair, advertiu que "em 30 de Setembro havia 65
instituições com activos de US$ 18,5 mil milhões na sua
lista de instituições 'problemáticas' ", embora ela
não os nomeasse.
Então, o que significa tudo isto?
Significa que estamos a ir para uma onda de encerramentos bancários sem
precedentes nos EUA e que as pessoas que querem manter as poupanças da
sua vida terão de ser super vigilantes pois a situação
continua a deteriorar-se. E está a deteriorar-se muito rapidamente.
Neste momento, muitos dos maiores bancos de investimento do país possuem
US$500 mil milhões em títulos apoiados por hipotecas e outros
investimentos estruturados cujo valor está a depreciar-se
constantemente. Na medida em que estes activos desgastam o capital dos bancos,
a probabilidade de um incumprimento tornar-se maior. Esta semana, a Fitch
Ratings anunciou que (provavelmente) cortará
classificações dos cinco maiores seguradores de títulos
(Ambac, MBIA, FGIC, CIFG,SCA) "sem olhar os seus níveis de
capital". Esta declaração aparentemente inócua
enervou os mercados e deixou Wall Street em pânico. Se as seguradoras de
títulos perderem a sua classificação AAA (num estimados
US$2,4 milhões de milhões de títulos) então os
bancos poderiam perder outros US$70 mil milhões em activos depreciados
(downgraded).
Isto aumentaria as suas perdas devidas ao esmagamento de crédito
(credit crunch)
as quais começaram em Agosto de 2007 para US$200 mil
milhões sem fim à vista. Isto também comprometeria sua
capacidade para emitir empréstimos até mesmo para clientes com
crédito respeitável o que mais uma vez deprimiria o crescimento
na economia em geral. Os investimentos estruturados foram a "vaca
leiteira" dos bancos durante quase uma década, mas, subitamente, a
tendência foi comutada para o seu inverso. Os fluxos de rendimento
secaram e o capital está a ser destruído a um ritmo acelerado. O
mercado de US2 milhões de milhões
(trillion)
para obrigações de dívida colaterizada (CDOs) está
virtualmente congelado deixando dívidas horrendas que terão de
ser amortizadas
(written-down)
deixando os bancos profundamente lesionados ou insolventes. É uma
desordem.
Houve alguns interessantes desenvolvimentos num caso da semana passada
envolvendo a Merrill Lynch que lançam alguma luz sobre o verdadeiro
"valor de mercado" destes tanques de dívidas complexas
chamados CDOs. A Secretaria de Estado de Massachusetts acusou a Merrill de
"fraude e deturpação" por lhes ter vendido uma CDO que
era "altamente arriscada e esotérica" e "inadequada para
a Cidade de Springfield". (À maior parte das cidades exige-se por
lei que comprem apenas títulos classificados com o Triplo A). A cidade
de Springfields comprou a CDO a menos de um ano atrás por US$13,9
milhões. Ela actualmente está avaliada em US$1,2 milhões
MAIS DE 90% DE PERDAS EM MENOS DE UM ANO.
A Merrill silenciosamente acabou com o conflito fora do tribunal com a quantia
integral e parecia genuinamente confundida pela aparente ira da Secretaria de
Estado de Massachusetts. Um porta-voz da Merrill disse suavemente:
"Ficámos confusos com este processo. Temos estado a cooperar com o
gabinete do secretário de Estado Galvin durante este
inquérito".
Será realmente difícil entender por que as pessoas não
gostam de logros?
Esta anedota mostra que estes títulos exóticos apoiados por
hipotecas fedem. Eles não têm valor. O mercado para instrumentos
de dívida estruturados evaporou-se da noite para o dia deixando um
buraco maciço nas folhas de balanço dos bancos. O resultado
provável será uma erupção de incumprimentos seguido
pela maior consolidação dos grandes jogadores (monopólios
bancários). O plano de salvação de muitos milhares de
milhões do Fed, a Temporary Auction Facility (TAF) é
um conserto rápido, mas não uma solução permanente.
O problema real é de insolvência, não de liquidez.
Os bancos mais pequenos estão também em transes horrendos. Eles
estão presos a empréstimos comerciais e residenciais que
estão a ser incumpridos de um modo mais rápido do que em qualquer
outro época desde a Grande Depressão. O Controlador dos Bancos
(Comptroller of the Currency),
John Dugan que actualmente está a investigar empréstimos
imobiliários comerciais descobriu que bancos comerciais
"cancelaram
(wrote off)
US$524 milhões em empréstimos de construção e
desenvolvimento no terceiro trimestre de 2007, quase nove vezes a quantia de
2006". O mercado do imobiliário comercial está a seguir o
do imobiliário residencial penhasco abaixo e sem dúvida
será a próxima sapata a cair.
Dugan descobriu que "Mais de 60% dos bancos da Florida tem
empréstimos imobiliários comerciais que valem mais de 300% do seu
capital, um nível que automaticamente atrai a atenção do
que os examinam" (Wall Street Journal). Ele disse que o seu gabinete
estava preparado para intervir se bancos com grande exposição
imobiliária mantivessem reservas não razoavelmente baixas para
maus empréstimos. Dugan está a prever um agudo "aumento nas
falências bancárias".
Segundo a Reuters, "Dúzias de bancos estado-unidenses
falirão nos próximos dois anos quando as perdas de
empréstimos azedados ascenderem e os reguladores actuarem duramente com
prestamistas que assumirem demasiado risco, especialmente no imobiliário
e na construção", prevê Gerard Cassidy, analista da
RBC Capital Markets. Além das perdas crescentes no imobiliário
comercial e residencial, os bancos estão a arcar com mais de US$150 mil
milhões de dívida "não sindicada" conectada com
negócios de leveraged buy out (LBOs), os quais actualmente estão
enterrados na lama. Tal como para os CDOs, não há mercado para
estas transacções incompletas que exigem milhares de
milhões de crédito barato e facilmente disponível. Eles
simplesmente tornaram-se outra bigorna a arrastar os bancos para baixo.
Em 31 de Janeiro último a Bloomberg New relatou: "As perdas de
títulos ligados a hipotecas subprime podem exceder os US$265 mil
milhões quando os bancos regionais dos EUA, uniões de
crédito e instituições financeiras externas amortizarem o
valor dos seus haveres". A Standard and Poor's acrescentou que isto pode
cortar ou reduzir classificações de US$534 mil milhões de
títulos baseados em hipotecas subprime e de CDOs incumpridas com taxas
em ascensão". Mais uma bofetada nos fracos balanços dos
bancos. Será de admirar que a torneira dos "novos
empréstimos" tenha sido fechada?
Surpreendentemente, há uma ameaça ainda maior para o sistema
financeiro do que estas perdas estarrecedoras nos bancos. Um incumprimento de
um dos grandes seguradores de títulos poderia disparar um colapso no
mercado de credit-default swaps, o que poderia conduzir à
implosão de milhões de milhões de dólares nas
apostas em derivativos. A incapacidade dos subcapitalizados monolines
(seguradores de títulos) para "fazer boa" a sua cobertura
provavelmente porá o primeiro dominó em movimento com o aumento
do número de depreciações em emissões de
títulos e a intensificação da paralisia do crédito
que já está a espalhar-se através de todo o sistema.
O analista financeiro Jim Jubak, do MSN Money, resumiu isto assim:
"Realmente, não estou demasiado preocupado acerca do mercado de
títulos lixo
(junk-bond)
mas antes com o enorme mercado dos derivativos chamado credit-default swap, ou
CDS, construído sobre o topo daquele mercado de títulos lixo.
Credit-default swaps são uma espécie de seguro contra
incumprimento, acordado entre duas partes. Uma parte, o vendedor, concorda em
pagar o valor facial da apólice no caso de um incumprimento por uma
companhia específica. O comprador paga um prémio, uma
comissão, ao vendedor por aquela protecção.
Isto cresceu a ponto de tornar-se um mercado enorme. O valor total de todos os
contratos CDS é algo como US$450 milhões de milhões
(trillions)
... Alguns estudos colocaram o risco do crédito real apenas nos 6% do
total, ou cerca de US$27 milhões de milhões. Isto coloca o
mercado CDS em algo entre dois e seis vezes a dimensão da economia dos
EUA.
Basta que compradores e vendedores decidam não mais confiar neste seguro
do mercado CDS para que os preços dos títulos lixo despenquem e
para que as companhias descubram que é muito caro ou impossível
levantar dinheiro neste mercado". (Journal de Jim Jubak; "The Next
Banking Crisis is on the Way", MSN Money)
Jubak realmente acerta em cheio aqui. De facto, isto é aquilo com que a
Wall Street está realmente preocupada. Foram criados
ciber-créditos de US$450 milhões através de várias
operações fora do balanço às quais nem o Fed nem
qualquer outro corpo regulador pode controlar. Ninguém sabe sequer como
estas abstrusas invenções creditícias
comportar-se-ão num mercado em queda. Mas, até agora, isto
não parece bem.
A enormidade do mercado de derivativos (US$450 milhões de
milhões) é o resultado directo das políticas
monetárias de crédito fácil de Greenspan, bem como da
reconfiguração dos mercados de acordo com o modelo das
"finanças estruturadas". O novo modelo permite aos bancos
efectuarem operações fora do balanço que, com efeito,
criam moeda a partir do ar. Analogamente, a titularização
"sintética", na forma de credit default swaps (CDS)
verificou-se ser um outro logro para evitar manter capital suficiente a fim de
cobrir uma súbita erupção de incumprimentos. A moral da
história é que os bancos e instituições não
bancárias quiseram maximizar os seus lucros pela
manutenção de todo o seu capital em jogo ao invés de
manter as reservas que precisavam no caso de um mercado em
retracção.
Num mercado desregulado, o Federal Reserva não pode controlar a
criação de crédito por instituições
não bancárias. Quando a bolha maciça de derivativos se
desmanchar é provável que tenha efeitos reais e desastrosos sobre
a economia produtiva subjacente. Eis porque Jubak e muitos outros analistas do
mercados estão tão preocupados. A ascensão persistente
nos arrestos de casas significa que os derivativos que foram alavancados sobre
os activos originais (por vezes excedendo 25 vezes o seu valor)
desvanecer-se-ão num buraco negro. Quando milhões de
milhões de dólares em capital virtual são extintos com o
clique de um rato, as perspectivas de uma espiral deflacionários
descendente tornar-se-ão mais prováveis.
Como disse o economista Nouriel Roubini:
"Alguém tem de perceber que há agora uma probabilidade
crescente de um resultado económico e financeiro 'catastrófico',
isto é, um círculo vicioso onde uma recessão profunda
torne as perdas financeiras mais severas e onde, por sua vez, grandes e
crescentes perdas financeiras e um colapso financeiro tornem a recessão
ainda mais severa. Eis porque o Fed lançou a cautela às favas e
adoptou uma abordagem muito agressiva na administração do
risco". (Nouriel Roubini EconoMonitor)
"No quarto trimestre de 2007 os novos arrestos atingiram uma média
de 2939 por dia, o dobro do ritmo do ano anterior". (RealtyTrac Inc.) Os
bancos actualmente estão a diminuir a prestação de
empréstimos à habitação o que no ano passado
proporcionou uns US$600 mil milhões adicionais para o consumo pessoal
dos proprietários das casas. O "pacote de estímulos"
de Bush, de US$150 mil milhões, mal cobrirá um quarto da quantia
perdida. Quando os gastos do consumidor diminuem e os bancos ficam mais
constrangidos na concessão de empréstimos, os negócios
terão de enfrentar problemas de super-produção,
terão de limitar a sua expansão e despedir trabalhadores. Isto
é o lado negativo feito pela bolha do "juro baixo", uma penosa
descida para a deflação.
O capital agora está a ser destruído a um ritmo mais
rápido do que está a ser criado. Eis porque o Fed está
à procura de soluções para além de meros cortes de
taxa. Bernanke quer acção directa do governo que proporcione
estímulo imediato. Mas isso requer consenso político e ainda
há debate acerca da gravidade da recessão que se aproxima. O
ritmo da contracção económica é de tirar a
respiração. A divulgação do Supply Management's
Non-Manufacturing Index (ISM) desta semana foi mais um choque. Aquele
índice mostrou declínios agudos em todas as áreas do
sector de serviços do país incluindo bancos, companhias de
viagens, empreiteiros, lojas a retalho, etc. O Business Activity Index, o New
Orders Index, o Employment Index, e o Supplier Delivery Index, todos eles,
contraíram-se a um rtimo "histórico". Todos eles
levaram um golpe.
"Os números são terríveis, está para
além da imaginação", disse Scott Anderson, economista
sénior da Wells Fargo & Co.
Os US$2 milhões de milhões que foram destruídos com a
queda dos preços da habitação, o arrefecimento na
actividade prestamista dos bancos, a perda de US$600 mil milhões em
prestações de empréstimos à
habitação, e o vacilante mercado de acções
contribuíram para uma mudança perceptível nas atitudes do
público quanto aos gastos. O tráfego para os centros comerciais
reduziu-se a um simples rastejar. As lojas de retalho tiveram o pior mês
de Janeiro já registado. Os proprietários de casas estão
a guardar os seus rendimentos para cobrir despesas básicas e compensar a
sua falta de poupanças pessoais. A torneira dos gastos foi fechada. A
cultura do consumidor da América está em plena retirada. O
desaquecimento está aqui. Provavelmente vamos assistir ao mais agudo
declínio nos gastos do consumidor da história dos EUA. Os US$150
mil milhões de Bush serão demasiado pouco e demasiado tarde.
O lugar da América no mundo foi garantido não pelo que ela produz
mas pelo que ela consome. O consumidor americano tem sido a locomotiva que
conduz a economia global. Agora aquela máquina foi descarrilada pelas
políticas monetárias temerárias do Fed e pelas vistas
curtas da inovação financeira. Quando as bolhas das
prestações colapsam, todos pagam. A procura por bens e
serviços diminui, o desemprego ascende, os bancos retraem-se e a
economia para. É então que os governos têm de
intrometer-se e providenciar programas e recursos que mantenham pessoas a
trabalhar e sustenham a actividade dos negócios. Do contrário,
será a anarquia. As pessoas das camadas médias estão mal
preparadas para a vida sob uma ponte de auto-estrada. Elas precisam ajuda da
mão do governo. Grande governo. Adeus, Reagan, Alô, Franklin
Delano Roosevelt.
O plano de estímulo de Bush é uma gota no oceano. Será
preciso mais, muito mais. E não estamos a segurar a
respiração por um New Deal da parte de George Walker Bush.