Durante muitos anos perguntei-me porque tantas pessoas bem informadas
manifestam ignorância de aspectos simples da nossa economia. Demorou
décadas para perceber que a resposta a esta pergunta repousa em grande
parte na resposta a uma segunda: por que estudantes da teoria económica
convencional
(mainstream)
não sabem quase nada acerca da economia real, mas consideram-se peritos
embrionários neste campo?
As respostas a estas perguntas são semelhantes e simples. Elas motivaram
o meu livro. Os economistas convencionais têm tido um êxito
extraordinário em doutrinar pessoas levando-as a acreditar que os
trabalhos da economia são demasiado complexos para qualquer pessoa
entender, excepto peritos (isto é, os próprios economistas). A
economia que eles afirmam revelar-nos não existe. Eles criaram-na, a
alternativa reaccionária ao mundo no qual as pessoas vivem e trabalham.
Ensinar estudantes acerca desta economia imaginária impede-os, assim
como o público, de entender a economia real.
A teoria económica
mainstream
doutrina tanto os estudantes como o público pois representa mal os
mercados, propalando falsidades sistematicamente. Como parte desta
doutrinação, os [economistas] convencionais capturaram a
profissão, a seguir expurgaram-na de keynesianos, ricardianos,
marxistas, institucionalistas e todos os outros dissidentes. A disciplina que
se chama a si própria ciência económica
(economics)
é uma doutrina religiosa dedicada ao culto dos mercados e os seus
membros são sacerdotes desta doutrina.
Economistas convencionais tipicamente descartam dissidentes como incompetentes,
insuficientemente matemáticos e técnicos. Mas os incompetentes
são os seguidores da doutrina convencional, sobrecarregando a
profissão e o discurso público com um peso morto de
inconsistências absurdas que eles apresentam como teoria. Em
séculos passados astrólogos e alquimistas representaram uma
barreira para o entendimento do mundo natural. Em grande parte do mesmo modo,
as constantes adulterações neoclássicas da realidade
impedem o entendimento das circunstâncias económicas nas quais as
pessoas vivem, trabalham e sustentam-se.
Em consequência desta adulteração não há
consequência política ou económica tão
reaccionária ou ultrajantemente anti-social que alguns economistas
convencionais não defendam e a maior parte dar-lhe-ia seu apoio
tácito. Dentre os absurdos reaccionários inclui-se que
discriminação de género e de raça é uma
ilusão, que o desemprego é voluntário e que o sector
público é ineficiente.
Os [economistas] convencionais propõem e praticam uma
falsificação da teoria económica. Eles são
econo-falsificadores, presos a uma fraudulenta teoria económica
pseudo-científica, tal como astrólogos deturpavam o cosmos e
alquimistas apregoavam o contra-senso da transubstanciação
química. A ideia de que economias de mercado estão sempre e
continuamente em pleno emprego subjaz à estrutura teórica destes
convencionais. Todas as conclusões teóricas e políticas
derivam desta premissa falaciosa. É a inexorável e
indesculpável presunção do pleno emprego, contrária
à realidade, que mais do que qualquer outra coisa qualifica os
economistas
mainstream
como "falsificadores". Tal como os astrólogos, alquimistas e
criacionistas dizem asneiras acerca do mundo natural, os neoclássicos
propõem e defendem zelosamente uma versão falsa da sociedade de
mercado.
Se, depois de se apropriarem da profissão, a escola neoclássica
tivesse sido conduzida ao descrédito como aconteceria se
criacionistas assumissem o comando da genética, se astrólogos
fossem guindados à astronomia e alquimistas capturassem
laboratórios de química a sua ofensa classificar-se-ia
como um crime intelectual menor. Contudo, eles tiveram êxito em vender o
seu dogma como sabedoria incontestável para a orientação
de governos. Não é sabedoria. É um vírus do
intelecto que corrompe o cérebro, tornando-o incapaz de pensamento
são.
Alguns críticos reclamam que economistas arrogantemente pretendem
entender muito mais do que realmente entendem. Esta crítica é
demasiada fraca. O
mainstream
afirma ter conhecimento profundo da economia, mas não
entende quase nada da mesma e obscurece quase tudo. A suposição
do pleno emprego serve como véu de ocultação,
representando mal "o problema económico" como aquele de
distribuir recursos escassos. A realidade é a oposta. O problema
económico central em sociedades de mercado é gerar trabalho
útil e produtivo para aqueles que o desejam. Em sociedades de mercado o
trabalho é abundante, não escasso.
Grande parte da imerecida credibilidade de economistas
mainstream
resulta da sistemática promoção da ignorância ao
longo dos últimos trinta anos por parte dos economistas
neoclássicos e dos media. Entender a economia não é
simples, mas não mais difícil do que entender suficientemente o
sistema político para votar. As pessoas vão regularmente
às cabines eleitorais e escolhem candidatos ou rejeitam-nos todos. As
mesmas pessoas manifestam uma ignorância da teoria económica que
as deixa incapazes de avaliar teses competidoras acerca da política
pública.
Meu primeiro livro explica que relações e processos
económicos podem ser entendidos pelo público geral e que a
perícia apregoada pelos [economistas] convencionais é um
espectáculo de enganos e encobrimentos
(smoke-and-mirrors).
Em linguagem não técnica reformulei então a teoria
económica como deveria ser: o estudo de sociedades com recursos ociosos
e como induzir o que permanece ocioso à utilização
produtiva. Este foi o contexto teórico para todos os grandes
economistas, desde Smith e Ricardo até Marx e Hobson e continuando
até Keynes, Galbraith e Kalecki. Rejeitar o absurdo dos recursos
escassos leva a uma refutação das parábolas
reaccionárias dos
mainstream,
das quais as mais importantes são:
-
O desemprego resulta de altos
salários e/ou de apoio demasiado generoso àqueles sem trabalho
(trabalhadores causam seu próprio desemprego);
-
Demasiada moeda em
circulação causa inflação e é
invariavelmente o resultado de despesas pública excessivas (governos
causam inflação);
-
A competição faz
mercados eficientes e traz benefícios para todos, tanto internamente
como no comércio internacional (a competição beneficia
toda a gente, a regulação prejudica todos); e
-
As regulações do
sector públicos interferem com a livre escolha das pessoas e solapam a
eficiência dos mercados (o governo é um fardo).
No meu livro mostro que estas parábolas reaccionárias derivam do
mundo de fantasia do pleno emprego, não de teoria sã. Os
economistas de pacotilha dão-lhes credibilidade superficial ao
apresentarem pessoas como produtores e consumidores que procuram obter ganho
individual. Na teoria económica do mundo real, as pessoas não
são primariamente produtoras e consumidoras. As economias de mercado
são sociedades de classe na qual a vasta maioria procura através
de meios sociais regular, reformar e limitar o dano colateral criado pela
competição de mercado. E ao assim fazer, alcançar, se
possível, uma sociedade produtiva de pleno emprego apta para a vida
humana.
16/Novembro/2014
[*]
Autor de
Economics of the 1%: How mainstream economics serves the rich, obscures reality and distorts policy
(Anthem Press, 2014).
O original encontra-se em
http://iippe.org/wp/?p=2342
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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