O sistema financeiro dos EUA está em sérias
perturbações
por Rodrigue Tremblay
[*]
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"
uma salvação de possuidores de títulos de
empresas patrocinadas pelo governo (Fannie e Freddie) seria talvez o maior
roubo dos contribuintes da história americana. É má
teoria económica e pode estar certo de que é uma política
terrível".
Matt Kibbe, Presidente do Freedom Works
"A primeira panaceia para um país mal administrado é a
inflação da sua divisa, a segunda é a guerra. Ambas
trazem uma prosperidade temporária, ambas trazem uma ruína
permanente. Mas ambas são o refúgio de oportunistas
políticos e económicos".
Ernest Hemingway (1899-1961), (Setembro/1932)
[Após a salvação do Bear Stearns] "Quando mais firmas
perdem acesso ao financiamento, o círculo vicioso da venda
forçosa, da volatilidade acrescida, ... e as margin calls
[1]
que já estavam bem avançadas naquele momento provavelmente
seriam intensificadas. A economia mais ampla dificilmente poderia ter
permanecido imune a tais severas rupturas financeiras".
Ben Bernanke, Presidente do Fed (Março/2008)
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Em Agosto de 2007, no princípio mesmo da
crise financeira das subprime
nos EUA, e referindo-me à prática semelhante à alquimia de
criar instrumentos financeiros artificiais, tais como as mortgage-backed
securities (MBSs), eis o que
escrevi
:
"Tal como todos os
'esquemas de Ponzi'
, tais pirâmides de
dívidas sem activos líquidos por trás estão
destinadas a implodir mais cedo ou mais tarde". Também escrevi
acerca da intervenção do Fed nesses casos, que "alivia a
'crise de liquidez', certamente, mas nada faz para curar a 'crise de
solvência' de instituições que possuem grandes
porções de activos apoiados por hipotecas não cumpridas.
Mais cedo ou mais tarde, tais derivativos de baixo valor terão de ser
cancelados, e isto necessariamente levará a uma erosão do capital
base destas instituições. Bancarrotas das
instituições mais alavancas e imprudentes são
aguardadas".
De facto, bancarrotas de tais instituições financeiras
super-alavancadas tornaram-se inevitáveis. Durante algum tempo,
fusões forçadas entre bancos, iniciadas pelo Fed ou pelo Tesouro,
podem suavizar a explosão. Mas depois desse período, as
bancarrotas claras e sem rodeios não poderão ser evitadas e os
balanços terão de ser equilibrados.
O que é que provoca esta desordem financeira?
No mês passado dei uma
resposta curta
:
"No centro dos actuais problemas financeiros está o fracasso em
adoptar regulamentação financeira padrão para novas
instituições financeiras, tais como
bancos correctores de investimento
,
hedge funds
baseados off-shore e grandes
mercados de derivativos
que permanecem, na maior parte, fora da autoridade tradicional dos reguladores.
Contudo, quando as coisas dão para o torto, como aconteceu com o
Bear Stearns
em Março último, sua morte ameaça desestabilizar
todo o sistema financeiro e apela-se rapidamente a convenientes
salvações governamentais.
Hoje afirmo que esta grande crise tem de ser colocada nos próprios
pés do
establishment de Washington
. Trata-se de um establishment
político-financeiro que empurrou até aos limites a sua ideologia
de desregulamentação de mercados financeiros e esticou o
funcionamento do
capitalismo corporativo de mercado
até ao ponto de
ruptura. Agora o sistema está a implodir sob os nossos olhos e as
instituições financeiras caem como dominós. Como escrevi
em Agosto último, e repeti em Abril
deste ano
, o problema financeiro dos
EUA não é de liquidez (há muitíssima liquidez
fornecida pelo Fed quando bancos e correctores podem tomar emprestado à
vontade dólares recém impressos no guichet de desconto do Fed)
mas sim de solvência, de balanços fracos, activos arriscados e
liquidação de divida. Trata-se de um cavalo de uma outra cor.
Ao longo dos últimos 25 anos, principiando com a
administração Reagan e culminando com a actual
administração Bush-Cheney, o establishment de Washington
desmantelou peça por peça o sistema de protecção
que fora construído a partir da
depressão económica
da
década de 1930 e removeu praticamente todos os regulamentos federais que
podiam constituir obstáculo à cobiça e burla da parte de
operadores de mercado inescrupulosos.
E eis que chega o momento da verdade. Fora das bancarrotas está a
nacionalização pelo governo dos bancos super-alavancados. E a
administração Bush-Cheney deu um grande passo nessa
direcção quando veio resgatar as duas maiores
instituições de finanças hipotecárias, a Fannie Mae
(Federal National Mortgage Association: FNM) e o Freddie Mac (Federal Home Loan
Mortgage Corporation, FRE) que iam fechar por estarem insolventes. Este passo
foi iniciado depois de bancos centrais (na China, Japão, Europa,
Médio Oriente e Rússia) ameaçarem parar de comprar
títulos e debentures emitidos pelas duas tremelicantes
instituições financeiras.
Mas a administração Bush-Cheney, ainda que proporcionando
dinheiro público para manter os dois prestamistas em
operação, parou um pouco antes das suas
nacionalizações. Na verdade, o governo dos EUA comprometeu-se a
investir até US$200 mil milhões em acções
preferenciais e crédito estendido até 2009, a fim de manter os
dois prestamistas hipotecários solventes e em operação.
Mas ao invés de tomá-los colocando-os em
concordata
(receivership)
administrativa, a fim de mudar o seu modelo de negócio, como ambos
deveriam ter feito uma vez que o governo agora está a garantir suas
dívidas pendentes (mais de US$5 milhões de milhões), o
governo estado-unidense preferiu ao invés disso manter a aparência
de que estes bancos ainda estavam sob administração privada e
apenas nomeara um
conservador
legal para a Fannie Mae e o Freddie Mac. Mesmo
quando eles salvam duas das chamadas
empresas patrocinadas pelo governo
(Government sponsored enterprises, GSEs),
a sua ideologia de mercado impede-os de fazer a coisa correcta.
Após anos de irresponsável desregulamentação
pública e de malversão privada e irresponsável, agravando
o risco assumido, o sistema financeiro americano está agora em
séria perturbação, e ele pode puxar a economia dos EUA
ainda mais para baixo nos próximos meses e anos.
Nas próximas semanas, contudo, quando outras instituições
financeiras cambaleiam à beira da bancarrota, o governo dos EUA
terá de considerar a criação de um Bank Resolution Trust
de acordo com o modelo da
Resolution Trust Corp.
de 1989 a qual tomou as
poupanças e empréstimos de bancos que estavam então em
dificuldades financeiras. Exemplo: ainda recentemente, em 16 de Fevereiro
deste ano, o governo britânico não hesitou em nacionalizar o
Northern Rock
e salvou este grande banco britânico com cerca de £55
mil milhões (US$107 mil milhões) em empréstimos
públicos e garantias. Mais cedo ou mais tarde, o governo americano
terá de fazer o mesmo, a fim de estabilizar o sistema financeiro, porque
os problemas financeiros nos EUA são sistémicos e muito mais
sérios do que em outros lugares.
Da mesma maneira, talvez o governo estado-unidense deva corrigir uma anomalia
do século XX, que é o status semi-privado do seu banco central.
Na verdade, o
Federal Reserve
americano é uma organização
de banco central semi-pública e semi-privada que é em igual
medida responsável tanto para com grandes bancos privado como para com o
governo dos EUA e a população. Isto cria um conflito não
saudável de interesses que não é justo para o
público americano. Na verdade, a prática americana de privatizar
lucros e socializar perdas seria considerada inaceitável na maior parte
das outras democracias.
O que estamos a testemunhar nestes dias nos EUA é uma
transferência maciça de riqueza dos contribuintes, poupadores e
aposentados para os bancos, seus credores e seus administradores. Por um lado,
o Fed enterrou profundamente as taxas de juro reais no território
negativo a fim de ajudar bancos perturbados e, por outro, os contribuintes
americanos tem financiado a salvação de
instituições financeiras muito grandes.
Pergunto-me o que os dois campos presidenciais, o de Obama e o de McCain,
têm a dizer acerca disso! Ambos querem aumentar o défice federal
e aumentar significativamente a já elevada dívida nacional.
17/Setembro/2008
[1]
Margin calls: Pedido de fundos adicionais devido a movimentos de preços
adversos.
[*]
Professor emérito de Ciências Económicas na Universidade de
Montreal, autor
The Code for Global Ethics
. Email:
rodrigue.tremblay@yahoo.com
O original encontra-se em
http://www.thenewamericanempire.com/blog
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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