Será o destino do Lehman aquele da América?
EUA: economia sem leme e a cambalear
por Paul Craig Roberts
[*]
Haviam-nos prometido uma "Nova economia" de serviços de alta
tecnologia comerciáveis que substituiria a economia manufactureira
deslocalizada no estrangeiro. Desejando saber o que aconteceu à
"Nova economia", a Research Offshoring Network da Duke University
investigou-a e localizou-a no offshore. Sim, as actividades da dita "Nova
Economia" também foram deslocalizadas no estrangeiro.
Call centers
, operações de TI, operações de
back-office e a manufactura foram há muito removidas para o exterior.
Agora actividades de alto valor acrescentado tais como
investigação e desenvolvimento, engineering, desenvolvimento de
produto e serviços analíticos estão a ser enviadas
offshore. Tudo o que foi deixado são as finanças, e elas
estão a desintegrar-se diante dos nossos olhos.
Correctores independentes
(broker-dealers)
estão a desaparecer: Merrill Lynch, Bear Stearns, Lehman Brothers.
Estas veneráveis instituições estavam demasiado pouco
capitalizadas para os riscos que assumiram. A Merrill Lynch agora faz parte do
Bank of América, e a Lehman Brothers é história.
Desregulamentações financeiras imprudentes levaram à
concentração financeira e não a mercados mais eficientes.
Bancos locais independentes, os quais focavam-se no financiamento de
negócios locais, e Associações de Caixas Económicas
(Saving and Loan),
que conheciam o mercado da habitação local, foram
substituídas por grandes instituições que empacotavam
riscos não analisados e vendiam-nos por todo o mundo.
A regulamentação foi demasiado ambiciosa. O pêndulo
inclinou-se. A desregulamentação tornou-se uma ideologia e uma
facilitadora da ganância.
A desregulamentação da energia eléctrica deu-nos a Enron.
A desregulamentação das companhias de aviação
destruiu nomes americanos famosos como a Pan Am, encolheu o números de
companhias e provocou um declínio no serviço. Quando as
companhias estavam regulamentadas, elas podiam permitir-se ter equipamento de
reserva de prontidão e os voos cancelados eram raros. Hoje, as
condições financeiras proíbem ter equipamento standby e
problemas mecânicos resultam em cancelamento de voos. Quando economistas
calcularam os benefícios da desregulamentação eles
deixaram de lado muitos dos seus custos.
Já não há mais companhias
blue chip
, o que significa que investir para a aposentadoria tornou-se um jogo de dados.
As pessoas percebem isto; portanto, a privatização da
Segurança Social não tem apoio.
Se olharmos de forma realista para a economia dos EUA, veremos que aquilo que
não foi movido para o offshore está a precisar de
salvação. No ano passado, o Departamento da Energia foi
autorizado a efectuar empréstimos de US$25 mil milhões a
indústrias fabricantes de automóveis e fornecedores de
peças. Na semana passada o secretário do Tesouro pôs
debaixo da sua US$5 milhões de milhões em hipotecas habitacionais
da Fannie Mãe e do Freddie Mac. O Gabinete de Orçamento do
Congresso diz que esta acção do Tesouro significa "que as
operações da Fannie Mãe e do Freddie Mac deveriam ser
incorporadas directamente no orçamento federal".
(
http://cboblog.cbo.gov/
)
Suas receitas seriam tratadas como receitas federais, e suas despesas como
despesas federais. Se as últimas fossem maiores do que as primeiras,
não haveria razão para a tomada.
A questão em aberto é: como estes novos passivos afectam a
capacidade de crédito do próprio Tesouro?
Por enquanto, esta questão está submersa. A prática
tradicional de fugir para o dólar americano e os títulos do
Tesouro dos EUA durante períodos de stress financeiro e de incerteza
promoveu o dólar e manteve baixas as taxas de juro. Mas mais cedo ou
mais tarde o défice do orçamento dos EUA, agravado pela
recessão e por salvamentos, e ainda pelo grande défice comercial
que exige a constante reciclagem de dólares possuídos por
estrangeiros nos activos reais e financeiros estado-unidenses, resultará
em esforços renovados da parte dos estrangeiros para aligeirar seus
haveres em dólares.
Quando chegar este momento, as taxas de juros estado-unidenses terão de
ascender em conformidade para o governo ser capaz de continuar a apoiar-se nos
estrangeiros para reciclar os dólares adquiridos no comércio a
fim de financiar o défice do orçamento anual do governo dos EUA.
Os actuais problemas financeiros empurraram para os bastidores os problemas
maiores do orçamento e do défice comercial dos EUA. Bens e
serviços para mercados americanos que as corporações dos
EUA deslocalizam offshore retornam como importações, as quais
alargam o défice comercial estado-unidense. Transferir
produção para o estrangeiro reduz o PIB e o emprego dos EUA e
aumenta o PIB e o emprego no estrangeiro. Transferir produção
para o estrangeiro reduz a capacidade exportadora da economia dos EUA ao mesmo
tempo que aumenta a conta da importação.
Portanto, como é que o défice comercial será colmatado?
Um dos meios é através da perda do valor de troca do
dólar, a qual reduziria os rendimentos reais dos consumidores americanos
e deixa-los-ia demasiado pobres para comprarem bens e serviços
deslocalizados.
Como é que o défice orçamental será fechado quando
empregos estão a desaparecer e o PIB (base do fisco) está a ser
relocalizado offshore?
Não através de impostos mais altos. Impostos mais altos
são problemáticos para uma economia recessionária na qual
o emprego, medido correctamente, já está em dois dígitos (
www.shadowstats.com
).
Algumas pessoas têm especulado que o défice orçamental
será colmatado pelo desmantelamento de programas de
promoção social tais como o Medicare. Contudo, considerando o
custo dos seguros médicos, isto seria catastrófico para dezenas
de milhões de americanos mais idosos.
A via mais provável será uma incursão nas
pensões privadas. Alicia Munnell, nomeada pela
administração Clinton como secretária assistente do
Tesouro para Política Económica, argumentou que fundos privados
de pensões deveriam enfrentar um gravame fiscal pelo facto de que a sua
acumulação ter sido livre de impostos. Espero que o governo
federal, confrontado com a sua própria bancarrota, ressuscitará
este argumento, pois será preferível imprimir dinheiro como uma
república de bananas ou a Alemanha de Weimar.
No século XXI, a economia dos EUA tem estado a manter através da
expansão da dívida, não pelo crescimento real do
rendimento. Economistas têm louvado o crescimento da produtividade
estado-unidense, mas não há sinal de que a produtividade
acrescida tenha ascendido rendimentos familiares, uma indicação
de que há um problema com as estatísticas da produtividade. Com
consumidores super carregados de dívidas e o valor do seu activo mais
importante habitação em queda, o consumidor
americano não será levado a uma recuperação.
Um país que tivesse líderes inteligentes reconheceria suas
aflições, travaria suas guerras gratuitas e cortaria seu
orçamento militar maciço, o qual excede aquele de todo o resto do
mundo somado. Mas um país cujo objectivo de política externa
é hegemonia mundial continuará no caminho da
destruição até que o resto do mundo cesse de financiar a
sua existência.
A maior parte dos americanos, incluindo os candidatos presidenciais e os media,
estão inconscientes de que o governo dos EUA hoje, agora neste minuto,
é incapaz de financiar suas operações diárias e
deve confiar em estrangeiros que comprem seus títulos. O governo pagar
os juros aos estrangeiros vendendo-lhes mais títulos, e quando os
títulos têm de ser pagos, o governo resgata-os vendendo-lhes novos
títulos. O dia em que os estrangeiros não comprarem será
o dia em que o povo americano e o seu governo será trazido à
realidade.
Isto não é a posição financeira de uma
super-potência.
Será que aquilo que hoje aconteceu à Lehman Brothers será
amanhã o destino da América?
16/Setembro/2008
[*]
Ex-secretário assistente do Tesouro na administração
Reagan. Foi Editor Associado da página editorial do
Wall Street Journal
e Editor Colaborador da
National Review.
É co-autor de The Tyranny of Good Intentions. Email:
PaulCraigRoberts@yahoo.com
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/roberts09162008.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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