Crise do capitalismo
por C. J. Polychroniou
[*]
Será exagerado avançar a hipótese de que a crise da zona
euro não é mais que o sintoma de uma crise mais geral do
capitalismo avançado?
O mercado de obrigações italiano está a ser vítima
de ataques frontais dos justiceiros da dívida pública e o
incêndio propaga-se ao coração da Europa. Entretanto,
Angela Merkel, a dama de ferro, resta inflexível na sua
oposição a que o Banco Central Europeu (BCE) aja como
emprestadora de último recurso posição que, tendo
em conta a gravidade do momento, deveria certamente fazer franzir as
sobrancelhas de um Friedrich Hayek, face à ortodoxia da política
monetária alemã. Perante esta situação, a Reserva
Federal Americana associou-se à operação coordenada com
cinco outros bancos centrais (incluído o BCE), vindo em socorro do
sistema bancário europeu e, por extensão, da própria zona
euro, e finalmente talvez também do capitalismo avançado.
Dois anos depois de ter ocorrido o desastre grego (que entretanto se
transformou numa verdadeira crise orçamental), seguida naturalmente por
graves problemas noutras partes da zona euro (mal descritos como uma crise da
dívida soberana), a crise da zona euro toma doravante a aparência
de uma profunda crise bancária europeia.
A iniciativa da Fed, que um certo número de economistas tinha
recomendado desde há algum tempo, foi motivada pela
constatação que os bancos europeus tinham dificuldades de
refinanciar o equivalente de perto de 1500 mil milhões de euros de
dívida titulada em dólares americanos. A situação
desesperada na qual se encontraram os bancos europeus tornara-se bastante
evidente desde há algumas semanas: eles na prática já
não tinham acesso ao mercado do dólar.
A acção conjunta da Fed e dos outros grandes bancos centrais
segue um guião que vem directamente do Tratado sobre a Moeda de John
Maynard Keynes. De facto, é fortemente possível que os
capitalistas de hoje bem como os das gerações futuras tenham que
agradecer ao Sr. Keynes por ter salvo o capitalismo mundial em duas
ocasiões: durante o krach de 1929, e depois no de 2008.
Naturalmente, os bancos europeus não são os únicos a
atravessar um muito mau período. É pouco provável que os
bancos americanos estejam em melhor situação, e as perspectivas
para o sector bancário americano vão escurecer grandemente se a
situação actual na zona euro se prolongar. De facto, os bancos
americanos serão confrontados num futuro muito próximo com
enormes volumes de dívida chegada à maturidade. Para
começar, com mais de 50 mil milhões de dólares de
dívidas que chegam ao prazo este mês. Pode-se pois esperar que o
Fed esteja muito ocupado nos próximos meses.
Mas deve-se compreender o problema da Eurolândia, os que existem deste
lado do Atlântico, ou ainda a estagnação da economia
japonesa, como unicamente devido às recaídas da crise financeira?
Deve-se atribuir-lhe todas as dificuldades sociais e económicas
às quais estão confrontadas quer o Antigo quer o Novo Mundo
estagnação do crescimento, subida em flecha do desemprego,
abaixamento das perspectives de criação de novos empregos,
fraqueza da procura, fosso crescente entre os mais ricos e os mais pobres,
mal-estar social?
Pode-se defender, com argumentos sólidos a tese segundo a qual aquilo a
que assistimos não é simplesmente uma grave crise financeira cujo
centro de gravidade se encontra no mundo desenvolvido, mas uma crise mais geral
do capitalismo avançado.
O sistema económico está confrontado a fortes tensões e
constrangimentos estruturais desde há muitos anos antes do
desencadeamento da crise financeira em 2007: nomeadamente a
sobre-produção, o aumento dos défices comerciais, a falta
de crescimento, de emprego, e níveis de endividamento muito elevados.
A acumulação da dívida do sector privado das economias
ocidentais, que escaparam a todo o controlo, é largamente o resultado da
estagnação dos salários. Nos Estados Unidos estes
estagnaram desde meados dos anos 1970, dando nascimento a uma nova "Idade
Dourada" e a uma renovação das teses proclamando a
superioridade de um capitalismo darwinista.
Por outro lado, os défices orçamentais e a
acumulação da dívida pública, se bem que largamente
ampliadas pela crise financeira de 2007-08, foram em grande parte o resultado
de políticas insidiosas que beneficiaram os mais ricos e os rendimentos
do capital. A ideia de uma "sociedade boa e justa" transformou-se num
sonho longínquo na maior parte das sociedades capitalistas
avançadas.
Ao mesmo tempo que continua a crise da zona euro e que a economia americana
pena para se salvar, devemos reexaminar os factos, e afinar os nossos
instrumentos de economia política, considerando que o que se desenrola
na hora actual nas economias avançadas não é somente uma
crise bancária ou financeira, mas uma crise mais profunda do capitalismo.
06/Dezembro/2011
[*]
Membro associado do
Levy Economics Institute
A versão em português encontra-se em
http://foicebook.blogspot.com/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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