O mundo arde enquanto a esquerda ocidental anda em querelas
É realmente uma vergonha, e cansativo, mas na verdade não
há nada de novo: na actual desordem entre os inúmeros
"progressistas"' e intelectuais "semi-esquerda",
publicações, movimentos e partidos políticos do ocidente.
Covardia, egos enfatuados, falta de disciplina e mesquinhez intelectual
são muitas vezes culpados, mas isto não é tudo.
Agora é absolutamente claro que a
esquerda
ocidental perdeu, de modo evidente e vergonhoso. Não tem quase nenhum
poder, não tem coragem para lutar ou assumir riscos, e não
dispõe de seguimento político real na Europa, América do
Norte, Austrália ou Nova Zelândia. "As massas", aquelas
proverbiais "massas oprimidas", ultimamente têm votado e eleito
vários populistas semi-fascistas, demagogos de direita sem desculpas e
pró-oligarcas estúpidos.
Todas as "certezas teóricas" marxistas têm estado a
desmoronar-se diante dos nossos olhos, pelo menos no ocidente.
Em grande medida, o que agora acontece é absolutamente natural. A
esquerda
europeia traiu, já nos anos 80 do século passado, tornando-se
demasiado maleável, demasiado indisciplinada, demasiado cautelosa e
demasiado centrada em si própria. Colocou o pragmatismo acima dos
ideais. Rapidamente adoptou o léxico do establishment liberal,
completado com as concepções ocidentais de
direitos humanos, princípios democráticos
e
correcção política.
Deixou de ser revolucionária; no essencial cessou toda actividade
revolucionária e abandonou o elemento central de qualquer verdadeira
identidade de esquerda o internacionalismo.
Sem pelo menos alguns princípios internacionalistas básicos, a
esquerda está agora reduzida essencialmente a algum sindicalismo de
nível local: "Deixem-nos lutar por melhores condições
de trabalho e cuidados de saúde no nosso país e que se dane isso
da pilhagem neocolonialista do mundo, que se espera poder pagar a maior parte
dos nossos benefícios. Enquanto nós comermos bem e tivermos
férias prolongadas, por que nos deveríamos revoltar, por que
deveríamos lutar?"
A
esquerda
do ocidente também falhou em se referir honestamente à
História global, em particular ao papel que a Europa e América do
Norte têm desempenhado. Muitos dos chamados pensadores
"progressistas" ocidentais no fundamental adoptaram as
interpretações da retórica imperialista e revanchista de
vários acontecimentos históricos essenciais, tornando-se portanto
eles próprios "anticomunistas".
Depois disso, quase tudo foi perdido, foi por água abaixo.
Bandeiras revolucionárias foram queimadas, pelo menos metaforicamente.
Boas velhas palavras de ordem foram descartadas. Então, em vez de
marchas, manifestações e confrontos com as autoridades que
representam o regime, rapidamente cada vez mais confortáveis
sofás frente aos mais recentes televisores de alta
definição encheram-se com milhões de corpos
flácidos excessivamente acomodados.
Agora desencadeiam-se lutas torpes sobre um bolo em contracção.
Teóricos trotskistas e maoístas atiram-se às gargantas uns
dos outros. Há também leninistas e outros, muitos outros.
As coisas ainda foram mais longe: por estes dias, no Ocidente, a maior parte
dos "progressistas" adopta uma "agenda dos acontecimentos
correntes", recusando comprometer-se de alma e coração com
qualquer coisa maior. Esta posição está cada vez mais em
voga e essencialmente proclama: "Tenho minha própria filosofia.
Não preciso de absolutamente nenhuma ideologia".
Nenhuma revolução foi ganha desta forma. Mas no Ocidente,
não há qualquer desejo de verdadeira revolução.
Pertencer à
esquerda
é sobretudo apenas uma pose, com uma conta num site de media social e
uma
selfie.
Não é sério e não pretende sê-lo.
Há, naturalmente, anarco-sindicalistas com seu ar de superioridade e
teorias sublimes que seriam totalmente rejeitadas e ridicularizadas pela grande
maioria dos povos verdadeiramente oprimidos em lugares como a Ásia ou a
África.
Ultimamente, nem mesmo sei mais quem é quem, nesse pequeno e
insignificante mundo. Não o estou seguindo, dificilmente participo em
discussões teóricas.
Escrevo, usando basicamente apenas duas publicações como minha
plataforma, a partir dos quais a minha escrita vai para o mundo, em
vários idiomas.
Mas esse "pequeno e mesquinho mundo" obviamente está a
seguir-me. E não gosta do que ele vê.
Depois de haver publicado cerca de 300 ensaios nos últimos sete ou oito
anos numa das mais importantes publicações do ocidente (na
verdade não quero dizer o nome da publicação, mas a maior
dos meus leitores certamente sabe de qual estou a falar), fui literalmente
atirado fora no final de 2017. Nunca descobri a verdadeira razão, mas
muito provavelmente foi devido às minhas convicções
"demasiado à esquerda" e demasiado anti-ocidentais, de
retórica demasiado aberta. E, sim, havia na verdade uma
indicação: os editores não gostavam que eu escrevesse para
"media russos apoiados pelo Estado", os quais por sua vez têm
algumas ligações a sites alegadamente da esquerda radical nos
EUA.
Aos olhos dos anticomunistas, que se guiam pela agenda dos meios de
comunicação ocidentais, qualquer media "patrocinado pelo
Estado"' ou "controlado pelo Estado" é
mau,
muito mau!
Mesmo que pertença a países que estão lutando heroicamente
contra o imperialismo ocidental, tentando salvar o nosso Planeta. Ou talvez
seja considerado
particularmente mau
se se pertencer a tais países. O que obviamente se aplica aos meios de
comunicação chineses, russos, cubanos, venezuelanos ou iranianos.
Em resumo aplica-se a todos os media que em todo o mundo lutam para
impedir que se verifique o monstruoso destino preparado pelo imperialismo
ocidental; aos media que combatem com empenho e com (ultimamente) tremendo
êxito.
Ao invés de obedientemente esperar pela
direita
ou pela
esquerda
do ocidente a fim de definir o mundo, agora os chineses, russos,
latino-americanos e os povos do Médio Oriente estão de
súbito a atreverem-se a redefinir os acontecimentos que acontecem neste
planeta. Eles entrevistam os próprios ocidentais, reflectindo aqueles
monstros em que se tornaram as sociedades europeia e norte-americana.
Ao invés daquele "nobre" "olhem o que estamos a fazer
pelo o mundo", as verdadeiras vítimas, mas também os
verdadeiros revolucionários estão a liderar debates apaixonados.
Ao invés de alguns professores doutorados debaterem em Londres sobre se
a China é verdadeiramente comunista ou não, agora é o povo
chinês a falar, esclarecendo o que seu país é e não
é.
E a
esquerda
do ocidente não gosta. É claro que não gosta
absolutamente nada de tais desenvolvimentos.
A
esquerda
do ocidente "não gosta de quaisquer media patrocinados pelo
Estado". Não gosta quando outros falam. Bem, pode ser ainda mais
profundo do que isto: parece que efectivamente realmente não gostam de
quem realmente está a lutar e de quem está a ganhar: "
não gostam da esquerda que realmente se mantém no poder"
Porque a
esquerda
no ocidente é muito mais parte do
ocidente
do que da
esquerda.
Porque bem lá no fundo, está confortável e mesmo obcecada
com a sua excepcionalidade.
Porque apesar de horríveis séculos de pilhagem imperialista e
colonialista do mundo pela Europa e América do Norte, realmente
não acredita que os crimes foram cometidos
por causa
da cultura ocidental e do seu modo de pensar.
Porque, no fundo, realmente não acham que as nações
não-ocidentais, os seus media e pensadores sejam capazes de definir e
descrever o mundo com precisão ou até mesmo descrever os seus
próprios países com precisão. Os media
não-ocidentais simplesmente não podem e não devem ser de
confiança. Só os intelectuais ocidentais têm o direito
herdado para tomar decisões plenamente qualificadas sobre temas
tão importantes como: se China é comunista ou não, se a
Rússia sob o presidente Putin é um país progressista ou
não, se o Irão é socialista ou apenas um brutal Estado
religioso, se o governo de Assad é "legítimo", se a
liderança norte-coreana é "louca" ou se o presidente
Maduro da Venezuela "foi longe demais".
Quando o mundo finalmente se prepara para se defender contra as
inevitáveis agressões ocidentais, quando os povos da Ásia,
Rússia, América Latina, África e Médio Oriente
estão a descobrir as suas próprias vozes silenciadas durante
séculos pela barbárie colonialista, quando os governos desses
países estão a tornar possíveis tais plataformas de
discussão, a
esquerda
ocidental uiva para a lua, batendo no peito em gestos de arrogante narcisismo
e basicamente insulta aqueles que estão a lutar, a manter-se de
pé, a construir um mundo muito melhor e, sim, governando!
Em vários países da América do Sul, a esquerda foi
recentemente derrotada precisamente porque foi demasiado influenciada
"ideologicamente" (ou mais precisamente,
"anti-ideologicamente") por aqueles fracos, obsoletos e
super-cautelosos pseudo-revolucionários ocidentais. Os povos
latino-americanos não deveriam cometer semelhantes erros no futuro e
esperançosamente não os cometerão.
Nenhum país revolucionário pode visar a perfeição,
por enquanto. A Revolução não é um mar de rosas,
disse Fidel. Defender o país contra invasões estrangeiras brutais
não é uma coisa gentil: é extremamente confuso e sangrento.
A
esquerda
fraca e de pele fina do ocidente pode exigir dos governos
revolucionários não-ocidentais tanto "pureza" como uma
"abordagem com luvas de seda", simplesmente porque não tem
ideia (ou não se importa) do que é governar países em que
milhões de homens, mulheres e crianças foram obrigados a viver na
miséria absoluta, depois de serem roubados de tudo por europeus e norte
americanos condutores de escravos. Um simples erro que esses governos
façam, um sinal de fraqueza e os seus países irão
esfumar-se, acabar em ruínas, no esquecimento: como o Iraque, o
Afeganistão, a Rússia de Yeltsin, ou a China durante o
"século da humilhação".
O "excesso de sensibilidade" da
esquerda
ocidental é na verdade apenas uma
fachada,
não é real.
Apenas como exemplo: os editores da revista acima mencionada, a qual
tão
sem cerimónia deixaram de publicar meus trabalhos, nunca demonstraram
qualquer interesse no meu bem-estar ou segurança. Acho que se
caísse morto numa das zonas de guerra que cobri, eles mal notavam.
Artigos e ensaios assinados por mim iriam simplesmente deixar de vir. Afinal,
toda a gente é substituível. Oferecer apoio qualquer estaria
abaixo de sua dignidade. Mas pedir regularmente apoio financeiro ao leitor
nunca esteve.
Os meios de comunicação nos países revolucionários
"patrocinados pelo Estado" tratam o seu pessoal de forma diferente.
Pelo menos alguns assim o fazem.
E a querela continua. Perdi o interesse nos pormenores. É muito
consumidor e tempo e irrelevante.
Entretanto, sinto-me mais confortável escrevendo para esses altivos
media, de todo o mundo, editados longe do ocidente. Gosto quando os meus
camaradas estão a fortalecer-se, quando estão a vencer. Quero que
eles governem e governem bem. E quero que os seus países sobrevivam.
As coisas são tão simples como isso!
É uma grande honra mostrar meus filmes na
TeleSur
e
Al-Mayadeen,
escrever para a
New Eastern Outlook, China Daily, Countercurrents, Global Research
e
Russia Today.
E gosto de aparecer ao vivo, regularmente, na
PressTV
iraniana. Sinto que cada palavra que escrevo e emito através desses
meios de comunicação se destina aos meus amigos, aos meus
camaradas, pela nossa luta e por um mundo muito melhor.
E deixem-me repetir: Quero que meus amigos e camaradas vençam, tenham
êxito e, sim, governem!
A
esquerda
ocidental pode continuar a querelar e mastigar-se: "
Quem disse o quê? Quem é realmente de esquerda e quem não
é? Quem é marxista puro e quem é simplesmente um
social-democrata?"
Nem todos os media da
esquerda
ocidental são como o acima descrito. Ainda existem alguns maravilhosos
escritores e editores no ocidente. Mas a situação geral na Europa
e América do Norte está a deteriorar-se.
A governação e a luta revolucionária e internacionalista
da esquerda nos países independentes geralmente não tem tempo
para debates sublimes. Temos Moscovo, Pequim, Caracas, Havana, La Paz, Damasco
e muitas outras cidades maravilhosas às nossas costas para
defender. Lidaremos com a teoria mais tarde, muito mais tarde, depois de
vencermos, depois de haver verdadeira paz, acompanhada por justiça,
depois todos nós neste planeta podemos nos orgulhar do que realmente
somos nós próprios e definidos por nós
próprios!
[*]
Filósofo, romancista, cineasta e jornalista de
investigação. Cobriu guerras e conflitos em dezenas de
países. Três de seus
livros mais recentes
são o romance revolucionário
Aurora
e dois best-sellers de não-ficção política:
Exposing Lies of The Empire
e
Fighting Against Western Imperialism
. Vltchek actualmente reside no sudeste da Ásia e no Médio
Oriente e continua a trabalhar em todo o mundo. Pode ser contactado
através do seu
sítio web
e do seu
Twitter
O original encontra-se em
New Eastern Outlook
,
www.globalresearch.ca/...
e em
www.informationclearinghouse.info/48728.htm
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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