Porque esta crise prosseguirá
Seja o que for que os europeus tentem para aliviar a crise, isso não
funcionará: nem um resgate abrangente da banca, nem um veículo de
uso específico
[1]
de 440 mil milhões a fim de proporcionar uma couraça
protectora e nem um pacote de austeridade após o outro. Os spreads dos
títulos e os índices dos credit default swaps continuam a
elevar-se e o mercado do dinheiro está novamente a congelar-se.
Isto nunca aconteceu antes para os políticos europeus, os quais no
passado foram capazes de escapar com um bocado menos de esforço.
Habitualmente uma declaração era suficiente para aplacar os
mercados.
O que está em andamento?
Para começar, não há ataque especulativo, ainda que uma
tal explicação possa ser conveniente. O que tem acontecido
é que os investidores globais perceberam uma verdade subjacente profunda
acerca da nossa crise de dívida soberana europeia que no seu
cerne não é de todo uma crise de dívida soberana e sim
uma crise bancária altamente interconectada prestes a explodir.
Há uma dinâmica em acção que os dados
macroeconómicos não transmitem e que a resposta
política à crise não trata.
Estas inter-conexões são mesmo maiores do que havíamos
pensado anteriormente mas isto não deveria surpreender dados os
desequilíbrios maciços na eurozona. Na sua última
Quarterly Review, o Bank for International Settlements publicou alguns
números chocantes. Os bancos alemães têm uma
exposição de US$200 mil milhões à Espanha, $175 mil
milhões à Irlanda e $50 mil milhões respectivamente
à Grécia e Portugal, o que faz uma exposição total
aos quatro países de quase $500 mil milhões, mais de 20% do PIB
alemão. Os bancos franceses têm uma exposição de
$250 mil milhões à Espanha, $80 mil milhões à
Irlanda, $100 mil milhões à Grécia e $50 mil
milhões a Portugal, também quase $500 mil milhões em
exposições, mas mais de 25% do PIB francês. As
exposições totais a bancos estrangeiros estão bem acima
dos $1100 mil milhões para a Espanha e $800 mil milhões para a
Irlanda. Se somar os quatro países em conjunto chega-se a mais do que $2
milhões de milhões.
Não estou a dizer que haja 2 milhões de milhões de
dívidas podres. Não faço ideia de quão grande
será a proporção de dívida realmente podre. O
problema é que ninguém mais sabe, e isso inclui os bancos, os
quais estão agora a recusar-se a emprestar no mercado
inter-bancário.
[2]
Há um bocado de paralelos com a crise do subprime incluindo a
escala, a inter-conectividade e as assimetrias de informação. Na
presença de tais factores, os investidores começam a entrar em
pânico. A razão porque estão a entrar em pânico
apesar das garantias dos bancos é que os mercados não confiam
mais no governo que emitiu a garantia. Os spreads aumentam, reforçando
portanto a crise. Um círculo vicioso já está a caminho.
O círculo vicioso agora submergiu a Espanha. O sector privado espanhol
agora está efectivamente cortado dos mercados globais de capital. O BCE
é agora o prestamista de primeiro e último recurso para os bancos
espanhóis. A fatia da Espanha na concessão de empréstimos
do BCE já é o dobro da sua fatia no BCE e está a
aumentar. O BCE está desesperado para que o veículo de uso
específico (SPV) (1) seja estabelecido neste Verão. Mas se bem
que isto colocasse o BCE a salvo da enrascada, não resolveria o problema.
Eu esperaria que as primeiras compras de títulos pelo SPV disparariam um
ataque generalizado aos mercados de títulos do Sul da Europa, incluindo
provavelmente a França. Tendo ignorado completamente o risco de
incumprimento soberano, os mercados agora encaram tudo o que não seja
alemão como extremamente arriscado. Não importa o que
aconteça à eurozona, a Alemanha pode sempre ser contada como uma
aposta segura. Se a eurozona alguma vez tiver de dividir-se, há muito
menos certeza acerca de que lado da linha de ruptura da eurozona a
Itália e a França acabariam.
Mas porque não basta esta couraça protectora? A razão
é política. Até agora, todas estas garantias não
nos custaram um centavo. Não foram elevados impostos nem cortadas
despesas. Mas isto será diferente quando o SPV pagar dinheiro real. Ouvi
a sugestão de que ele poderia teoricamente comprar directamente
títulos bancários espanhóis. Isso faria sentido uma vez
que os bancos estão garantidos pelos seus governos em qualquer caso. Mas
quando isto acontece, a Alemanha e outros terão de contar para as suas
contribuições permanentes nos seus orçamentos nacionais.
Não se trata de perdas que se possam esconder fora do balanço
embora eles provavelmente venham a tentar. No fim, fluirá
dinheiro um bocado de dinheiro. Não estou seguro de que a
Alemanha tenha estômago para salvar todos mesmo se tal
acção provavelmente fosse no interesse a longo prazo da Alemanha.
Não é difícil ver que haverá um ponto no qual os
alemães decidem não participar em quaisquer salvamentos futuros.
Uma vez que cada salvamento exige unanimidade, a Alemanha poderia bloquear
qualquer decisão. Ou se a pressão chegar ao extremo, a Alemanha,
juntamente com um pequeno número de outros países, poderia
unilateralmente retirar-se da eurozona.
O que pode transformar isto numa crise perigosa não o volume absoluto de
dívida, mas sim os fluxos financeiros intra-eurozona. Estes são
uma imagem invertida dos desequilíbrios económicos internos. O
maciço excedente em conta corrente da Alemanha é por
definição um excedente de poupanças internas em
relação ao investimento interno e estas poupanças
são canalizadas para economias com grandes défices em conta
corrente, como Espanha, Portugal, Grécia e Irlanda.
A Alemanha agora está efectivamente a ser solicitada a salvar os seus
clientes. Isto exigiria união fiscal, a qual a Alemanha não
está preparada para considerar. A razão porque a crise
está outra vez a ficar pior é porque os investidores não
podem ver como esta conflagração possa ser resolvida.
17/Junho/2010
[1]
Special Purpose Vehicle
(SPV): Os veículos de uso específico
são conhecidos como "entidade de bancarrota remota" cujas
operações são limitadas à aquisição e
financiamento de activos específicos. O SPV é habitualmente uma
companhia subsidiária com uma estrutura de activo/passivo e um estatuto
legal que torna as suas obrigações seguros mesmo que a companhia
mãe vá à bancarrota.
[2] Ver:
"A primeira (embora pequena) decisão inteligente em três anos"
:
"A pedido da Espanha, a UE tomou ontem a primeira decisão concreta para
a resolução da crise desde o arranque da crise financeira em
Agosto de 2007 com a decisão de publicar em Julho os testes de
stress dos 25 maiores bancos e estender os testes aos bancos mais pequenos".
(18/Junho/10)
[*]
Presidente do Eurointelligence e editor associado do
Financial Times.
O original encontra-se em
www.eurointelligence.com
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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