Porque esta crise prosseguirá

por Wolfgang Münchau [*]

Seja o que for que os europeus tentem para aliviar a crise, isso não funcionará: nem um resgate abrangente da banca, nem um veículo de uso específico [1] de €440 mil milhões a fim de proporcionar uma couraça protectora e nem um pacote de austeridade após o outro. Os spreads dos títulos e os índices dos credit default swaps continuam a elevar-se e o mercado do dinheiro está novamente a congelar-se.

Isto nunca aconteceu antes para os políticos europeus, os quais no passado foram capazes de escapar com um bocado menos de esforço. Habitualmente uma declaração era suficiente para aplacar os mercados.

O que está em andamento?

Para começar, não há ataque especulativo, ainda que uma tal explicação possa ser conveniente. O que tem acontecido é que os investidores globais perceberam uma verdade subjacente profunda acerca da nossa crise de dívida soberana europeia – que no seu cerne não é de todo uma crise de dívida soberana e sim uma crise bancária altamente interconectada prestes a explodir. Há uma dinâmica em acção que os dados macroeconómicos não transmitem – e que a resposta política à crise não trata.

. Estas inter-conexões são mesmo maiores do que havíamos pensado anteriormente – mas isto não deveria surpreender dados os desequilíbrios maciços na eurozona. Na sua última Quarterly Review, o Bank for International Settlements publicou alguns números chocantes. Os bancos alemães têm uma exposição de US$200 mil milhões à Espanha, $175 mil milhões à Irlanda e $50 mil milhões respectivamente à Grécia e Portugal, o que faz uma exposição total aos quatro países de quase $500 mil milhões, mais de 20% do PIB alemão. Os bancos franceses têm uma exposição de $250 mil milhões à Espanha, $80 mil milhões à Irlanda, $100 mil milhões à Grécia e $50 mil milhões a Portugal, também quase $500 mil milhões em exposições, mas mais de 25% do PIB francês. As exposições totais a bancos estrangeiros estão bem acima dos $1100 mil milhões para a Espanha e $800 mil milhões para a Irlanda. Se somar os quatro países em conjunto chega-se a mais do que $2 milhões de milhões.

Não estou a dizer que haja 2 milhões de milhões de dívidas podres. Não faço ideia de quão grande será a proporção de dívida realmente podre. O problema é que ninguém mais sabe, e isso inclui os bancos, os quais estão agora a recusar-se a emprestar no mercado inter-bancário. [2] Há um bocado de paralelos com a crise do subprime – incluindo a escala, a inter-conectividade e as assimetrias de informação. Na presença de tais factores, os investidores começam a entrar em pânico. A razão porque estão a entrar em pânico apesar das garantias dos bancos é que os mercados não confiam mais no governo que emitiu a garantia. Os spreads aumentam, reforçando portanto a crise. Um círculo vicioso já está a caminho.

O círculo vicioso agora submergiu a Espanha. O sector privado espanhol agora está efectivamente cortado dos mercados globais de capital. O BCE é agora o prestamista de primeiro e último recurso para os bancos espanhóis. A fatia da Espanha na concessão de empréstimos do BCE já é o dobro da sua fatia no BCE – e está a aumentar. O BCE está desesperado para que o veículo de uso específico (SPV) (1) seja estabelecido neste Verão. Mas se bem que isto colocasse o BCE a salvo da enrascada, não resolveria o problema.

Eu esperaria que as primeiras compras de títulos pelo SPV disparariam um ataque generalizado aos mercados de títulos do Sul da Europa, incluindo provavelmente a França. Tendo ignorado completamente o risco de incumprimento soberano, os mercados agora encaram tudo o que não seja alemão como extremamente arriscado. Não importa o que aconteça à eurozona, a Alemanha pode sempre ser contada como uma aposta segura. Se a eurozona alguma vez tiver de dividir-se, há muito menos certeza acerca de que lado da linha de ruptura da eurozona a Itália e a França acabariam.

Mas porque não basta esta couraça protectora? A razão é política. Até agora, todas estas garantias não nos custaram um centavo. Não foram elevados impostos nem cortadas despesas. Mas isto será diferente quando o SPV pagar dinheiro real. Ouvi a sugestão de que ele poderia teoricamente comprar directamente títulos bancários espanhóis. Isso faria sentido uma vez que os bancos estão garantidos pelos seus governos em qualquer caso. Mas quando isto acontece, a Alemanha e outros terão de contar para as suas contribuições permanentes nos seus orçamentos nacionais. Não se trata de perdas que se possam esconder fora do balanço – embora eles provavelmente venham a tentar. No fim, fluirá dinheiro – um bocado de dinheiro. Não estou seguro de que a Alemanha tenha estômago para salvar todos – mesmo se tal acção provavelmente fosse no interesse a longo prazo da Alemanha.

Não é difícil ver que haverá um ponto no qual os alemães decidem não participar em quaisquer salvamentos futuros. Uma vez que cada salvamento exige unanimidade, a Alemanha poderia bloquear qualquer decisão. Ou se a pressão chegar ao extremo, a Alemanha, juntamente com um pequeno número de outros países, poderia unilateralmente retirar-se da eurozona.

O que pode transformar isto numa crise perigosa não o volume absoluto de dívida, mas sim os fluxos financeiros intra-eurozona. Estes são uma imagem invertida dos desequilíbrios económicos internos. O maciço excedente em conta corrente da Alemanha é por definição um excedente de poupanças internas em relação ao investimento interno – e estas poupanças são canalizadas para economias com grandes défices em conta corrente, como Espanha, Portugal, Grécia e Irlanda.

A Alemanha agora está efectivamente a ser solicitada a salvar os seus clientes. Isto exigiria união fiscal, a qual a Alemanha não está preparada para considerar. A razão porque a crise está outra vez a ficar pior é porque os investidores não podem ver como esta conflagração possa ser resolvida.

17/Junho/2010
[1] Special Purpose Vehicle (SPV): Os veículos de uso específico são conhecidos como "entidade de bancarrota remota" cujas operações são limitadas à aquisição e financiamento de activos específicos. O SPV é habitualmente uma companhia subsidiária com uma estrutura de activo/passivo e um estatuto legal que torna as suas obrigações seguros mesmo que a companhia mãe vá à bancarrota.
[2] Ver: "A primeira (embora pequena) decisão inteligente em três anos" : "A pedido da Espanha, a UE tomou ontem a primeira decisão concreta para a resolução da crise desde o arranque da crise financeira em Agosto de 2007 – com a decisão de publicar em Julho os testes de stress dos 25 maiores bancos e estender os testes aos bancos mais pequenos". (18/Junho/10)


[*] Presidente do Eurointelligence e editor associado do Financial Times.

O original encontra-se em www.eurointelligence.com


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
19/Jun/10