A morte do neoliberalismo?
O recente desencadear do mais severo e sincronizado desmoronamento
económico global desde a depressão da década de 1930
reacendeu controvérsias sobre as contraditórias "lei do
movimento" do capitalismo e da própria natureza da moeda
capitalista na esteira do colapso financeiro global que antecedeu o
desmoronamento. A evidência sugere que estas crises recorrentes
tornaram-se mais frequentes, severas e prolongadas durante a era neoliberal a
partir dos meados da década de 1970 e parece ter coincidido com as
políticas de desregulamentação financeira aprovadas
durante este período. Muitos críticos heterodoxos argumentaram
que o fenómeno da "financiarização" jaz no
próprio núcleo destas crises financeiras recorrentes. O objectivo
desta breve análise é examinar a dinâmica da actual fase
debilitante de instabilidade financeira de um ponto de vista histórico.
Quais são as implicações da
"financiarização"? Será que a conjuntura actual
significa os vestígios históricos finais do projecto neoliberal?
O predomínio neoliberal
Num contexto histórico mais vasto, as crises capitalistas são
funcionais e estratégicas. Estas crises significam a
culminação de um processo e o princípio de outro. Num
processo contínuo e latente de transformação, todo
subterrâneo, forças conflituosas vêem à
superfície e trazem à luz os muitos paradoxos da própria
história. Através da dinâmica da catarse e da
reconstrução, as crises capitalistas proporcionam a base material
pelas quais a lucratividade é mais uma vez restaurada. O "abate de
valores capitais", para parafrasear Marx, é um meio
necessário, embora irracional, o qual permite a
reestruturação da produção a fim de estabelecer a
base material e tecnológico para ainda mais outra fase de
acumulação. A recuperação, contudo, não
é nem automático nem inteiramente endógena. O resultado
final dependerá da relação complexa de forças de
classe. Como afirma Dobb de forma bastante aguda: "Estudar crises era
ipso facto
estudar a dinâmica do sistema e este estudo só podia ser
empreendido como parte de uma exame das formas de movimento das
relações de classe e dos rendimentos de classe, os quais estavam
na sua expressão de mercado" (Dobb, 1937:81).
A ascendência do capital financeiro após o longo período de
"repressão financeira" durante a era keynesiana do
pós-guerra foi um elemento integral de uma estratégia muito mais
vasta do estado capitalista para reafirmar a hegemonia do capital
através de políticas de reestruturação neoliberal.
A persistência do grave excesso de capacidade, contudo, nunca foi
plenamente resolvida. Naturalmente, a ejecção forçosa de
capacidade supérflua é precisamente o papel funcional
desempenhado pelas crises capitalistas para neutralizar uma taxa de lucro em
queda e estabelecer a base para uma fase renovada de acumulação.
Embora a estratégia de impor a lógica racionalizadora do mercado
tenha tido êxito em reverter os ganhos anteriores da classe trabalhadora,
a restauração da lucratividade inevitavelmente encontrava os
limites estabelecidos pela falta crónica de procura efectiva. Na maior
parte dos países capitalistas avançados, as desigualdades de
rendimento apenas pioravam ao longo do tempo quando os salários reais
estagnavam. A fim de manter o seu poder de compra real frente a salários
reais estagnados, os trabalhadores foram obrigados a recorrer mais do que nunca
às privações da servidão da dívida. O poder
de compra real foi progressivamente aumentado pelos níveis explosivos de
dívida habitacional (Barba & Pivetti, 2009: 122). Por outro lado, o
efeito riqueza da ascensão dos preços dos activos transformou
milhões de trabalhadores comuns em investidores e actuou como um
poderoso mecanismo de transmissão na manutenção do poder
de compra dos consumidores. Em 1987, 25 por cento das famílias dos EUA
tinham uma posição no mercado de acções. No fim da
década de 1990, mais da metade das famílias estado-unidenses
possuíam acções, tanto directamente como indirectamente
através de fundos mútuos (Harmes, 2001). Na verdade, os activos
financeiros de fundos mútuos e de pensão cresceram em quase dez
vezes desde 1980, estimando-se em cerca de US$20 milhões de
milhões
(trillion)
no fim da década de 1990 (Gilpin, 2000: 32). Na década
1997-2007, os valores imobiliários mais do que duplicaram de
cerca de US$10 milhões de milhões para mais de US$20
milhões de milhões. Os passivos hipotecários elevaram-se
ainda mais depressa durante este período de US$2 milhões
de milhões para mais de US$10 milhões de milhões (Wray,
2007: 27). O rácio do preço mediano da habitação
para o rendimento mediano familiar aumentou de cerca de 3 para 1 em 2000, o
qual reflectia um rácio relativamente estável ao longo das
três décadas anteriores, para um rácio historicamente sem
precedentes de 5 para 1 em 2006 (Lim, 2008: 2). Na verdade, entre 1995 e 2007,
os preços habitacionais subiram mais de 70 por cento em termos reais
(ajustados à inflação). Isto representou um adicional de
US$8 milhões de milhões gerados pelo efeito riqueza habitacional
(Baker, 2007: 2).
Mas estas vitórias neoliberais foram sempre problemáticas e
contingentes. À medida que a crise actual se desdobra, torna-se cada vez
mais evidente que a transformação neoliberal foi em grande medida
auto-derrotante. Quando o estado recupera um papel central em meio às
ruínas de instituições financeiras em bancarrota e das
tentativas desesperadas do estado para socializar perdas e privatizar lucros, a
ideologia neoliberal parece ter perdido toda credibilidade e legitimidade,
inclusive do ponto de vista do próprio capital. Pode-se dizer que a
crise actual significa o prolongamento final dos restos de um projecto
neoliberal desacreditado. O realinhamento de forças de classe sem
dúvida determinará como estas complexas lutas ideológicas
serão consumadas. A crise também aguçará estes
conflitos de classe contraditórios e alimentará forças
sociais anti-sistémicas. Uma breve história do neoliberalismo
revela os limites da própria ideologia que lhe serve e da sua
arrogância distópica. Apesar das vitórias particularmente
pírricas sobre o movimento dos trabalhadores e do êxito relativo
em restaurar a hegemonia do capital, a estratégia neoliberal não
podia resolver os problemas fundamentais da super-acumulação e da
estagnação económica. Os sucessivos booms especulativos
com o preço de activos e de acções em certa medida
contrariam estas tendências estagnacionistas mas acabaram por demonstrar
ser ilusório para a massa da população como testemunhou o
colapso financeiro. Ao mesmo tempo, as três décadas de luta
monetarista contra a inflação deixaram no seu rastro crescimento
económico estagnado; níveis crescentes de desemprego estrutural;
maior insegurança de empregos e de desigualdades de rendimento; e a
re-emergência de forças deflacionárias inextricavelmente
associadas à depressão crónica da procura efectiva.
O fracasso básico da estratégia neoliberal foi a fé
não fundamentada de que o mecanismo de mercado automaticamente
asseguraria que os lucros acrescidos gerados através da
redução da fatia salarial no rendimento nacional seriam finalmente
canalizados para o investimento produtivo. Em retrospectiva, contudo, a
evidência sugere que a restauração da taxa de lucro foi
alcançada esmagadoramente através de formas de
exploração intensivas ao invés de extensivas, as quais
tiveram o efeito geral de aumentar a taxa de produtividade através da
reestruturação e racionalização do mercado de
trabalho. Consequentemente, as forças purgativas induzidas por uma
intensificação da competição fracassaram no
relançamento produtivo e no dinamismo tecnológico; ou naquilo a
que se referia Schumpeter como as tempestades da "destruição
criativa". Ao invés de proporcionar os fundamentos para a
reconversão tecnológica e a melhoria industrial, os aumentos
drásticos nos lucros agregados foram dissipados em fusões e
aquisições corporativas, engenharia financeira especulativa e
outras formas de extracção de renda e despesas totalmente
improdutivas. Na esteira da desregulamentação financeira do
princípio da década de 1980, estas propensões
especulativas atingiram proporções verdadeiramente espantosas e
levaram a uma série sem precedentes de booms de preços de
activos. O ciclo de negócios tornou-se quase inteiramente dependente de
bolhas nos preços de activos. A vulnerabilidade real deste regime de
acumulação conduzido pelas finanças é que foi
baseado sobre o maior boom de acções da história moderna.
O boom especulativo da década de 1980 nos Estados Unidos já
atingiu o seu zênite. O estouro da bolha financeira está agora a
repercutir numa escala global.
O mito do mercado pintado pelas mais altas sumidades da teoria
económica neoclássica como o portador da eficiência
distributiva
(allocative)
e a fonte de dinamismo competitivo e inovador foi na realidade um
dispositivo ideológico para esconder os interesses reais de poderosos
oligopólios corporativos. A consolidação do domínio
de classe envolveu a redistribuição gradual da riqueza
através de cortes fiscais, privatização e
desregulamentação, dos receptores de salários comuns para
os escalões mais altos de accionistas ricos e seus aliados subalternos
da classe corporativa. Sem considerar os encarregados dos seus partidos
políticos, o estado neoliberal implacavelmente buscou a visão
distópica de um império informal da livre empresa (Arrighi,
1978). A lenga-lenga do comércio livre e do impulso para mercados de
trabalho desregulamentados acompanhou estas panacéias neoliberais,
enquanto privatizações por atacado proporcionaram um terreno
fértil na reprodução expandida do capital para os sectores
antigamente de propriedade estatal e regulados (isto é, transportes,
educação, serviços públicos, infraestrutura social
e serviços, recursos naturais, etc). Estes processos de
"acumulação por despojamento" foram retratados por
Harvey de forma incisiva: "Se os principais feitos de neoliberalismo foram
redistributivos ao invés de produtivos, então é preciso
encontrar caminhos para transferir activos e redistribuir riqueza e rendimento
da massa da população rumo às classes superiores ou dos
países vulneráveis para os mais ricos (isto é,
acumulação por despojamento)" (Harvey, 2006: 43).
Financiarização
Nas modernas economias complexas, uma parte grande e crescente de capital
dinheiro (isto é, dinheiro investido tendo em vista ganhar mais
dinheiro) não é transformado directamente em capital produtivo
que sirva como meio através do qual o valor excedente é
extraído da utilização produtiva da força de
trabalho. Ao invés disso, é utilizado para comprar instrumentos
financeiros que rendam juros ou dividendos... A muitos capitalistas é
oferecida uma enorme variedade de instrumentos financeiros para escolhe
acções e títulos, certificados de depósito, fundos
do mercado monetário, títulos de toda espécie de activos,
opções para comprar e vender, contratos futuros e assim por
diante. Não há presunção, quem dirá certeza,
de que o dinheiro investido em qualquer destes instrumentos chegará,
directa ou indirectamente, à formação de capital real. Ele
pode muito bem permanecer na forma de capital dinheiro a circular à roda
do sector financeiro, alimentando o crescimento de mercados financeiros os
quais cada vez mais ganham vida por si próprios. (Magdoff & Sweezy,
1987: 96-97)
O predomínio do capital financeiro foi a força condutora por
trás do neoliberalismo. Os poderosos interesses rentistas, que estiveram
numa longa hibernação durante a "era dourada" do
keynesianismo do pós-guerra, agora assumiram o centro do palco,
propagando as doutrinas do "valor do accionista" e das
"finanças sadias". O assalto da estagflação nas
décadas de 1970 e 1980, em resultado de sucessivos choques no
preço do petróleo, testemunhou as ascensão do monetarismo
quando os rentistas vociferavam pela restauração do valor dos
seus activos financeiros "depredados" pela inflação e
pela ameaça apresentada pelo movimento dos trabalhadores ao procurarem
aumentar a fatia relativa dos salários. Na verdade, Kalecki já
havia previsto os aspectos políticos do pleno emprego no seu artigo
seminal de 1943. Kalecki argumentou que o pleno emprego não seria
tolerado pelos "capitães de indústria" por causa da
ameaça que isto apresentaria para a manutenção da
disciplina dos trabalhadores nas fábricas e porque acabaria por
enfraquecer o papel desempenhado pelo exército industrial de reserva na
compressão dos salários (Kalecki, 1943). A ascensão do
monetarismo foi precisamente a panaceia que Kalecki havia assustadoramente
previsto, o qual ostensivamente restauraria a lucratividade e o valor para o
accionista. A ressurreição de doutrinas económicas
pré-keynesianas testemunhou o renascimento da Lei de Say do mercado sob
o disfarce moderno da "hipótese dos mercados eficientes". A
ideologia destas doutrinas
laissez faire
foi enfeitada com o dogma dos excedentes orçamentais, o abandono das
políticas de pleno emprego e o retrocesso do estado. Na ausência
de modos compensatórios de regulação do estado e de
governação, o fundamentalismo do mercado inevitavelmente destruiu
as instituições keynesianas do pós-guerra e os respectivos
modos de regulação (Boyer 1996: 108). A persistência de
altos níveis de desemprego, pânicos financeiros mais
voláteis e a emergência de super-capacidade semi-permanente
caracterizaram a era neoliberal desde meados da década de 1970.
A crise de super-acumulação significa que os mercados tornaram-se
saturados e a fim de reinvestir lucrativamente, os mercados financeiros
tornaram-se os canais através dos quais uma proporção
crescente de capital é mantida e reinvestida na sua forma
líquida, enquanto um volume sempre sempre crescente é dedicado
quase inteiramente à especulação a curto prazo. Não
há dúvida: as sucessivas ondas de financiarização
desde meados da década de 1970 foram marcadas por booms e quedas
especulativas e predatórias nos preços de activos. A
desregulamentação financeira desencadeou estas poderosas
forças redistributivas através do despojamento
(dispossession).
A ascensão totalmente extraordinária do endividamento privado
reduziu populações inteiras à escravidão pela
dívida
(debt peonage)
e atraiu milhões para o turbilhão das manias especulativas que
emanavam dos casinos do mercado de acções. Trabalhadores comuns
eram agora arrastados para este redemoinho dos mercados financeiros quando a
sua riqueza, na forma de imóveis e fundos mútuos ou de
pensão, era cada vez mais sujeita às vicissitudes destes mercados
voláteis. Em suma, a lógica da financiariação
penetrou nas vidas de assalariados e inseriu a ideologia do mercado na
reprodução das relações sociais capitalistas. Este
processo foi reforçado pela ideologia dominante do neoliberalismo, a
qual era prosseguida implacavelmente pelo estado neoliberal pois servia para
abrir a esfera pública ao investimento e propriedade privadas. Com a
redução da intervenção do estado e do investimento
público, a privatização e as políticas de
desregulamentação gradualmente destruíram as
instituições e os regimes de regulação
estabelecidos durante a era keynesiana do pós guerra.
A financiarização propagou a doutrina do valor para o accionista
(shareholder value),
a qual em breve começou a ditar os imperativos da
governação corporativa. Ganhos financeiros a curto prazo baseado
sobre a maximização de retornos da fatia de mercado logo
eclipsaram e finalmente minaram estratégias de investimento a longo
prazo. Uma classe empresarial parasita, motivada pelos ganhos especulativos a
curto prazo, na forma de opções de acções
bónus, tornou-se a nova predadora corporativa. A busca de valor a curto
prazo para o accionista muitas vezes era invocada para promover a
redução da força de trabalho e a
distribuição dos rendimentos retidos aos accionistas (Lapavitsas,
2008: 25-26). Esta estratégia também levou a ondas recorrentes de
fusões e aquisições hostis durante os booms de
acções das décadas de 1980 e 1990 e finalmente à
maciça super-valorização da capitalização de
mercado incentivada pelo boom dos preços das acções e
sustentada por operações de alavancagem sem precedentes. Todo
este processo apoiou e acentuou o boom do mercado de acções da
década de 1990 e gerou o enriquecimento ilusório criado por
bolhas temporárias nos preços de activos e pelos igualmente
alucinatórios efeitos riqueza induzidos pela euforia financeira.
Inicialmente conduzida pelos fundos mútuos e de pensão e
posteriormente emulados pelos hedge funds mais propensos ao risco, a teologia
do valor para o accionista mobilizou e converteu milhões de
trabalhadores comuns em accionistas. A ideologia neoliberal por si só
não podia ter mobilizado este vasto movimento popular. Como observa
Minsky: "Os fundos mútuos e de pensão fizeram a
administração de negócios especialmente sensível
à valorização corrente das acções da firma.
Eles são um ingrediente essencial na acentuação da
natureza predatória do actual capitalismo americano" (Minsky, 1996:
363).
Em termos de capitalização do mercado acções, o
valor de activos financeiros e do rendimento baseado nas finanças
ascendeu dramaticamente desde a era neoliberal. Nos EUA, por exemplo, a
capitalização do mercado de acções em percentagem
do PIB aumentou da sua média de longo prazo de cerca de 50 por cento
durante a era do pós guerra para mais de 128 por cento em 2008 depois de
atingir o pico de 185 por cento no zênite da bolha das dot.com em 1999. O
rácio dos lucros das instituições financeiras em
relação aos lucros das corporações não
financeiras ascendeu de cerca de 15 por cento em média nas
décadas de 1950 e 1960 para quase 50 por cento em 2001 (Crotty, 2005:
85). Outro indicador do grau de financiarização é o
nível da dívida privada ou a dimensão relativa do mercado
de crédito dos EUA. Em 1981, por exemplo, o valor do mercado de
crédito estado-unidense era estimada em 168 por cento do PIB. Em 2007,
este número era de mais de 350 por cento. Ao mesmo tempo, a fatia dos
lucros corporativos tais acumulado no sector financeiro expandiu-se de apenas
10 por cento no princípio da década de 1980 para 40 por cento em
2006 (Crotty, 2008: 10). A crescente dependência de grandes
corporações da emissão de dívida via mercados
financeiros abertos ao invés da tomada de empréstimos junto a
bancos comerciais reforçou todo este processo de
financiarização. Os bancos comerciais foram portanto privados das
suas fontes tradicionais na concessão de empréstimos a
corporações e começaram a empenhar-se em
operações especulativas directas no imobiliário e nos
mercados de acções. A outra nova e grande escapatória para
os bancos comerciais foi a saturação dos mercados de
crédito habitacional em hipotecas e crédito ao consumidor.
Após a desregulamentação financeira, os bancos comerciais
também expandiram a sua presença no mercado da
mediação financeira através de transacções
em títulos, derivativos e assim por diante. A mais espantosa
evidência da financiarização foi sem dúvida a
elevação astronómica dos contratos de derivativos. O
volume do mercado de derivativos só nos EUA elevou-se de cerca de
três vezes o PIB global no ano de 1999 para umas estimadas 11 vezes o PIB
global em 2007. Os derivativos credit default swaps (CDSs) foram estimados em
US$62 milhões de milhões em 2007 (Crotty, 2008: 10). Como
observam Bryan e Rafferty:
Nos mercados globais de divisas o movimento diário cresceu 50 vezes
desde o princípio da década de 1980 e agora é cerca de
US$1,9 milhão de milhões por dia. Dois terços disto
é transaccionado em mercados derivativos, com três quartos deste
comércio de derivativos (metade do mercado total) constituído por
swaps de câmbios estrangeiros. Para colocar este movimento diário
de US$1,9 milhão de milhões em perspectiva, o valor anual do
comércio internacional é de menos de US$6 milhões de
milhões; igual a aproximadamente três dias comerciais nos mercados
de câmbios estrangeiros. (Bryan & Rafferty, 2006: 55)
O efeito generalizado do desconectar da intermediação financeira
por parte dos bancos comerciais foi tornar todo o sistema bancário mais
frágil (Toporowsky, 2008: 9-10). Como advertiu Minsky com bastante
presciência, a inovação financeira através do
processo de "titularização"
("securitisation")
comutou toda a estrutura do sistema financeiro na direcção de um
estado de instabilidade crónica e perigosa: "Na
titularização, os instrumentos financeiros subjacentes (tais como
empréstimos hipotecários para habitação) e os
fluxos de caixa que se espera que gerem são as bases aproximadas para a
emissão de papel comercial. O rendimento do papel (fluxos de caixa)
é substituída pelos lucros ganhos pelos activos reais,
rendimentos familiares ou receitas fiscais como a fonte do fluxo de caixa para
suportar as promessas dos papeis" (Minksy, 2008: 4). A
desregulamentação financeira acelerou este processo minskiano de
empurrar o sistema financeiro para uma zona de instabilidade extrema. A
revogação nos EUA do Glass-Steagall Act em 1999, o qual havia
impedido os bancos comerciais de se envolverem em actividade de banca de
investimento, representa um marco histórico nos anais da história
financeira recente. Sem dúvida, a eliminação desta
legislação, a qual foi posta em vigor em meio ao colapso do
sistema bancário estado-unidense na década de 1930, foi o
culminar de mais de três décadas de
desregulamentação financeira radical. Em retrospectiva, há
uma argumentação muito sólida a sugerir que o tumulto
financeiro de 2008-09 significa o cataclismo destrutivo final de mais de
três décadas de desastrosas políticas económicas
neoliberais.
Conclusão
A crise actual revela bastante incisivamente as limitações das
teorias neoclássicas existentes do equilíbrio geral e desmascara
o mito monetarista da neutralidade da moeda. Muito ironicamente, decisores
políticos por todo o mundo têm procurado alguma
orientação no renascimento de teorias neo-keynesianas e tentaram
reaprender algumas das lições da depressão da
década de 1930. Se estas políticas fiscais e monetárias
expansionistas a curto prazo serão suficientes para estabilizar o
desabamento e reactivar uma recuperação sincronizada ainda
está para ser visto. Pela primeira vez em mais de seis décadas, a
economia mundial está agora no patamar de um severo período de
baixa sincronizado, o qual engolfou os três principais pólos de
acumulação no Extremo Oriente, na UE e nos EUA. As únicas
questões que permanecem referem-se à severidade da baixa que
está a emergir. Por outras palavras, será a dinâmica da
dívida-deflação e o excesso de capacidade a caracterizar
as economias centrais da Europa, dos Estados Unidos e do Extremo Oriente?
Além disso, há uma probabilidade real de que a economia mundial
possa resvalar para dentro de outra fase de depressão.
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Da Universidade de Western Sydney, Austrália,
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O original encontra-se em
real-world economics review,
nº 51, 1 December 2009, pp. 48- 54,
http://www.paecon.net/PAEReview/issue51/Lucarelli51.pdf
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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