A crise da dívida do Brasil
Como o Brasil pode defender-se da financiarização e
manter o
excedente económico para si próprio
por Michael Hudson
Brasilia, 17/Setembro/2010
O modo de integração global pós-1945 viveu para além da
sua promessa inicial. Tornou-se explorador ao invés de apoiar o
investimento em capital, infraestrutura pública e padrões de vida.
Na esfera do comércio, os países precisam reconstruir a sua
auto-suficiência em cereais alimentares e outras necessidades
básicas. Na esfera financeira, a capacidade dos bancos para criar
crédito (empréstimos) a quase nenhum custo nos teclados dos
computadores levou a América do Norte e a Europa a tornarem-se
infestadas por dívida e agora procuram entrar no Brasil e outros
países BRIC através do financiamento de compras de empresas
(buyouts)
ou efectuando empréstimos contra os seus recursos naturais,
imobiliário, infraestrutura básica e indústria.
Especuladores, árbitros e instituições financeiras
utilizando "dinheiro gratuito" vêm estas economias como
escolhas fáceis. Mas ao obrigarem países a defenderem-se
financeiramente, a sua criação predatória de
crédito está a acabar a era dos movimentos livres de capital.
Será que o Brasil realmente precisa de entradas de crédito
externo para a despesa interna quanto pode criar isto em casa?
Empréstimos estrangeiros acabam no seu banco central, o qual investe as
suas reservas em títulos do Tesouro dos EUA e em euro que rendem baixos
retornos e cujo valor internacional é provável que decline contra
as divisas dos BRIC. Assim, aceitar do Norte crédito e "entradas de
capital" para compra de empresas proporciona um "almoço
gratuito" para os emissores das divisas chave, dólares e euros, mas
não ajuda muito as economias locais.
Gostaria de colocar o tema deste seminário,
"Governação global", no contexto do controle global, o
qual é o principal significado de "governação".
A palavra (do grego
kyber
) significa "pilotagem". A questão é, rumo a que
objectivo está a economia mundial a ser pilotada?
Isso obviamente depende de quem está a fazer a pilotagem. Quase sempre
têm sido os países mais poderosos que organizam o mundo de maneira
a transferir rendimento e propriedade para si próprios. Desde o
Império Romano até a Europa moderna tais transferências
assumem principalmente a forma de tomada militar e tributo. Os conquistadores
normandos posicionaram-se como uma aristocracia da terra extraindo renda da
massa da população, tal como o fizeram os conquistadores
nórdicos da França e outros países. A Europa
posteriormente tomou recursos pela conquista colonial, cada vez mais
através de oligarquias locais clientes.
A história natural da dívida e da financiarização
Hoje, o manobrismo financeiro e a alavancagem da dívida desempenham o
papel da conquista militar nos tempos passados. O seu objectivo é ainda
controlar terra, infraestrutura básica e o excedente económico
e também obter o controle das poupanças nacionais, da
banca comercial e da política do banco central. Esta conquista
financeira é alcançada pacificamente e mesmo voluntariamente ao
invés de militarmente. Mas o objectivo é o mesmo: fazer as
populações sujeitas pagarem como devedoras e como
parceiras comerciais júnior, dependentes. As endividadas "economias
hospedeiras" estão numa posição semelhante à
de países derrotados. Elas perdem soberania sobre a sua própria
política financeira, económica e fiscal quando o seu excedente
é transferido para fora. A infraestrutura pública é
vendida a estrangeiros que compram-na a crédito, sobre o qual pagam
juros e comissões que são consideradas como
deduções fiscais, apesar de serem a estrangeiros.
O Consenso de Washington aplaude esta política pró-rentistas. A
sua ideologia neoliberal sustenta que o caminho mais eficiente para a riqueza
é retirar o planeamento económico das mãos do governo e
transferi-lo para as dos banqueiros e administradores de dinheiro
responsáveis pela privatização e
financiarização da economia. Quase sem qualquer
percepção, esta visão está a substituir a lei
clássica dos países baseada na ideia da soberania sobre a
política da dívida e financeira, a política
tarifária e a fiscal. A própria ideologia tornou-se uma arma
económica. Aos governos endividados tem sido dito, desde 1980, para
venderem a sua infraestrutura pública a investidores estrangeiros.
Encargos extractivos com "portagens" (também chamados renda
económica) substituem pagamentos moderados ou subsidiados do
público utilizar, tornando as economias menos competitivas e
encurralando-as ainda mais no beco da dívida quando o excedente é
transferido para o exterior, em grande medida livre de impostos.
O que o mundo experimenta face ao globalismo de hoje é uma crise no
carácter da nacionalidade e da soberania económica. Banqueiros no
Norte consideram qualquer excedente económico renda
imobiliária, fluxo de caixa corporativo ou mesmo o poder de
tributação do governo ou a capacidade para vender empresas
públicas como uma fonte de receita para pagar juros sobre
dívidas. O resultado é uma economia mais alavancada por
dívida em todos os países. O investimento estrangeiro, o
empréstimo bancário, a privatização da
infraestrutura pública e especulação com divisas é
agora administrado a partir da perspectiva dos banqueiros.
Há uma grande excepção quanto a ceder a política
nacional ao controle estrangeiro: os próprios Estados Unidos são
de longe a maior economia devedora do mundo. Enquanto mobilizam o poder do
credor para forçar outros devedores a privatizarem seus sectores
públicos e anuir a um proteccionismo unilateral estado-unidense, os
Estados Unidos são o único país capaz de emitir a sua
própria divisa (dívida do Tesouro) e crédito
bancário internacional sem limites, a uma taxa de juro mais baixa do que
qualquer outro país e mesmo sem quaisquer meios previsíveis para
pagar.
Este duplo padrão transformou o carácter das finanças
internacionais e o significado dos influxos de capital. O dinheiro já
não é um activo na forma de barras de ouro ou prata que reflectem
o que foi produzido pelo trabalho. O dinheiro é crédito e
portanto encontra a sua contrapartida em dívida no lado do passivo do
balanço. Uma vez que os Estados Unidos suspenderam a convertibilidade do
dólar em ouro em 1971, o dinheiro internacional as
poupanças dos bancos centrais assumiram a forma sobretudo de
dívida do Tesouro dos EUA, isto é, empréstimos aos Estados
Unidos para financiarem os seus défices gémeos da balança
de pagamentos e orçamental (ambos os quais são em grande medida
de carácter militar). Enquanto isso, o crédito da banca comercial
interna assume a forma de dívida privada dívida
hipotecária, dívida corporativa (cada vez mais por takeovers
alavancados por dívida) e mesmo empréstimos para
especulação em apostas com derivativos financeiros e divisas.
Pouco crédito bancário tem ido para o financiamento de
investimento tangível de capital. A maior parte de tal investimento tem
sido paga a partir de rendimentos retidos de negócios, não
empréstimos bancários. E os bancos e casas correctoras têm
financiado
takeovers,
os novos compradores ou atacantes
(raiders)
tiveram de desviar fluxo de caixa corporativo para reembolsar os seus credores
ao invés de expandir a produção. Foi assim como os EUA e
outras economias tornaram-se financiarizadas e pós-industrializadas. A
sua experiência deveria servir como uma lição objectiva do
que o Brasil e outros países precisam evitar.
Os empréstimos da banca estado-unidense têm sido a principal
dinâmica a alimentar a inflação global do
imobiliário e dos preços das acções e
títulos, reforçados ao longo da última década pelos
empréstimos da banca europeia. O dólar a crédito (como o
yen a crédito após 1990) é criado
"gratuitamente" sem o constrangimento que costumava ocorrer quando
fluxos de saída de capital forçavam os bancos centrais ou a
elevar taxas de juro nacionais ou perder os seus stocks de ouro. De facto,
qualquer economia hoje pode criar o seu próprio crédito interno
nos seus próprios teclados de computador os do seu banco central
e dos seus bancos comerciais. Sob as condições de hoje,
empréstimos estrangeiros não proporcionam recursos que os
países hospedeiros não possam criar por si mesmos. O efeito do
crédito estrangeiro quando convertido em divisa interna é
meramente sugar juros e renda económica.
Não é amplamente reconhecido que a maior parte dos
empréstimos da banca comercial simplesmente anexam dívida a
activos existentes (acima de tudo, imobiliário e infraestrutura) ao
invés de serem investidos na criação de novos meios de
produção, ou para empregar trabalho, ou mesmo ganhar um lucro. Os
bancos preferem emprestar contra activos já existentes
imobiliários ou companhias inteiras. De modo que a maior parte dos
empréstimos bancários é utilizada para
elevação de preços por activos, especialmente aqueles
cujos preços espera-se ascenderem o suficiente para pagar o juro sobre o
empréstimo.
O facto de banqueiros poderem criar dívida portadora de juro à
vontade com pequeno custo de produção coloca a questão de
se se deve deixar este almoço gratuito (renda económica) em
mãos privadas ou tratar a criação de moeda como um bem
público "institucional". Os economistas clássicos
instavam a que tais privilégios de geração de renda fossem
regulados para manter preços e rendimentos alinhados com os custos de
produção necessários. O meio mais seguro para isto era
manter monopólios no domínio público a fim de proporcionar
serviços básicos a custo mínimo ou gratuito enquanto
impostos territoriais e pagamentos do utilizador podiam servir como a fonte
principal de receita pública. Este princípio foi flagrantemente
violado pela prática de erigir "portagens" privatizadas que
extraem receitas de rendas sem um custo de produção
correspondente. Isto foi feito de um modo que beneficia apenas uns poucos
selectos.
A explosão descontrolada de crédito global e de dívida
e, portanto, a pressão para liquidar monopólios naturais
no domínio público é em grande medida um resultado
da explosão de crédito desencadeada após o fim da
convertibilidade do ouro em 1971. Como observado acima, o subsequente
padrão dos Títulos do Tesouro dos EUA deixou os bancos centrais
estrangeiros sem nenhum veículo no qual manter as suas reservas
internacionais excepto empréstimos ao US Treasury. Isto dá
rédea solta ao défice da balança de pagamentos dos EUA, a
qual traduz-se em rédea solta militar. Depois de a Guerra da Coreia ter
forçado o dólar ao status do défice em 1951, os gastos
militares além-mar através de toda a década de 50 e de 60
equivaleram a todo o défice de pagamentos dos EUA. O sector privado
estava quase exactamente em equilíbrio durante estas décadas, ao
passo que a "ajuda ao estrangeiro" dos EUA realmente gerou um
excedente de balança de pagamentos, em resultado da ajuda ligada a
exportações dos EUA ao invés de sê-lo às
necessidade de ajuda dos países receptores.
Enquanto outros países incorrendo em défices comercial e de
pagamentos devem aumentar as suas taxas de juro para estabilizar as suas
divisas, os Estados Unidos reduziram as suas taxas de juro. Isto aumentou a
"taxa de capitalização" das suas rendas
imobiliárias e rendimentos corporativos, permitindo aos bancos
emprestarem mais contra colaterais com preços mais elevados. Propriedade
é valor seja o que for que os bancos emprestem contra ela,
de modo que a economia dos EUA tem sido capaz de utilizar a rédea solta
do padrão dólar para carregar-se a si própria com um
encargo de dívida sem precedentes
um encargo que tradicionalmente foi sofrido só por países
que combatem guerras no exterior ou pressionados por pagamentos de
reparações. Este é o legado auto-destrutivo do
padrão da Letra do Tesouro.
Isto é uma lição objectiva para o Brasil evitar. O vosso
país hoje está a receber influxos na balança de pagamentos
quando bancos estrangeiros e investidores criam crédito para
emprestá-lo contra o vosso imobiliário, recursos naturais e
indústria. O seu objectivo é obter o vosso excedente
económico na forma de pagamentos de juros e rendimentos,
transformando-vos numa economia de portagens rentistas.
Por que deveriam vocês precisar destes "influxos de capital"
que extraem juros, rendas e lucros como retorno do "crédito de
teclado de computador" que podem criar por si próprios?
No mundo de hoje, nenhum país precisa de crédito do exterior para
gastos em divisas internas na sua própria casa.
O Brasil deveria evitar deixar credores estrangeiros capitalizarem o seu
excedente económico na forma de serviço de dívida e outros
pagamentos.
O caminho para evitar este destino já foi esboçado desde os
fisiocratas franceses e Adam Smith até John Stuart Mill e os
reformadores da Era Progressista
[NT 1]
. Eles recomendavam que através do fim
de privilégios especiais legados pelas conquistas militares da Europa
(privatização da renda da terra) e pela colecta do
"almoço gratuito" do rendimento rentista como a base fiscal,
esta receita podia ser salva de ser privatizada e capitalizada em
empréstimos bancários. Tributar a terra e o recurso à
renda reduz o custo de vida e de fazer negócios não só
pela remoção do fardo fiscal sobre o trabalho e a
indústria como também por manter baixos os preços da
habitação e do imobiliário.
No século XIX o sistema americano de economia política estava
baseado, correctamente, na percepção de que trabalho altamente
pago é trabalho mais produtivo, assim como o trabalho bem-educado,
bem alimentado e bem vestido supera o trabalho "paupérrimo".
A chave para a competitividade internacional é portanto a
elevação de salários e padrões de vida, não
o seu rebaixamento.
Isto é especialmente o caso do Brasil, dada a sua necessidade de elevar
a produtividade do trabalho pela melhor educação, saúde e
sistemas de apoio social se quiser prosperar independentemente no século
XXI. E se for para elevar o investimento de capital e padrões de vida
libertos de serviço de dívida e de preços mais elevados de
habitação, o Brasil precisa impedir que o excedente da economia
seja transformado num "almoço gratuito" na forma de renda da
terra, renda de recursos e renda de monopólio e salvar este
excedente económico de banqueiros que procuram capitalizá-lo em
pagamentos de dívida. Isto é melhor conseguido tributando o
potencial rentista que transforma o excedente em encargo desnecessário.
A visão das economias pelos olhos dos banqueiros
O plano de negócios dos departamentos de marketing dos bancos é
capitalizar qualquer excedente económico para o serviço de
dívida. Responsáveis por empréstimos vêm qualquer
fluxo de rendimento como potencialmente disponível para ser capturado
como pagamentos de juros. O seu sonho de crescimento e êxito financeiro
é ver todo o excedente capitalizado em serviço de dívida
de empréstimos. Renda líquida imobiliária, fluxo de caixa
corporativo
(ebitda: earnings before interest, taxes, depreciation and amortization,
rendimentos antes de juros, impostos, depreciação e
amortização), rendimento pessoal acima das necessidades
básicas de despesas e receitas fiscais líquidas de governo podem
então ser capitalizadas à medida que os bancos concedam
empréstimos. E quanto mais crédito concederem, mais elevados
serão os preços para o imobiliário, as
acções e os títulos.
Assim, a concessão de empréstimos da banca é aplaudida por
tornar as economias mais ricas, mesmo quando famílias e negócios
são sobrecarregados com cada vez mais dívida. Taxas de juro mais
baixas, pagamentos iniciais mais baixos, períodos de
amortização mais extensos e mesmo a concessão fraudulenta
de empréstimos imprudentes aumentam portanto a "taxa de
capitalização" do imobiliário e a receita dos
negócios. Isto é aplaudido como "criação de
riqueza" a qual se verifica ser inflação de
preços de activos alavancados por dívida que podem infectar uma
economia inteira. Isto está muito distante do que Adam Smith escreveu em
A riqueza das nações.
O limite desta política é atingido quando todo o excedente
económico é transformado em serviço de dívida.
Neste ponto, a economia está plenamente financiarizada. O rendimento
gasto para pagar dívidas não está disponível para
novo investimento ou gastos de consumo, de modo que a economia "real"
está estrangulada pela dívida e tem de encolher.
Esta é a razão porque a recente decolagem financeira acabou num
crash. Esta é a razão porque grande parte do mundo hoje
está a verificar, fora do Brasil e dos demais países BRIC, que
não acompanharam totalmente o caminho da financiarização
neoliberal até a sua culminação em deflação
da dívida e austeridade.
O Banco Mundial e o FMI não são reformáveis, porque
são baseados numa filosofia económica destrutiva.
O documento CDES fala de "reformar" o FMI, o Banco Mundial e mesmo as
Nações Unidas. Não acredito que esta esperança seja
realista. Como analisei em
Super Imperialism
(1972 e 2002), o Banco Mundial e o FMI estão comprometido com uma
filosofia basicamente destrutiva, sob a bandeira eufemística do
"livre comércio" e de "mercados de capital livres e
abertos".
No caso do desenvolvimento agrícola, o Banco Mundial está
autorizado apenas a fazer empréstimos em divisa estrangeira destinado a
aumentar exportações. Os seus empréstimos consequentemente
têm sido para estradas e infraestrutura de exportação,
não para desenvolver a economia local. O foco do Banco sobre
plantações para exportação de colheitas levou
à sua super-oferta global, reduzindo os termos de troca do Terceiro
Mundo ao mesmo tempo que desvia os padrões agrícolas da
alimentação às populações do Terceiro Mundo
com colheitas internas de cereais para dependerem dos excedentes de cereais
estado-unidenses e europeus a preços elevados e com excedentes no
comércio de cereais!
Este padrão comercial beneficia os países industriais
exportadores de cereais enquanto conduz a periferia à dependência
alimentar e à dívida situação para a qual a
palavra "interdependência" se tornou o eufemismo
burocrático. Noto que esta palavra de cara sorridente
interdependência aparece na primeira sentença da brochura
desta reunião. Ela implica anuência à
globalização, como se esta fosse desejável em si mesma e
mutuamente benéfica para todas as partes. Mas no mundo de hoje,
interdependência implica três modos de dependência: (1)
dependência alimentar, (2) dependência militar e (3)
dependência da dívida. O Consenso de Washington promovido pelo
Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a ajuda bilateral dos
EUA reforça estes três modos de dependência, promovendo a
hegemonia financeira e militar estado-unidense.
AGÊNCIAS DE CLASSIFICAÇÃO DE CRÉDITO
A resultante drenagem de pagamento a credores e a ausência de
investidores nos países força venda em liquidação
do seu domínio público a fim de equilibrarem os seus
orçamentos. As agências de classificação de
crédito ameaçam degradar países que não
"cooperam" abrindo mão dos seus níveis de comando
a sua infraestrutura básica, juntamente com a sua terra,
água e outros recursos naturais a preços vis.
Classificações de crédito mais baixas ameaçam
forçar estes países a pagarem juros muito mais altos. Este
sistema captura-os na armadilha de deixar os privatizadores extraírem
renda económica.
Desde cerca de 1950 até 1980, o Banco Mundial e consórcios da
banca comercial emprestaram dinheiro a governos para instalarem a sua
infraestrutura básica. Agora que estes empréstimos estão
liquidados, os bancos estão a emprestar outra vez para compradores
privados destes activos. Os novos proprietários esperam sem
dúvida erguer portagens sobre esta infraestrutura até agora
pública e a "despesa" da sua receita na forma de juros
fiscalmente dedutíveis, encargos de subscrição, altas
taxas de administração e outros "custos de
produção" em grande medida fictícios. A ortodoxia da
contabilidade globalizada permite a investidores estrangeiros transferirem as
receitas cobradas aos utilizadores e outras rendas económicas para fora
do país, sem impostos. Isto conduz as economias hospedeiras, mais uma
vez, ao défice da balança de pagamento, levando a ainda mais
liquidações e mesmo a drásticos descontos com
preços de desespero.
A reforma fiscal e financeira deve andar a par para criar crescimento mais
estável
O documento para esta conferência refere-se ao crescimento da
população do Terceiro Mundo como estando a afectar a
"importância relativa dos países desenvolvidos". Em
tempos passados, população significava uma vantagem militar, bem
como oferta de trabalho para a produção. Mas as finanças
exercem hoje controle dominante. Os países principais estão
desejosos de ver o Brasil e outros países BRIC crescerem e exportarem
suficientes bens de trabalho intensivo e matérias-primas para pagarem o
crescimento das suas dívidas. O que querem os interesses rentistas
é o excedente económico, na forma de serviço de
dívida (juros, amortizações e taxas) e rendas de
monopólio na forma de encargos de portagem de estradas e outras
infraestruturas públicas que estão a ser privatizadas. Eles
aumentam ainda mais o estrago pedindo aos governos que se coíbam de
tributar estas conquistas, através da permissão de que os juros e
outros encargos tecnologicamente desnecessários sejam fiscalmente
dedutíveis. Uma ilusão de não-lucro (e portanto,
não tributável) do negócio é dada também
seguindo a pretensão contabilística de preços de
transferência ficticiamente baixos nas exportações.
Os contabilistas corporativos quantificam estes estratagemas tendo em vista
deixar pouco rendimento líquido para ser relatado e tributado. Sob este
mapa falso da realidade económica, aparentemente as estatísticas
empíricas servem principalmente para preservar a enganosa teoria
económica neoliberal por trás delas.
[1]
Para manter o seu monopólio da criação do dinheiro, os
países credores pedem que os governos não utilizem os seus bancos
centrais para fazer aquilo para que os bancos centrais de todo o mundo foram
originalmente fundados: financiar défices do orçamento
público pela monetização dos mesmos a fim de se tornarem a
base nacional do crédito. A pretensão é de que seria
inflacionário para bancos centrais financiar os défices
orçamentais dos seus governos. Mas isto não é mais
inflacionário do que permitir aos bancos centrais e comerciais dos
Estados Unidos e da Europa criarem crédito nos seus próprios
teclados de computador!
O Banco Central Europeu insiste em que os governos contraiam empréstimos
só junto a bancos comerciais e outros credores do sector privado
e mesmo que agências de bancos estrangeiros em países hospedeiros
possam denominar empréstimos na divisa utiliza pela sede ou em outras
divisas estrangeiras. Agências de bancos suecos na Letónia e
agências de bancos austríacos na Hungria fizeram assim
empréstimos denominados em Euros. Os bancos do país credor podem
dessa forma invadir e conquistar pela criação do seu
próprio crédito electrónico local, violando a primeira
directiva da administração financeira sensata: nunca denominar
dívidas em divisa estrangeira
hard,
quando o seu rendimento é em divisa interna
soft.
O pedido de que os países "equilibrem os seus
orçamentos" é um eufemismo para a venda em saldo do
domínio público, cortes em pensões e despesas
públicas com educação, cuidados médicos e outras
pré-condições básicas para elevar a produtividade
do trabalho. Tal austeridade pede o oposto das políticas keynesianas
seguidas pelos próprios Estados Unidos. As economias sujeitas ao
Consenso de Washington caem mais e mais para trás, tornando a economia
global mais polarizada e instável. O colapso do "Tigres
bálticos" e de outras economias pós-soviéticas em que
planeadores neoliberais tiveram liberdade de acção mostra-se uma
lição objectiva de quão auto-destrutivas são estas
políticas para os países que a elas se submetem.
O que é irónico é que a filosofia fiscal que favorece a
alavancagem da dívida ao invés do investimento por emissão
de acções está a destruir as economias credoras assim como
a periferia financiarizada! Sem dúvida: Esse é o ricochete que a
Europa e América do Norte estão agora a experimentar. Eles
permitiram que a criação de crédito livre sujeitasse as
suas próprias economias à deflação da dívida
[2]
as mesmas políticas disfuncionais que arruinaram o
desenvolvimento do Terceiro Mundo desde a década de 1960.
É para impedir a resultante contracção da economia
"real" e na verdade, a servidão à dívida
que sindicatos europeus estão a organizar uma greve geral em 28 de
Setembro de 2010, contra planos de austeridade que reverteriam padrões
de vida. O movimento do países BRIC para criar um sistema financeiro
alternativo e uma filosofia de comércio e desenvolvimento por si
próprios é uma reacção afim contra o impulso
neo-rentista para minar a reforma económica clássica.
A importância da ideologia económica para recomeçar
Na explicação da força económica do Brasil, as suas
vantagens incluem a sua população e recursos naturais, mas isto
sempre existiu. O que vos torna tão atraentes hoje é que ainda
não estão infestados por dívida como a América do
Norte e a Europa. O vosso excedente económico ainda não
está comprometido para pagar serviço de dívida, de modo
que aos olhos dos banqueiros vocês ainda não chegaram ao limite
superior em matéria de empréstimos.
O vosso problema económico principal é como se protegerem do
crédito e da explosão de dívida que arrastou o Norte para
baixo. A vossa solução deve ser seguir uma alternativa à
ideologia fiscal regressiva e à privatização de
monopólios naturais e de privilégios financeiros que está
a ser hoje promovida pelas instituições internacionais.
Protegerem-se a si próprios exige mais do que simplesmente uma
"revisão da governação global". Exige uma
ruptura absoluta com o passado. A revisão tende a ser meramente
marginal. Uma mudança mais estrutural é o requerido. E quando
construindo um novo fundamento, é mais fácil começar de
novo do que tentar modificar instituições más e treinar
outra vez pessoal comprometido com as políticas disfuncionais do passado.
Um exemplo excelente disto é a política dos EUA após a sua
Guerra Civil. Para desenvolver a lógica do seu programa
económico, o Partido Republicano daquele tempo (não os
republicanos neoliberais de hoje!) fundaram universidades estatais e business
schols para ensinar a alternativa de base proteccionista e
tecnológica à doutrina do comércio livre britânica
que estava a ser ensinada nas universidades mais prestigiosas tais como
Harvard, Yale e Princeton. Foram estas escolas menos prestigiosas que ensinaram
as doutrinas que impeliriam os Estados Unidos à liderança mundial
por meio de tarifas protectoras, um banco nacional e investimento em
infraestrutura pública.
[3]
Comentários e recomendações sobre os quatro objectivos
mencionados para discussão nesta conferência
(1)
Globalização e mercados de trabalho
sob a actual pressão auto-destrutiva por austeridade foram discutidos e
recomendações foram dadas a cima. Sob o eufemismo de
"orçamentos equilibrados", a austeridade fiscal objectiva
impedir os países de criarem o seu próprio crédito
público e de utilizarem o seu excedente económico para elevar
padrões de vida. Sob austeridade, a receita do governo é
utilizada para pagar serviço de dívida, salvar bancos e efectuar
outras pagamentos de transferência ou de subsídios ao sector das
finanças, seguros e imobiliário (finance, insurance and real
estate, FIRE) interno e externo ao invés de gastá-lo para elevar
a produtividade. Isto obviamente deveria ser evitado.
(2)
Novos indicadores de desenvolvimento
são realmente necessários para substituir a contabilidade do PIB
com um mapa melhor e mais realista da economia. A doutrina tradicional
clássica dividia as economias em duas partes: (A) o sector da
produção-e-consumo que os manuais habitualmente mencionam como a
economia "real" e (B) o sector extractivo FIRE. Esta dicotomia
tratava a renda da terra, os juros e comissões sobre crédito
bancário, as rendas de monopólios extorsivos e outros pagamentos
tipo "portagem" como transferências de pagamentos, não
como produto. Mas a corrente principal de hoje relativa às contas do PIB
define este "rendimento imerecido" que costumava ser encarado
como encargos gerais, a preços em excesso dos seus custos de
produção necessários como reflectindo o custo e o
valor do "produto", como se aquilo que os rentistas do sector FIRE
cobram fosse uma parte necessária da economia. Banqueiros e rentistas
têm todo o interesse em manter esta falsa dicotomia.
É como se os economistas houvessem esquecido o gracejo de Charles
Baudelaire: "O diabo vence no momento em que convence o mundo de que ele
realmente não existe". Em particular, o formato
contabilístico do PIB rejeita a definição clássica
de renda económica como o excesso de preço de mercado
extraído acima dos custos necessários de produção.
O resultado é um mapa de como a economia funciona na visão dos
rentistas uma visão na qual banqueiros, latifundiários e
monopolistas desempenham um papel produtivo, como se todos os seus
privilégios especiais e status económico favorecido fossem
produtivos ao invés de extractivos.
O formato da contabilidade do PIB e do balanço nacional subestima a
terra e outros recursos naturais, tratando-os como "capital" e
portanto encarando a sua renda económica como "receitas",
não rendimentos imerecidos. Isto promove a ilusão de o
imobiliário sobe de preço do imobiliário porque
edifícios de alguma forma estão a crescer em valor, apesar de
serem amortizados para propósitos fiscais. Esta tendência
crescente pela valorização de edifícios é a
expensas do valor da terra e o quadro resultante impede uma análise
precisa.
Num "erro de omissão" relacionado, os adeptos do
comércio livre têm-se oposto a calcular o custo económico
de recuperar a exaustão da riqueza mineral, do subsolo e de florestas da
exploração privada. Tomar em conta o esgotamento do recurso, a
limpeza ambiental e outros encargos de restauração reduziria os
cálculos dos ganhos do comércio com os quais a teoria neoliberal
do livre comércio doutrina estudantes e responsáveis
públicos. Ainda mais directamente, governos têm sido persuadidos a
dar uma quota de exaustão
[NT2]
a investidores privados por fazerem buracos no chão e deitarem
florestas abaixo. Seria mais razoável para eles fazerem pagamentos para
reembolsar a economia nacional que está a perder este património
ou a sofrer encargos com limpeza ambiental.
Uma economia global estável precisa de um formato contabilístico
que reflicta a capacidade de um país para dívidas externas. Em
1929 o Plano Young apelava a tal medida e na verdade prevenia a ruptura
financeira global ao limitar os pagamentos de reparações da
Alemanha no contexto do cálculo de quanto câmbio estrangeiro
aquele país podia ganhar (e pagar) no decorrer do comércio
normal, algo muito diferente do que simplesmente tentar pagar pela
assunção de mais dívida ou venda de activos.
Quando uma economia é capaz de pagar dívidas simplesmente tomando
emprestada nova moeda ou vendendo activos a saldo, as dívidas deveriam
ser consideradas más e serem canceladas. Tomar emprestado o juro ou
privatizar o domínio público para pagar estas dívidas
não é "equilíbrio" em qualquer sentido
significativo.
Torna-se a espécie de despojamento de activos que a Islândia e a
Letónia estão agora a sofrer e que países do Terceiro Mundo
sofreram no fim da década de 70 e na de 80. Isto é a estrada para
a servidão da dívida, o retraimento da economia e a
incitação à emigração do trabalho bem como a
fuga de capital.
(3)
Uma política de desenvolvimento insustentável
resulta directamente tanto da actual política de austeridade como do
mapa da economia pró-rentista do PIB, que reflecte apenas a visão
do mundo dos banqueiros. Dívidas crescendo a taxas exponenciais ("a
magia do juro composto") não são sustentáveis. Tentar
pagá-las aumenta o custo de vida e de fazer negócio, tornando as
economias endividadas menos competitivas enquanto empobrecem a sua
população, levando a incumprimentos tanto em divisa interna como
estrangeira, e assim a inquietação social.
No século XIX, quando a teoria do comércio foi elaborada pelos
free traders
britânicos (mesmo que ela logo tenha sido contrariada pelos
proteccionistas americanos e outros economistas progressistas), as despesas com
alimentos e outros bens de consumo proporcionavam a base para
comparações do custo de trabalho entre países. O
défice comercial de hoje dos EUA, em contraste, reflecte como o custo do
trabalho é inflacionado por pagamentos ao sector FIRE. As
famílias tipicamente pagam 40% do seu rendimento pelo serviço da
dívida hipotecária e outros encargos, 15% para outras
dívidas (juros de cartão de crédito e comissões,
empréstimos para carro, empréstimos para estudante, etc), 11% do
salário retido no FICA
[NT 3]
para Segurança Social e Medicare e cerca de 10 a 15% para outros
impostos (de rendimento e impostos sobre o consumo). Para coroar, o fardo
financeiro da dívida alavancada imobiliária e do consumo é
agravado pela poupança de poupança forçada posta de lado e
entregue a administradores de dinheiro para investimento financeiro nestes
instrumentos alavancados por dívida e salários
"financiarizados" retidos para Segurança Social. Evitar estes
passivos fiscais pela utilização de planos pré-pagos
excluídos da tributação actual é um meio mais
estável e confiável, como tem mostrado a experiência
alemã.
(4) Governação global. Quem estabelecerá as regras? E no
interesse de quem serão elas estabelecidas? Ao discutir acima a
austeridade, por exemplo, precisamos perguntar "austeridade para
quem?"
O papel corrosivo da dívida e o principal problema a confrontar os
países de hoje e portanto dívida é o centro de planos
rivais para a governação global. A mais premente escolha
política é se cancelamos hipotecas e outras dívidas para
reflectir a capacidade de pagar. Se estas dívidas não forem
canceladas, o resultado será a deflação pela dívida
que pode destruir economias inteiras. Como proprietários de casas e de
negócios têm de pagar o seu rendimento aos seus banqueiros
não gastando em bens e serviços então o emprego e o
produto nacional terão de continuar a encolher.
Mas cancelar as dívidas significará que os bancos e os 10% mais
ricos da população perderiam a vantagem financeira que lhes
permite reduzir os 90% da base à servidão da dívida.
Até agora, estes interesses especiais estão a dominar a
política económica nacional no Norte e é no rastro
da resultante deflação da dívida que eles estão a
olhar para as economias BRIC.
Sumário
A máxima "Seja qual for o rendimento de que o arrecadador fiscal
abdique, ele está disponível ("livre") para ser
comprometido a credores como juro" é a descrição
definidora do que a não tributação da riqueza tem
significado para os agentes financeiros. Isenções fiscais sobre o
imobiliário, por exemplo, deixam mais fluxo de caixa disponível
para serem pagos a banqueiros hipotecários, cujos empréstimos
capitalizam o excesso não tributado no crédito permitindo a
compradores utilizarem-no para aumentar preços de
habitação e espaço de escritório. Isto leva
economias a carregarem-se com dívida em nome da elevação
de preço. Os preços por bens e serviços também
ascendem enquanto o rendimento do consumidor é esmagado quando impostos
mais baixos sobre a propriedade obrigam o governo a tributar mais o trabalho e
a elevar impostos sobre vendas.
Este favoritismo fiscal pró-rentista é o oposto das reformas da
teoria económica clássica e está destinado a fracassar. Os
seus promotores têm a audácia de afirmar que Adam Smith, J.S. Mill
e seus seguidores são os santos patronos da sua ideologia neoliberal.
Eles ignoram o facto de que a economia política clássica endossou
um conjunto amplo de serviços públicos e apoio social fora do
mercado. Os Estados Unidos subsidiaram a sua decolagem industrial pela
percepção de que estradas, saúde pública e outros
serviços básicos deveriam ser proporcionados gratuitamente ao
invés de serem sobrecarregados com encargos intrusivos de portagens.
A ideologia neoliberal assevera que tal investimento e regulação
públicos constitui a "estrada para a servidão" e
propõe em seu lugar o que pode ser melhor definido como a estrada real
da servidão pela dívida favoritismo fiscal por
dívida alavancada seguido pela deflação da dívida e
austeridade.
Políticos cujas campanhas são financiadas pelos lobbistas do
sector FIRE legislaram sistemas fiscais que favorecem a alavancagem da
dívida. O mito é que todo o crédito, para qualquer
finalidade, é um custo necessário de fazer negócio. Assim,
à dívida portadora de juro é concedido favoritismo fiscal.
Tonar os pagamentos de juros (mas não de dividendos) favores fiscalmente
dedutíveis alavancando dívida e tributar ganhos de capital a
apenas uma fracção dos salários ou lucros também
desvia crédito bancário que alimenta a inflação de
preços de activos. Isto distorce decisões de investimento, tal
como faz a política de tributar ganhos de capital a apenas uma
fracção da taxa imposta sobre o rendimento "ganho"
(salários e lucros de negócios). Ambas as políticas
encorajam a falsa criação de riqueza através da
inflação de preços de activos. O efeito é
concentrar riqueza de maneiras que os economistas clássicas definiram
como improdutivas investimento à procura de "renda
económica" (rendimento sem o correspondente custo de
produção) e elevar preços de terras a que J.S. Mill chamou
um "incremento não merecido".
A moral é que a reforma financeira deve ir par a par com a reforma
fiscal. Os neoliberais discordam. Reflectindo o lema de Margaret Thatcher,
"There is No Alternative" (TINA), eles ignoram a alternativa
advogadas por dois séculos de reformadores clássicos. Desde Adam
Smith e os fisiocratas até John Stuar Mill e mesmo Winston Churchill, a
plataforma do mercado livre era tributar a renda económica da terra a
fim de manter baixo o preço da habitação e dos impostos
que incidem sobre o trabalho e a indústria.
A Era Progressiva estendeu o objectivo de minimizar a renda económica em
mãos privadas ao manter monopólios naturais tais como transportes
e comunicações no domínio público, ou pelo menos
regulando os preços que eles podiam cobrar e encorajando
acções ao invés de financiamento por dívida. Os
Saint-Simonianos, por exemplo, esperavam organizar bancos como fundos
mútuos, proporcionando crédito por acções aos seus
clientes a fim de manter os retornos financeiros alinhados com o que os
tomadores dos empréstimos realmente ganham.
A reacção política promovida pelos rentistas de hoje
contra a teoria económica clássica inverte estas
políticas. Aspirantes a privatizadores da infraestrutura pública
e a monopólios procuram renda económica mas não
deixariam que você partilhasse seu segredo. Políticos são
apoiados principalmente pelo sector FIRE, cujos apoiantes vêm
empréstimos hipotecários e empréstimos para compra como o
seu mercado principal.
A tragédia da nossa época é que a maior parte do
crédito é oferecida para a compra de oportunidades de
extracção de renda, não para a formação de
capital produtivo.
Os bancos preferem antes emprestar contra propriedade já existente
imobiliária ou empresas do que financiar novo investimento
de capital.
Assim, retornamos a como privatizar o domínio público e
financiarizar a economia é afim a uma derrota militar. Para
defenderem-se, os países BRIC precisam isolar-se da
criação global de dívida. O "diálogo" a
que a vossa conferência apela quanto às regras para "nova
governação global" é improvável que alcance um
consenso sob as condições de hoje nas quais os Estados Unidos e a
UE, o Banco Mundial e o FMI, estão a pressionar por austeridade. Eles
estão a apelar a um sacrifício da Segurança Social do
trabalho e de poupanças de pensão a fim de extrair pagamento para
a dívida excessiva que foi permitido desenvolver-se. Não
há discussão de aumento da competitividade nacional pela
comutação do fardo fiscal para fora do trabalho e da
indústria e para dentro da renda económica e da dívida
alavancada. Isto é um deliberado ponto cego na política fiscal e
financeira neoliberal de hoje.
Apesar dos poucos que estão a tornar-se ricos para além dos
seus sonhos mais loucos (ou da elegante tagarelice encontrada na maior parte
dos manuais dominantes de teoria económica), a
globalização segundo linhas rentistas assumiu uma forma
corrosiva. Ao invés de ser um programa de ganho mútuo, ela
encorajará uma portagem rentista privatizada numa economia sofrendo de
profunda deflação da dívida. Dado o ponto de vista dos
banqueiros promovido pelo FMI e o Banco Mundial, a vossa tarefa deve ser
permanecer livre da sua influência.
A principal ameaça aos vossos interesses económicos é a
crescente pressão global de hoje para retroceder a políticas que
cortam padrões de vida, investimento de capital e despesas de
infraestrutura a fim de pagar dívidas públicas e privadas em
crescimento exponencial. A realidade é que a menos que as dívidas
sejam canceladas por muitos países ou pelo menos reduzidas
à capacidade razoável de pagamento sem generalizar arrestos e uma
perda de autonomia nacional para os planeadores centrais no FMI a
economia mundial sofrerá polarização financeira entre
credores e devedores, culminando no colapso social.
Tal austeridade económica e dependência da dívida
não são necessárias. Há uma alternativa.
(1) Não permitir que estranhos e investidores absenteístas
conduzam a taxa de câmbio da sua divisa através da compra dos seus
activos com crédito do "teclado do computador" de que
vocês não precisam e podem criar por si próprios.
(2) Não abdicar da criação de dinheiro em favor de bancos
que objectivam extrair juros pelo financiamento de compras alavancadas por
dívida ou especulação com a divisa.
(3) Utilizar o vosso sistema fiscal e política regulamentar para
encorajar acções ao invés de financiamento por
dívida, e controlar a criação de moeda.
(4) Promover o investimento do excedente económico do Brasil na
elevação da produção e dos padrões de vida,
de modo a criar uma retro-alimentação positiva entre
níveis salariais mais elevados e produtividade, portanto competitividade
global mais alta.
Em causa está o conceito do que realmente constitui mercados livres.
Deverão eles estar livres de invasores e especuladores financeiros, ou
livres do monopólio e do privilégio especial? A economia
política clássica do século XIX procurava impedir que o
"almoço gratuito" (a renda económica) elevasse os
preços da terra e das matérias-primas e manter a
criação financeira de crédito e de monopólios
relacionados no domínio público como a sua base fiscal natural. O
objectivo era promover rendimento produtivo "ganho", não
apenas assumir que todo rendimento era ganho de modo razoável e isto
deveria ser o objectivo hoje para um mercado verdadeiramente livre que funcione
para todos os participantes.
Felizmente, o Brasil e seus companheiros membros do BRIC têm uma
oportunidade para criar a versão clássica de mercados livres do
século XIX, com pesos e contra-pesos que foram destruídos no
Norte por políticos apoiados pela finança neoliberal.
16/Setembro/2010
Notas
1 Para uma longa história deste debate ver Stephen Zarlenga,
The Lost Science of Money: The Mythology of Money - The Story of Power
(American Monetary Institute, 2002).
2 Descrevo esta contracção económica em "Saving,
Asset-Price Inflation, and Debt-Induced Deflation," in L. Randall Wray and
Matthew Forstater, eds., Money, Financial Instability and Stabilization Policy
(Edward Elgar, 2006):104-24, and "Trends that can't go on forever, won't:
financial bubbles, trade and exchange rates," in Eckhard Hein, Torsten
Niechoj, Peter Spahn and Achim Truger (eds.), Finance-led Capitalism? (Marburg:
Metropolis-Verlag, 2008):249-272.
3 Descrevo isto em
America's Protectionist Takeoff 1815-1914
: The Neglected American School of Political Economy (ISLET, 2010), and
Trade, Development and Foreign Debt
: A History of Theories of Polarization v. Convergence in the World
Economy (London: Pluto Press, 1992; new ed. ISLET 2010).
[NT 1]
Progressive Era
: Nos EUA chamam assim ao período que vai da década de 1890
à de 1920.
[NT 2] Depletion allowance:
Importância correspondente à diminuição do valor de
recursos (minerais e florestais) resultante de sua exploração,
podendo ser computada como custo ou encargo da empresa em cada
exercício.
[NT 3]
FICA: Federal Insurance Contributions Act.
O original encontra-se em
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=21068
.
Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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