Fred Harrison:
Como fazer para resolver o problema da dívida?
Michael Hudson:
O único meio de fazer isso é eliminar
(wipe out)
as dívidas que não podem ser pagas. Se uma hipoteca é de
US$500 mil sobre uma casa de US$250 mil, você tem de reduzir o valor
(write down)
da hipoteca ao preço do mercado e tem de permitir que os credores
assumam uma perda pelos seus maus empréstimos.
FH:
O salvamento dos bancos está a resolver esta crise financeira?
MH:
Não, o salvamento dos bancos é apenas para pagar os credores
e dar-lhes o dinheiro para os empréstimos bancários, sem dar um
centavo de alívio de dívida aos devedores reais. Tudo isto
significa que o governo está a assumir a posição credora,
expulsando os proprietários das casas e lançando as casas no
mercado.
FH:
Mas será que os contribuintes obterão o seu dinheiro de volta
no fim?
MH:
Se os contribuintes pudessem obter o seu dinheiro de volta, pode estar
certo de que a empresa privada viria e compraria as hipotecas. Se se tem o
mercado a NÃO comprar as hipotecas, se se tem o bancos a dizerem:
"Estas hipotecas lixo e estes resíduos tóxicos", como
é possível que os contribuintes possam fazer dinheiro a partir
destes resíduos tóxicos? Será que é realmente um
bom investimento para os contribuintes virem e salvarem os bancos que dizem:
"Nós fabricámos hipotecas lixo e estes resíduos
tóxicos e não somos capazes de vendê-lo, temos de encontrar
um louco maior". Não há maneira de os contribuintes poderem
fazer dinheiro daquilo. (E mesmo que PUDESSEM fazer dinheiro, será uma
boa ideia efectuarem a expulsão dos incumpridores de hipotecas das suas
casas?)
FH:
OK, sei que o sr. foi economista na Wall Street, que ensina teoria
económica em universidades por todo o mundo. O sr. foi consultor de
governos em todo o mundo e pensa também que há
lições a serem aprendidas do Mundo Antigo e que de certo modo em
tempos bíblicos o cancelamento de dívida foi algo que hoje nos
dá ensinamentos. De que modo?
MH:
Bem, durante 3000 anos, desde a Suméria à Babilonia e
às terras judias, eles tiveram a mesma política com a lei do
Jubileu. Quando um novo rei assumia o trono na Babilónia e na
Suméria, ele tinha uma de três soluções: libertaria
os escravos da dívida, devolveria as terras às pessoas que as
houvessem perdido por arresto, os meios básicos de subsistência
para famílias e anularia dívidas pessoais. Com a
eliminação das dívidas más da contabilidade,
criava-se um recomeço. Esta foi a política adoptada na lei
judaica, no Levítico, com o Ano Jubileu.
FH:
De modo que está agora a dizer que há um meio de transpor
aquela história para a moderna teoria económica, para resolver a
crise financeira global.
MH:
Sim. A Antiguidade administrou-se durante 3000 anos, sem uma bolha
financeira, sem uma bolha económica e continuamente a restabelecer
ordem. E a antiguidade percebeu algo que os modernos economistas não
alcançam: perceberam que dívidas tendem a crescer acima da
capacidade para pagar. E quando as dívidas chegavam a esse ponto na
Antiguidade, o governante cancelava-as. É claro que isso era muito
fácil na Antiguidade, porque a maior parte das dívidas eram
fiscais, devidas ao Palácio e é fácil cancelar
dívidas quando elas são devidas a você. É mais
difícil cancelar dívidas quando se chega à Grécia e
a Roma e elas são devidas a credores privados. Foi aqui que
começou o problema.
FH:
Assim, agora, 2000 anos depois, não podemos simplesmente cancelar as
dívidas por determinação do governo.
MH:
Bem, você realmente pode, porque as dívidas estão a ser
canceladas eles já estimam que há um valor de 8
milhões de milhões de dívidas imobiliárias podres.
Se o governo apenas deixasse as condições de mercado actuarem,
quando o Lehman Brothers foi à bancarrota em Setembro, as hipotecas da
LM eram comerciadas no mercado a 22 centavos de dólar. Neste ponto, os
compradores poderiam ter vindo e comprado as hipotecas a 22 centavos sobre cada
dólar e então dirigir-se aos compradores de casas e de
imóveis e dizer: "OK, vamos renegociar a sua hipoteca a 22
centavos, talvez 24 centavos sobre cada dólar, ou mesmo 25 centavos por
dólar" o que lhes daria um lucro. Eles teriam rebaixado as
dívidas à capacidade para pagá-las, ou ao preço do
mercado. E de um modo ou de outro as dívidas estão a caminho de
serem rebaixadas de acordo com a capacidade para pagá-las, de qualquer
forma elas não vão ser pagas. Se o povo não pode pagar
mais dívida, ele não pagará. A pergunta é:
"Como não pagarão?"
FH:
Então porque os governos não estão a fazer isso, a
cancelar as dívidas, ou permitir que as dívidas sejam canceladas?
MH:
Pergunta muito boa. A razão é que o maior contribuidor para
as campanhas políticas é o Sector Financeiro e os governos
têm como opção salvar a economia ou salvar os credores que
fizeram maus empréstimos. Eles disseram: "Não nos importamos
com a economia, estamos a salvar os credores que são a nossa
clientela". E é isso que os governos estão hoje a fazer.
Eles não estão a salvar a economia, estão a salvar a sua
clientela, os credores: estão a salvar a City de Londres, estão a
salvar a Wall Street e estão a salvar a bolsa e a deixar a economia
definhar. E até que o governo salve a economia e rebaixe as
dívidas até à capacidade para pagar não há
maneira de haver uma recuperação.
FH:
Está a dizer, então, que os governos estão a actuar de
má fé?
MH:
Eles não estão a actuar democraticamente. O que os governos
têm feito tem sido transformar uma Democracia numa Oligarquia. E estamos
a ver uma Oligarquia e, de facto, é uma Cleptocracia que emerge aqui. E
se os governos não estão a fazer o que o povo espera que
façam eles não estão a representar os interesses dos seus
constituintes.
FH:
Mas o presidente Obama diz que está em vias de efectuar uma
mudança, não é como de costume em Washington.
MH:
Quando Obama fala acerca de mudança ele não está a
falar acerca de mudança financeira, não está a falar de
mudança económica. Está a falar acerca de leis
trabalhistas, reforma da saúde, igualdade racial, de maneira nenhuma
acerca de qualquer mudança de económica porque, de facto, ele
renomeou os administradores de Bush e os administradores de Clinton. E se
quiser ver o que são os seus planos para os Estados Unidos, olhe o que a
equipe de Obama fez quando teve liberdade de acção na
Rússia na década de 1990. Eles provocaram a maior desigualdade e
cleptocracia dos tempos modernos.
O PARASITA APOSSA-SE DO CÉREBRO DO HOSPEDEIRO
FH:
Então, Michael, você está em Londres para dar uma
conferência na University of London. O que é que lhes vai dizer?
MH:
Bem, vou dizer-lhes que o sector financeiro e os do imobiliário e
dos seguros não fazem parte da economia real da produção e
do consumo. O activo e a riqueza de um sector são diferentes da
produção desse mesmo sector. Você pode pensar do sector
financeiro como sendo encrustado em torno da economia real, quase como um
parasita, e é por isso que desde há muito tem sido chamado
parasítico. O sector financeiro extrai juros da economia, o sector da
propriedade extrai renda económica, como fazem os monopólios.
Agora a questão chave acerca de parasitas é que não se
trata de eles simplesmente extraírem alimento do seu hospedeiro. O
parasita apossa-se do cérebro do hospedeiro, para fazê-lo pensar
que é parte da economia, fazê-lo pensar que é parte do
próprio corpo do hospedeiro. E é o que o sector financeiro faz
hoje. Você tem Obama a dizer: "Temos de salvar os bancos a fim de
salvar a economia real". O facto é que não se pode servir a
ambos, ao parasita e ao hospedeiro.
Agora a coisa admirável é que temos as tabletes de treino
económico da Babilónia, do ano 2000 AC, e os modelos
matemáticos que eles tinham da economia, em 2000 AC, são mais
refinados do que qualquer dos modelos matemáticos que usam hoje para
planeamento governamental. E a razão é que calculavam quanto
tempo uma dívida demorava para duplicar. Qualquer taxa de juros tem um
tempo de duplicação. Eles, em 2000 AC, sabiam que as
dívidas duplicam, também sabiam da tendência para as
dívidas crescerem mais rapidamente do que a economia pode crescer e esta
é a razão porque, quando cada novo governante era entronizado,
eles cancelavam as dívidas.
FH:
Mas, veja, tivemos economistas com Prémio Nobel a ensinarem hedge
funds a operar. Está a dizer que eles são ignorantes em
matemática?
MH:
Bem, é uma boa pergunta. Veja-se o facto de que o Long Term Credit
Management faliu utilizando vencedores do Prémio Nobel. Os modelos
matemáticos que ganham os Prémio Nobel conduziram a 450
milhões de milhões de dólares de contratos derivativos que
agora são lixo. Assim, aquilo a que dão o Prémio Nobel
é à matemática lixo que tem levado a derivativos lixo e
hipotecas lixo. Foi isso que aconteceu.
Entrevista feita por
Renegade Economist,
em Londres, a 27/Fevereiro/2009.
Transcrita por Peter Myers em 30/Julho/2009. O vídeo original
encontra-se em
http://www.youtube.com/watch?v=3pwAFohWBL4