A conspiração real da AIG
Pode parecer estranho, mas a indignação pública contra os
US$135 milhões em prémios para a AIG é uma
bênção para a Wall Street, os patifes da AIG inclusive.
Como podem os media estar tão preocupados com a descoberta de que
há cobiça em causa própria no sector financeiro? Todo
canal de TV e todo jornal do país, da direita à esquerda, fizeram
destes prémios [dados aos executivos da AIG] a notícia principal
nestes últimos dois dias.
O que há de errado nisto? Não haverá algo de
forçado na indignação vociferante do senador Charles
Schumer e do deputado Barney Frank, os dois comparsas principais das
dádivas aos bancos no ano passado? E será que esta
história não foi conveniente para o presidente Obama que pode
finalmente criticar algo errado da Wall Street? Mesmo o
Wall Street Journal
envolveu-se na representação. A tomada da AIG pelo governo,
destacou o jornal, "utiliza a firma como uma conduta para salvar outras
instituições". Assim, há aqui muito mais
ganância do que simplesmente a dos empregados da AIG. A firma devia muito
mais a outras companhias tanto dentro como fora da Wall Street do
que os activos que detinha. Foi o que a levou à insolvência. E
à oposição popular crescente contra a maneira como Obama e
McCain se entenderam para apoiar o salvamento que, em retrospectiva, monta a
milhões de milhões
(trillions)
de dólares desaparecidos. Não desaparecidos para toda a gente,
naturalmente mas sim dados a especuladores financeiros do lado
"inteligente" que venceu as más apostas financeiras da AIG.
"A gente de Washington quer concentrar-se nos prémios porque isso
desvia a ira pública para actores privados", acusou o
Journal
no editorial de 17 de Março. Mas em vez de explicar que a cólera
foi desviada daqueles que na Wall Street se apropriaram de uma quantia um
milhar de vezes maior do que os prémios agora contestados, o jornal
culpa a sua habitual
bête noire
de serviço: o Congresso. Onde a direita e a esquerda diferem é
apenas sobre quem o público deveria direccionar a sua ira!
UM MILÉSIMO DE US$183 MIL MILHÕES!
O problema com todo este alarido sobre os US$135 milhões em bónus
da AIG é que esta quantia é apenas menos de 0,1 por cento
um milésimo dos US$183
mil milhões
que o Tesouro dos EUA
deu à AIG para que esta pagasse as suas dívidas a outras
empresas. Esta quantia, de mais de um milhar de vezes da magnitude dos
prémios sobre os quais a atenção do público
está a ser convenientemente focada pelos promotores da Wall Street,
não ficou nos cofres na AIG. Durante mais de seis meses, os media e os
congressistas tentaram descobrir para onde foi este dinheiro.
A Bloomberg abriu um processo para descobrir. Só para deparar-se com um
muro de silêncio.
Até que finalmente, na noite de domingo, 15 de Março, o governo
acabou por divulgar os pormenores que se verificaram altamente
embaraçosos. O maior beneficiário revelou-se ser exactamente o
dos boatos de relatórios financeiros anteriores. A própria firma
de Paulson, a Goldman Sachs, encabeçava a lista. Esta empresa recebeu
US$13 mil milhões. Aqui está o quadro que começa a
emergir. Em Setembro último, o secretário do Tesouro Paulson, da
Goldman Sachs, redigiu um memorando conciso de três páginas
esboçando a sua proposta de salvamento. O plano especificava que fosse o
que fosse que ele outros responsáveis do Tesouro fizessem (portanto
incluindo seus subordinados, também da Goldman Sachs), não
poderia ser contestado legalmente ou anulado em circunstâncias algumas e
muito menos processado. Esta condição enfureceu o Congresso, o
qual rejeitou o salvamento na sua primeira encarnação.
Verifica-se agora que Paulson tinha boas razões para inserir uma
cláusula de bloqueio legal a qualquer recuperação
(clawback)
de fundos dados pelo Tesouro para contrapartes da AIG. É nisto que a
indignação do público deveria incidir.
Ao invés disso, o principais promotores no Congresso da
legislação do salvamento juntamente com Obama no debate
presidencial final de sexta-feira à noite com McCain, um fervoroso
defensor do salvamento na odiosa versão "curta" de Paulson
destacam apenas as quantias que os executivos da AIG receberam como
prémios, não aquelas distribuídas aos contrapartes da
companhia.
Há duas questões que é preciso perguntar sempre quando
está a ser lançada uma operação política.
Primeiro,
qui bono
quem dela se beneficia? Segundo, por que agora? A experiência
mostrou-me que o timing quase sempre é a chave para compreender a
dinâmica em acção.
Em relação a quem se aproveita, o que é que o senador
Schumer, o deputado Frank, o presidente Obama e outros promotores da Wall
Street têm a ganhar com um escândalo público? Para
começar, isso apresenta-os como duros controladores do sector
bancário e financeiro, não como lobbystas dedicados a obter uma
dádiva após a outra. De modo que a comoção da AIG
sujou a água acerca de onde realmente estão as suas lealdades
políticas. Isto permite-lhes exibir uma pose enganadora e
portanto exibir-se como "corretores honestos" da próxima vez
que eles desonestamente concederem mais uns poucos milhões de
milhões de dólares aos seus principais patrocinadores e
contribuidores para campanhas eleitorais.
Em relação ao momento, penso que já respondi mais acima. O
escândalo dos prémios desviou a atenção dos US$183
mil milhões de dádivas do Tesouro que a AIG redistribuiu.
Comenta-se que soma "final" a ser dada a estas contrapartes da AIG
é de US$250 mil milhões. Parece que o senador Schumer, o deputado
Frank e o presidente Obama ainda têm um bocado de trabalho a fazer para a
Wall Street no próximo ano ou pouco mais.
Para ter êxito neste trabalho enquanto minimizam o escândalo
público que já se levanta contra os maus salvamentos eles
precisam exibir precisamente a pose que estão a exibir agora. É
um exercício de logro.
A moral deveria ser: Quanto mais lágrimas o crocodilo verter sobre a
dádiva de prémios a indivíduos da AIG os quais
parecem estar garantidos por seguros sérios, não pela vigarice
dos esquemas de hedge funds , mais a atenção pública
será afastada da dádiva dos US$180 mil milhões.
Além disso, ficarão melhor posicionados para dar ainda mais
dinheiro do governo (títulos do Tesouro e depósitos do Federal
Reserve) às suas organizações caritativas favoritas.
Vamos procurar o dinheiro REAL dado à AIG os US$183 mil
milhões! Entendo que este dinheiro já foi pago e que não
podemos recuperá-lo das companhias que sabiam estarem Alan Greenspan,
George Bush e Hank Paulson a pilotar a economia do EUA para o abismo
imobiliário, para o abismo dos derivativos e para o abismo da
balança de pagamentos, todos embrulhados em apostas contra collaterized
debt obligations (CDOs) e a segurar estas apostas de casino com a AIG. Aquele
dinheiro foi sifonado para fora do Tesouro nos termos legais, colocando os seus
homens nos postos chave do governo a fim de melhor os servirem.
Então vamos procurá-los, onde estiverem. O senador Schumer disse
aos beneficiários dos prémios da AIG que o fisco poderia
persegui-los e recuperar o dinheiro, de um modo ou de outro. E poderia
também ir atrás dos beneficiários dos US$183 mil
milhões restantes. Tudo o que ele tem a fazer é restabelecer o
imposto sobre o património e elevar as taxas sobre o rendimento marginal
e a riqueza para os níveis (já reduzidos) da era Clinton.
O dinheiro pode ser recuperado. E é exactamente isso o que o sr.
Schumer, o sr. Frank e outros não querem que seja discutido
publicamente. Eis porque desviaram a atenção para esta
trivialidade dos prémios. É o modo clássico de fazer com
que as pessoas não falem acerca do grande quadro e daquilo que é
realmente importante.
[*]
Ex-economista da Wall Street, professor investigador na University of Missouri,
Kansas City (UMKC), autor de numerosos livros, inclusive
Super Imperialism: The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance
. Email:
mh@michael-hudson.com
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/hudson03182009.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|