O capitalismo financeiro choca-se contra um muro
O plano de fuga dos oligarcas à custa do Tesouro americano
por Michael Hudson
O jogo financeiro de "criação de riqueza" acabou. As
economias saíram da II Guerra Mundial relativamente isentas de
dívidas, mas os seus 60 anos de acumulação global chegaram
ao fim da linha. O capitalismo financeiro está em estado de colapso e
paliativos marginais não o ressuscitarão. A economia dos EUA
não consegue "inflacionar o caminho para fora das
dívidas", porque isso faria o dólar entrar em colapso e
acabaria com os sonhos do império global forçando os outros
países a seguirem o seu próprio caminho. Há manufacturas a
menos para que a economia se torne mais "competitiva", dados os altos
custos das casas, transportes, dívidas e impostos. Um quarto a um
terço da propriedade imobiliária dos EUA caiu em
Situação Líquida Negativa, a que nenhum banco
emprestará. A economia esbarrou num muro de dívidas e está
a cair em Situação Líquida Negativa, onde poderá ficar até que haja
cancelamento de dívidas.
O plano de "recuperação" do sr. Obama, baseado em
gastos com infra-estruturas, produzirá fortunas em propriedade
imobiliária para propriedades bem situadas ao longo das novas rotas de
transportes públicos, mas não há sinal de as cidades virem
a
arrecadar impostos sobre os ganhos inesperados das propriedades a fim de
salvarem as suas finanças. Os presidentes das municipalidades
prefeririam ter cidades falidas a tributar propriedades
imobiliárias ou as finanças. O objectivo é re-inflacionar
os
mercados imobiliários para permitir que os proprietários
continuem a pagar aos bancos e não para ajudar o sector público a
reequilibrar-se. Assim, os planos de reforma estaduais e locais
continuarão com falta de fundos, levando mais planos de reforma à
falência.
Seria de pensar que os políticos estariam dispostos a fazer as contas e
a aperceber-se que
dívidas que não podem ser pagas, não o
serão.
Mas as dívidas estão a ser mantidas nos livros,
continuam a acumular juros para pagar aos credores que fizeram maus
empréstimos. A resultante deflação da dívida
ameaça manter a economia em depressão até que ocorra uma
mudança radical de políticas uma mudança para
salvar a economia "real", não apenas o sector financeiro e os
10% de famílias mais ricas da América.
Não há qualquer sinal de que os conselheiros económicos do
sr. Obama, funcionários do Tesouro e chefes dos comités do
Congresso relevantes para esta questão reconheçam a necessidade
do cancelamento de dívidas. Aliás, eles foram colocados nas suas
posições precisamente porque não percebem que o
alavancamento de dívidas é uma manobra económica e
não "criação de riqueza" real. Mas a sua
visão afunilada é que faz com que sejam "fidedignos"
para a Wall Street, que não gosta de surpresas. E todo o carácter
da actual crise financeira continua a ser etiquetado como
"surpreendente" e "inesperado" pela imprensa, cada vez que
chega uma nova e surpreendente estatística. É seguro ser-se
surpreendido, mas é-se suspeito quando se esperam más
notícias, um "profeta da desgraça prematuro". Temos de
ter fé no sistema acima de tudo. E o sistema era a Bolha Greenspan.
Por isso aliás é que o Alan "Ayn Rand"
[1]
foi colocado na chefia.
Então o governo tenta recuperar os felizes anos da Economia da Bolha ao
fazer as dívidas crescerem novamente, na esperança de
re-inflacionar a propriedade imobiliária e os preços do mercado
de acções. Essa foi, aliás, a Idade de Ouro do mundo do
capital financeiro, usando a dívida como alavanca para inflacionar os
preços de bens financeiros fictícios. Toda a gente amou este
sistema enquanto ele durou. Os eleitores achavam que tinham probabilidade de se
tornarem milionários, e aprovavam-no, felizes. E pelo menos fez com que
Wall Street se tornasse mais rica que alguma vez tinha sido antes quase
duplicando a fatia de riqueza dos 1% mais ricos da América. Para os
legisladores de Washington, isto é sinónimo de "a
Economia" pelo menos a economia para a qual as políticas
económicas são formuladas nos dias de hoje.
O plano Obama-Geithner para reiniciar o crescimento de dívidas da
Economia da Bolha, de modo a inflacionar os preços de bens o suficiente
para pagar o excesso de dívida a partir de "ganhos de capital"
não tem possibilidade de funcionar. Mas este é o único
truque que estes potros conhecem. Entrámos numa era de
deflação de preços dos bens, e não de
inflação. As tabelas de dados económicos por todo o mundo
esbarraram contra um muro e todas as tendências têm caído
verticalmente a pique desde o último Outono. Os preços aos
consumidores estado-unidenses tiveram a sua maior queda desde a Grande
Depressão dos anos 30, assim como a "confiança" dos
consumidores, o transporte marítimo internacional, a propriedade
imobiliária, os preços dos mercados de acções, o
petróleo e a taxa de câmbio com a libra esterlina. A economia
global está a cair na depressão, e não poderá ser
recuperada enquanto as dívidas não forem canceladas.
Ao invés de fazer isso, o governo faz exactamente o oposto.
Propõe-se a pegar nas más dívidas e a pô-las nas
folhas de balanço do sector público, imprimindo títulos do
Tesouro para dar aos bancos títulos cujas cobranças de
juros terão de ser pagas cobrando impostos ao trabalho e à
indústria.
O plano da oligarquia para um salvamento (pelo menos da sua própria
posição financeira)
Em período de colapso iminente, as elites ricas protegem os seus fundos
como ratos que abandonam um navio que se afunda. Em tempos anteriores compraram
ouro com divisas que começavam a enfraquecer (o patriotismo nunca foi
uma característica do capital financeiro cosmopolita). Desde os anos 50
que o Fundo Monetário Internacional tem feito empréstimos para
apoiar as taxas de câmbio do Terceiro Mundo o tempo suficiente para
subsidiar a fuga de capitais. Nos EUA, no último semestre, banqueiros e
investidores de Wall Street infiltraram-se no Tesouro e na Reserva Federal para
apoiar os preços dos seus maus empréstimos e apostas financeiras,
libertando-se de ou assegurando US$12 milhões de milhões de
dívidas tóxicas. A protecção da elite financeira
dos EUA toma assim a forma de dívida pública interna e não
de divisas estrangeiras.
É tudo em vão, no que diz respeito à economia real. Quando
o Tesouro dá aos bancos títulos do governo acabados de imprimir
em trocas
"cash for trash"
(dinheiro por lixo), isto deixa na mesma a elevada dívida
impagável do sector privado. Tudo que acontece é que esta
dívida agora deve-se ao (ou é garantida pelo) governo, que
terá de cobrar impostos para pagar os juros.
Esta nova viragem é uma variante dos planos de
"estabilização" do FMI, que emprestava dinheiro aos
bancos centrais para apoiar as suas divisas o tempo suficiente para que
os oligarcas locais e investidores estrangeiros movessem as suas
poupanças e investimentos para o exterior a boas taxas de câmbio.
Permite-se depois que a divisa entre em colapso, permitindo que os
especuladores de câmbio acumulem os ganhos necessários para
esvaziar as reservas do banco central. Os especuladores vêm estas
holdings dos bancos centrais como alvos a ser saqueados quando maiores,
melhor. O FMI empresta a um banco central, digamos, US$10 mil milhões
para "apoiar a divisa". Os proprietários domésticos
enviarão para fora o dinheiro a elevada taxa de câmbio.
Então, quando os procedimentos do empréstimo estão
esgotados, a divisa cai. Os salários são esmagados no programa de
austeridade habitual do FMI e a economia é obrigada a obter divisas
externas suficientes para pagar de volta ao FMI.
Como condição para obter este "apoio" do FMI, é
exigido aos governos que obtenham um superávite no orçamento,
cortando em gastos sociais, baixando salários e aumentando impostos de
modo a conseguir espremer exportações suficientes para devolver
os empréstimos do FMI. Mas, além de este tipo de "plano de
estabilização" incapacitar a economia interna, obriga
à venda de infra-estruturas públicas a preço de saldo
a compradores estrangeiros que pedem também dinheiro emprestado.
O efeito é tornar esses países ainda mais dependentes de
economias menos "neoliberalizadas".
A Letónia é a imagem de marca deste tipo de desastre. O seu
acordo recente com a Europa é um caso simples. Para apoiar a retirada
pelos bancos suecos dos seus fundos deste barco afundado, o apoio europeu
é condicionado à aceitação pelo governo
letão do corte de salários no sector privado e ao não
aumento de impostos sobre a propriedade (que são actualmente quase zero).
O problema é que a Letónia, como outras economias
pós-soviéticas, tem uma produção para
exportação interna escassa. A indústria da antiga
União Soviética foi deitada abaixo e destruída nos anos 90
(bem-vindos ao vitorioso capitalismo financeiro à moda ocidental). O que
eles tinham era propriedade imobiliária e infra-estruturas
públicas livres de dívida e, como tal, disponíveis
para serem usadas como colateral contra empréstimos destinados a
financiar as importações. Desde a sua independência da
Rússia em 1991, a Letónia tem pago pelos seus bens de consumo
importados e outras aquisições contraindo empréstimos de
crédito hipotecário de bancos escandinavos e outros. O efeito foi
uma das maiores bolhas de propriedade do mundo numa economia sem meios
de se equilibrar, sem ser cumulando a sua propriedade imobiliária com
mais e mais dívida. Na prática os empréstimos assumiram a
forma de hipotecas de bancos estrangeiros para financiar a bolha
imobiliária e a sua dependência de fornecedores
estrangeiros.
Assim, em vez de ajudá-la, e às outras nações
pós-soviéticas, a desenvolver economias auto-suficientes, o
Ocidente viu-as como ostras económicas a quebrar, endividando-as de modo
a obter lucros de juros e ganhos de capital, deixando apenas conchas vazias.
Esta política atingiu um pico quando a 26 de Janeiro de 2009, Joaquin
Almunia da Comissão Europeia escreveu uma carta ao primeiro-ministro da
Letónia descrevendo os termos sob os quais a Europa ajudaria os bancos
suecos e outros bancos estrangeiros que operavam no país à
custa da Letónia:
"A assistência suplementar deve ser usada para evitar uma crise de
balanço de pagamentos, que requer
restaurar a confiança no
sector bancário [agora totalmente estrangeiro], e apoiar as reservas
estrangeiras do Banco da Letónia. Isto implica financiar
grandes
pagamentos de dívidas do governo (internas e externas). E se o sector
bancário experimentasse eventos adversos, parte da assistência
seria usada para infusões de capital localizadas ou apoio apropriado
à liquidez de curto prazo. No entanto, a assistência financeira
não se destina a ser usada para originar novos empréstimos a
empresas ou famílias.
é importante não levantar expectativas infundadas entre o
público em geral e parceiros sociais e, igualmente contrariar
mal-entendidos que possam surgir a este respeito. Preocupadamente, temos
assistido recentemente no debate público da Letónia apelos para
que parte da assistência financeira seja utilizada entre outras coisas
para promover indústrias exportadoras ou para estimular a economia
através do aumento de despesas totais. É importante desencorajar
activamente estas más interpretações".
Rebentaram tumultos na semana passada e os protestatários invadiram o
Tesouro letão. Pouca surpresa aí! Não há nenhuma
tentativa de ajudar a Letónia a desenvolver a sua capacidade exportadora
para cobrir as suas importações. Após os cleptocratas
internos, os bancos estrangeiros e investidores retiraram os seus fundos da
economia e o "lat" letão será deixado depreciar. Os
compradores estrangeiros poderão então entrar e comprar os bens
locais mais barato, novamente.
A prática comum dos bancos europeus de surfar a onda das bolhas
imobiliárias pós-soviéticas está a fazer ricochete,
abalando as economias europeias que entraram nestes empréstimos
predatórios a economias vizinhas também. Como resumiu um
jornalista:
"Na Polónia, 60 por cento das hipotecas são em francos
suíços. O zloty acabou de cair para metade em
relação ao franco. A Hungria, os países balcânicos,
os bálticos e a Ucrânia são todos variantes de sofrimento
desta mesma história. Como um acto de loucura colectiva de
tomadores e prestamistas de crédito é equiparável
à catástrofe do subprime americano. Há uma
diferença crucial, no entanto. Os bancos europeus estão entalados
nos dois. Os bancos americanos não. Quase todas as dívidas do
bloco de Leste são devidas à Europa ocidental, especialmente
bancos austríacos, suecos, gregos, italianos e belgas."
[1]
Esta foi a alternativa do Ocidente ao estalinismo. Não ajudou estes
países a emularem o modo como a Grã-Bretanha e os EUA ficaram
ricos através de políticas proteccionistas,
industrialização publicamente apoiada e gastos em
infra-estruturas. Ao invés disso, a violação financeira e
desmantelamento industrial das antigas economias soviéticas foi o mais
recente exercício de colonialismo ocidental. Pelo menos os investidores
norte-americanos foram espertos o suficiente e mantiveram-se afastados usando
simplesmente o aumento repentino do mercado de acções antes de
saltar fora.
Mas agora, o plano do governo para "salvar" a economia é
"salvar os bancos", com contornos similares aos que o Ocidente usou
para tentar salvar os seus bancos da sua aventura nas economias
pós-soviéticas. Este é, afinal, o plano económico
neoliberal básico. A economia dos EUA está prestes a ser
"pós-sovietizada".
As ofertas dos EUA aos bancos, mascaradas de "ajudas para
proprietários de casa em dificuldades"
O salvamento de Obama aos bancos está organizado praticamente da mesma
maneira que os empréstimos do FMI se organizam, para apoiar as taxas de
câmbio das divisas externas, mas com o Tesouro a apoiar os preços
dos bens financeiros para os bancos americanos e outras
instituições financeiras. Em vez dos bancos e dos oligarcas
abandonarem o dólar, o objectivo é permitir-lhes despejar as suas
más hipotecas e CDOs (obrigações de dívidas
colateralizadas), obtendo em troca títulos do Tesouro internos. A
dívida do sector privado mover-se-á para o balanço do
governo, onde os pagadores de impostos sustentarão as perdas
principalmente os trabalhadores e não a Wall Street, uma vez que o
sector financeiro foi libertado do imposto sobre o rendimento graças
às "letras pequenas" do último salvamento Paulson-Bush
no Outono passado. Mas pelo menos o governo dos EUA está a tratar a
situação só com dólares internos.
Como nos programas de austeridade do Terceiro Mundo, o efeito de manter as
dívidas no seu lugar à custa da economia "real"
será o encolhimento do mercado interno dos EUA ao mesmo tempo que
fornece oportunidades aos hedge funds para comprarem bens depreciados enquanto
o governo federal, os estados e as cidades vendem-nos. A isto chama-se deixar
os bancos "ganharem o caminho para fora da dívida". E
estrangula a economia "real", porque nem um dólar da resposta
do governo é dedicado a reduzir o grosso do volume de dívida.
Vejamos o muito elogiado programa de 50 mil milhões destinado a
renegociar as hipotecas para os "proprietários em
dificuldades". Após exame detalhado, parece que afinal os
verdadeiros beneficiários são gigantes bancários como o
Citibank e o Bank of América, que fizeram maus empréstimos. O
Tesouro assumirá as más dívidas que os bancos têm em
mãos e permitirá aos devedores renegociarem os seus pagamentos
mensais até 38% do seu rendimento pessoal.
Mas ao invés de os bancos ficarem a perder devido aos seus
empréstimos excessivos, é o próprio Tesouro que
pagará a diferença pagá-la-á aos bancos para
que estes recebam aquilo que apenas tinham esperança de receber.
A família desesperada sobre a qual pesa a hipoteca, presa na sua casa
devido à situação líquida negativa, é assim
transformada meramente num veículo passivo para o Tesouro passar o
dinheiro de alívio das dívidas para os bancos comerciais.
Poucas novas notícias deixaram isto claro, mas o
Financial Times
mostrou pormenores enterrados nas letras pequenas.
[2]
Acrescentou que o Tesouro ainda não decidira se reduziria a
dívida principal para as estimadas 15 milhões de famílias
com situação líquida negativa (talvez 30 milhões
daqui a um ano, uma vez que os preços das propriedades continuam em
queda). Sem dúvida um acordo semelhante será feito: por cada
$100.000 de cancelamento de dívidas dos proprietários, o banco
receberá $100.000 do Tesouro. A dívida do governo subirá
$100.000 e o processo continuará até que o Tesouro tenha
transferido $50.000.000 para os bancos que fizeram empréstimos
temerários.
Há o suficiente para apenas 500 destas renegociações de
$100.000 cada. É insuficiente para fazer mossa, mas o princípio
foi estabelecido para muitos mais salvamentos. Serão necessários
infinitos, enquanto o Tesouro tentar apoiar a ficção de que
"o milagre dos juros compostos" pode ser mantido muito tempo. O
perigo é que a economia possa estar morta quando uma compreensão
económica sã consiga finalmente penetrar na consciência
pública. No entanto, as dívidas mal-paradas do sector privado
serão transferidas para o balanço do governo. Os juros e
amortizações actualmente devidos aos bancos serão
substituídos por obrigações do Tesouro americano. Os
impostos serão aumentados para compensar as más dívidas
com que o governo ficará encalhado. A economia "real"
pagará a Wall Street e continuará a pagar durante
décadas!
Chamar a uma dádiva de $12 mil milhões a banqueiros uma
"crise do subprime" faz parecer que os liberais de bom
coração puseram a Fannie Mae e o Freddie Mac em sarilhos ao
insistirem para que estas instituições publico-privadas fizessem
empréstimos irresponsáveis aos pobres. A linha do partido
é: "Culpem a vítima". Mas nós sabemos que isto
é falso. O núcleo dos maus empréstimos está nos
grandes bancos. Foi a colectividade e outros banksters que lideraram os
empréstimos irresponsáveis e impuseram grande pressão
sobre a Fannie Mae. A maior parte dos bancos mais pequenos e locais não
fez tais empréstimos. As grandes lojas de hipotecas não quiseram
saber da qualidade dos empréstimos, porque eram geridas por vendedores.
O Tesouro está agora a pagar aos apostadores e milionários
apoiando o valor dos empréstimos bancários, dos investimentos e
das apostas derivativas, deixando o Tesouro em dívida.
Convergência EUA/pós-soviética
Se calhar está na altura de olhar novamente para o que Larry Summers e o
seu gang de Rubinomics
[2]
fez na Rússia a meio da década de 90 e a países do
Terceiro Mundo durante a sua permanência como economista do Banco Mundial
para vermos que espécie de futuro está a ser planeado para a
economia dos EUA nos próximos anos. Por toda a União
Soviética o modelo neoliberal estabeleceu "equilíbrio"
de uma maneira que envolveu um colapso demográfico:
redução da esperança média de vida, menores taxas
de natalidade, alcoolismo e abuso de drogas, depressões
psicológicas, suicídios, má saúde, desemprego e
idosos sem-abrigo (a chamada reforma neoliberal da Segurança Social).
Nos anos 70, as pessoas especulavam sobre se as economias soviética e
dos EUA estariam a convergir. Durante todo o século XX toda a gente
esperava que houvesse um aumento da regulação governamental, do
investimento em infra-estruturas e do planeamento. Parecia que a difusão
de governos democraticamente eleitos andaria de mão dada com as pessoas
a votarem de acordo com os seus interesses económicos para aumentar os
padrões de vida, fechando a fenda das desigualdades.
Este não é o tipo de convergência que tem ocorrido desde
1991. O poder governamental está a ser desmantelado, os padrões
de vida estagnaram e a riqueza está a concentrar-se no topo da
pirâmide económica. O planeamento económico e a
alocação dos recursos passou para as mãos da Wall Street,
cuja alternativa ao "caminho para a servidão" de Hayek
é a escravidão pela dívida para toda a economia. É
necessário haver um estado seguro, é certo, mas apenas para
manter os especuladores das finanças e da propriedade imobiliária
no seu lugar de poder. Mas a alternativa do Ocidente à velha burocracia
soviética é o planeamento financeiro. Em vez de termos uma
liderança política, temos uma liderança financeira e de
propriedade imobiliária.
A Rússia estalinista e a China maoista atingiram alta tecnologia sem
arrendamento de terras, monopólios de rendas e juros acima das
possibilidades. O expurgo dos ganhos especulativos foi a tarefa
histórica da economia política clássica, e tornou-se
depois a do socialismo. O objectivo era limpar a ficha financeiramente,
ajustando os preços com os custos de produção
tecnologicamente necessários. O objectivo era fornecer a todos os frutos
do seu trabalho em vez de deixar os bancos e senhorios sugarem o excedente
económico.
As ideias da eficiência económica e da "criação
de riqueza" de hoje são totalmente diferentes do liberalismo e dos
"mercados livres". Os bancos comerciais emprestam dinheiro não
para aumentar a produção mas para inflacionar os preços
dos bens. Perto de 70% dos empréstimos bancários são
hipotecas para a propriedade imobiliária, sendo a maioria do resto para
tomadas agressivas do controle de empresas
(takeovers)
e ataques
(raids)
de grandes corporações e para financiar recompras das
próprias acções
(buybacks)
de stocks ou simplesmente para pagar dividendos. A inflação dos
preços de bens obriga as pessoas a endividarem-se cada vez mais para
obterem acesso a casas, educação e cuidados médicos. A
economia está a ser "financeirizada", não
industrializada. Este tem sido o plano, tanto para os estados
pós-soviéticos como para a América do Norte, a Europa
Ocidental ou o Terceiro Mundo.
Mas estamos longe de ter chegado ao fim da linha. As celebrações
de que a nossa actualmente financeirizada economia representa o "fim da
História" são risivelmente prematuras. As políticas
de hoje parecem mais um beco sem saída. Mas isso não significa
que, como ocorreu no Império Romano, eles não nos levem para mais
uma Idade das Trevas. É isso que tende a ocorrer quando as oligarquias
fazem o planeamento.
Os EUA são uma economia fracassada?
Já é tempo de perguntar se a economia neoliberal
pró-especulativa transformou a América e o Ocidente em economias
fracassadas. Não haverá mesmo qualquer alternativa? Terão
os neoliberais tornado irreversível a mudança do planeamento dos
governos para a oligarquia financeira?
Primeiro, livremo-nos do "mito da fundação", ideia que
ainda guia os Estados Unidos e a Europa. Os economistas dos mercados livres
fingem que os preços podem ser mantidos na linha mais eficientemente com
os tecnologicamente necessários custos de produção sob o
capitalismo e em particular sobre o capitalismo financeiro. Os bancos e os
mercados de acções supostamente fazem a alocação
dos recursos mais eficientemente. Este é pelo menos o sonho dos mercados
auto-regulados. Mas hoje parece apenas um mito, conversa de
relações públicas para fazer com que uma
geração de eleitores cada vez mais endividada não aja
segundo o seu interesse próprio.
O capitalismo industrial sempre foi um híbrido, uma simbiose, com o seu
legado feudal dos proprietários ausentes, finança
oligárquica e dívidas públicas a agirem como credores
líquidos em vez dos governos. A essência do feudalismo era
extractiva, não produtiva. Eis porque erigiu o capitalismo industrial
como política de Estado ainda que não fosse só para
aumentar a sua capacidade de fazer guerra. Mas agora deve ser levantada a
questão sobre se apenas o socialismo poderá completar a tarefa
histórica que a economia política clássica se impôs
o ideal em que os futuristas dos séculos XIX e XX acreditavam,
que um capitalismo impuro poderia ainda ser capaz de se aguentar sem se livrar
do seu legado de endividamento da propriedade aos bancos comerciais e montar de
infra-estruturas fora do domínio público.
Hoje é mais fácil ver que as economias ocidentais não
podem avançar desta maneira. Atingiram um ponto em que as dívidas
excederam a capacidade de pagar. Em vez de reconhecerem este facto e empurrarem
as dívidas de volta para um nível em que fosse possível
cumpri-las, o plano Obama-Geithner é pagar aos grande bancos e hedge
funds, mantendo o volume de dívida no seu nível actual e a
crescer novamente através da "magia dos juros compostos". O
resultado apenas pode ser uma economia crescentemente extractiva, até
que as famílias, as propriedades imobiliárias, empresas
industriais, estados, cidades e o próprio governo nacional sejam levados
à escravidão pela dívida.
A alternativa tem um século e meio de idade e saiu dos ideais das
doutrinas económicas clássicas de Adam Smith, David Ricardo, John
Stuart Mill e o último grande economista clássico, Marx. O seu
denominador comum foi ver que a renda e o juro são extractivos e
não produtivos. A economia política clássica e o seu
sucessor, o socialismo da Era Progressiva procuraram nacionalizar a terra (ou
pelo menos tributar as suas rendas como base fiscal). Os governos deveriam
criar o seu próprio crédito, não deixando essa
função para as elites ricas através da
criação de monopólios de empréstimos pelos bancos.
Por isso, hoje, o neoliberalismo pinta uma falsa imagem de como os economistas
clássicos imaginavam os mercados livres. Eram mercados livres de rendas
e de juros económicos (e de impostos para suportar uma aristocracia ou
oligarquia). O socialismo era livrar as economias destas cobranças acima
das possibilidades. O plano de salvamento Obama-Geithner é exactamente o
inverso.
17/Fevereiro/2009
Notas
1- Ambrose Evans-Pritchard, "If Eastern Europe falls, world is next",
The Telegraph,
14 de Fevereiro, 2009.
2- Krishna Guha, "US closes in on subsidy plan to stop foreclosures",
Financial Times,
13 de Fevereiro, 2009.
N.T.
[1] Ayn Rand: conselheira "espiritual" de Alan Greenspan, ex
governador do banco central dos EUA.
[2] Rubinomics (Rubin + economics):
Palavra utilizada originalmente para descrever a política
económica de Robert T. Rubin, ex-secretário do Tesouro no governo
Clinton.
O original encontra-se em
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=12328
.
Tradução de João Camargo.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|