A hegemonia do dólar e a ascensão da China
15 de Março de 2010.
Caro Primeiro-ministro Wen Jiabao,
Escrevo esta carta para contestar algumas das soluções que
políticos ocidentais estão a recomendar à China para
enfrentar a sua acumulação excessiva de reservas de divisas
externas. Elevar a taxa de câmbio do renminbi contra o dólar
não sanará o desequilíbrio de pagamentos entre a China e
os EUA. A super-abundância de dólares continuará, assim
como a flutuação de divisas entre o dólar, o euro e a
libra esterlina, não permitindo qualquer armazenagem estável de
valor. A causa desta instabilidade é que as áreas de cada uma
destas três divisas tornaram-se instáveis
(top heavy)
devido ao excesso de dívidas em relação à
capacidade de pagar.
O que então a China deveria fazer com a sua acumulação de
reservas excessivas, se não reciclar estes influxos em títulos
seus? Têm sido sugeridas quatro possibilidades: (1) reavaliar o renminbi;
(2) inundar a economia da China com crédito (como fez o Japão
após o Acordo Plaza de 1985); (3) comprar recursos e activos
estrangeiros e (4) utilizar o excesso de dólares para comprar de volta
investimentos estrangeiros na China, dada a relutância dos EUA em
permitir investimento chinês nos sectores mais promissores da
América.
Eu explico abaixo porque a melhor rota para a China é evitar acumular
ainda
mais reservas de divisas estrangeiras. A solução mais
factível é utilizar as suas reservas oficiais para recomprar
investimentos dos EUA e de outros estrangeiros no sistema financeiro da China e
em outros sectores chave. Esta política parecerá mais natural
como uma resposta a uma escalada de movimentos proteccionistas dos EUA para
impedir importações chinesas ou impedir fundos de riqueza
soberana da China de comprarem activos chave nos EUA.
O excesso de reservas da China imporá uma perda cambial (avaliada em
renminbi)
Todo país precisa de reservas de divisas estrangeiras para repelir raids
contra a sua divisa, como mostrou a crise asiática de 1997. A
espécie habitual de raid força a divisa a baixar. Especuladores
vêem um banco central com grandes haveres de divisas externas e procuram
esvaziá-lo tomando emprestado somas cada vez maiores, vendendo
short
a divisa alvo para deitar abaixo o seu preço. Esta é a
táctica em que George Soros foi pioneiro contra a libra britânica
quando quebrou o Banco da Inglaterra.
A contra-táctica da Malásia foi não deixar os
especuladores cobrirem as suas apostas através da compra da divisa alvo.
O êxito da Malásia em resistir àquela crise mostrou que
controles de divisa impedem especuladores de "encaixarem"
("cashing out")
sobre as suas apostas na taxa de câmbio, impedindo a sua tentativa de
deitar abaixo o valor da divisa.
O caso da China é o oposto. Especuladores estão a tentar
forçar a subida da taxa de câmbio do renminbi. Influxos
estrangeiros para bancos da China especialmente aqueles possuídos
por estado-unidenses, britânicos ou outras companhias estrangeiras
estão a inundar a China com divisas externas. O seu banco central
acha-se obrigado ou a reciclar este influxo outra vez para o estrangeiro ou a
deixar o renminbi ascender e finalmente assumir uma perda (quando medida
em yuan) quando a sua divisa elevar-se contra os seus haveres em
dólares, libras esterlinas e euros. Especuladores e outros estrangeiros
que possuem activos chineses obterão uma flutuação
ascendente e gratuita da divisa.
O efeito dentro da economia da China será carregá-la com
dívida, enquanto a obriga a comprar títulos estrangeiros
denominados em dólares que estão a cair de preço. Assim, a
pergunta é: como pode a China enfrentar melhor o fluxo de divisas
estrangeiras para dentro da sua economia?
A principal resposta da China tem sido investir em recursos minerais e outras
importações de que precisará para sustentar o seu
crescimento a longo prazo. Mas esta opção é limitada pelo
proteccionismo estrangeiro contra investimentos de além mar em minerais e
terras agrícolas, assim como pelos especuladores de países
estrangeiros a utilizarem o seu próprio crédito livre para
comprarem estes recursos. Assim, o excesso de divisas estrangeiras continua a
acumular-se.
Tradicionalmente, os bancos centrais têm utilizado seus excedentes de
pagamentos
para comprar ouro, o "dinheiro do mundo". O ouro tem a vantagem de
servir como reserva de valor, permitindo aos bancos centrais (em
princípio) evitarem assumir uma perda sobre os seus haveres em
dólar. Liquidar défices de pagamentos em ouro também tem a
vantagem global de limitar a capacidade de outros países para incidirem
em défices crónicos de pagamentos especialmente despesas
de guerra ao longo da história. Esta é a razão porque os
diplomatas dos EUA se opõem a um retorno ao ouro.
Na década de 1960 governos estrangeiros pediram ao Tesouro dos EUA que
proporcionasse uma garantia ouro. O excesso de dólares lançado
para fora pelos gastos militares da América no Sudeste Asiático e
na Europa acabavam nos bancos centrais da França (a qual dominava a
banco da Indochina), da Alemanha (como exportador e hospedeiro das principais
bases militares europeias) e do Japão (para descanso). A França e
a Alemanha encaixavam estes dólares em troca de ouro, cujo preço
ficou sob pressão quando os stocks de ouro monetário dos EUA
ficaram esgotados. Para impedir os bancos centrais da França (sob o
general De Gaulle), da Alemanha e de outros países de encaixarem os seus
dólares em troca de ouro, o Tesouro dos EUA deu uma garantia ouro de
modo a que se o dólar perdesse valor estes bancos centrais não
perderiam.
Hoje, é improvável que os Estados Unidos dêem uma garantia
ouro, ou esperar que o Congresso concorde com uma tal disposição.
(Muitas vezes no passado, presidentes dos EUA e o Ramo Executivo fizeram
acordos sobre comércio externo e finanças que o Congresso
se recusou a confirmar.) Ele poderia garantir os haveres de dólares da
China em relação a um cabaz ou seja o que for em que o Governo da
China preferisse manter suas reservas, desde euros até um novo mix de
divisas pós-Yekaterinburg. Mas hoje nenhuma divisa é
estável. Todas as principais divisas ocidentais estão a render-se
ao fardo de grandes dívidas impagáveis. O Tesouro dos EUA deve
US$4 milhões de milhões
(trillion)
a bancos centrais estrangeiros,
mas não há modo previsível pelo qual ele possa tornar boa
a sua dívida externa, dado o seu défice crónico estrutural
com despesas militares no estrangeiro, dependência de
importações e saídas de capitais. Eis porque tantos
países estão a tratar o dólar como uma "batata
quente" e a tentar esvaziá-los dos seus haveres. E manter euros ou
libras esterlinas não proporciona uma melhor alternativa.
A maior parte dos bancos centrais contém as suas taxas de câmbio
pela reciclagem dos seus influxos de dólares com a compra de IOUs
[NT]
do Tesouro dos EUA. Esta reciclagem permite aos Estados Unidos financiarem
suas despesas militares além-mar e também o seu défice
orçamental interno (em grande medida de carácter militar) desde a
década de 1950. Assim, a Europa e a Ásia têm utilizado os
seus ganhos de divisas estrangeiras para financiarem uma
acumulação unipolar de bases militares dos EUA em torno de si.
Esta situação é instável por natureza e portanto
fadada a terminar. Está a acabar a era em que
as reservas internacionais são baseadas sobre elevadas dívidas
impagáveis de qualquer governo único, especialmente quando estas
dívidas são acrescidas para finalidades militares. Os EUA
certamente não podem continuar a cumprir este papel, dado o
crónico défice de pagamentos estado-unidense. Durante a maior
parte dos anos desde 1951, os gastos militares além-mar dos EUA
(principalmente na Ásia) têm representado a maior parte deste
défice. E cada vez mais a balança comercial dos EUA tem
caído no défice (excepto para agricultura, entretenimento e armas
militares). Mais recentemente, têm-se acelerado saídas de capital
dos Estados Unidos, especialmente para a China e países do Terceiro
Mundo. Os administradores da moeda estado-unidense concluíram que os EUA
e outras economias ocidentais estão a entrar num período de
sobrecarga de dívida, com crescimento permanentemente mais lento. De
modo que estão a olhar para a China, esperando obter os seus
excedentes para si próprios pela compra da sua banca e da sua
indústria.
Este relacionamento é demasiado unilateral para continuar por muito
tempo. A questão é: como pode ele ser resolvido? Qualquer
solução envolverá o evitar da China de
acumulação ulterior de divisas estrangeiras na medida em que isto
assume a forma de "empréstimos gratuitos" de retorno para os
EUA e governos europeus.
A taxa de câmbio da China em relação ao dólar
Delinquentes americanos culpam a China por ser demasiado forte. Eles exortam-na
a elevar a taxa de câmbio do renminbi a fim de que se torne menos
competitiva. E na verdade, ao longo dos últimos três meses a
divisa da China elevou-se mais de 10% contra o euro e a libra esterlina quando
os governos que utilizam o euro enfrentam a insolvência um após o
outro.
O recente fortalecimento do dólar não reflecte factores
intrínsecos, mas simplesmente o facto de que o euro e a libra esterlina
estão ainda mais altamente alavancados. As principais áreas
problema até à data tem sido a Grécia, Irlanda, Espanha,
Itália e Portugal, mas problemas muito maiores estão para vir dos
estados bálticos, da Hungria e de outras economias
pós-soviéticas. Durante uma década eles financiaram os
seus défices estruturais de comércio com a tomada de
empréstimos de divisas estrangeiras para alimentarem uma bolha
imobiliária. Este influxo de divisas estrangeiras (de bancos
austríacos para a Hungria e Roménia, de bancos suecos para os
estados bálticos) inflacionou os preços dos seus edifícios
de habitação e escritórios. Mas agora que as suas bolhas
imobiliárias estouraram, não há empréstimos
estrangeiros que suportem as suas divisas. Quando o seu imobiliário
afunda em situação líquida negativa, os sistemas
bancários da Suécia e da Áustria confrontam-se com
incumprimentos generalizados.
A UE e o FMI pressionaram governos pós-soviéticos a tomarem
emprestados para salvar bancos da UE. Esta comutação da
bancarrota do sector privado para o sector público
("contribuintes") impôs uma severa depressão
económica sobre estes países. Governos estão a retalhar
despesas em educação, cuidados de saúde e infraestrutura
tão profundamente que chegam ao ponto de provocar incumprimentos de
hipotecas pessoais e de negócios, emigração e mesmo
abreviação de expectativas de vida.
Esta contracção é o resultado final do Consenso neoliberal
de Washington imposto a estes países desde 1991, agravado pela bolha
financeira global desde 2000. Isto é um objecto de lição
daquilo que a China precisa evitar.
Os Estados Unidos, pelo seu lado, estão a manipular a sua divisa a fim
de manter o dólar baixo, inundando a sua economia com crédito a
juro baixo. Esta manipulação vai contra a prática normal
dos últimos cinco séculos. Qualquer economia incorrendo num
défice tradicional de balança de pagamentos tem de elevar taxas
de juros para atrair empréstimos externos e arrefecer os gastos
internos. Mas o US Federal Reserve está a fazer exactamente o oposto.
Taxas de juro baixas para impedir que a bolha imobiliária estoure outra
vez têm o efeito de agravar ao invés de sanar o défice
comercial e a saída de capital.
Mas mais dólares acabam por parar nas mãos de bancos centrais
estrangeiros. Espera-se que as economias estrangeiras reciclem estes influxos
com ainda mais compras de títulos do Tesouro dos EUA, salvando os
contribuintes e investidores estado-unidenses de terem de financiar por este
défice por si mesmos.
Reavaliar o renminbi exacerbaria o problema financeiro da China, não
estabilizaria o seu comércio
Diplomatas económicos dos EUA argumentam que elevar a taxa de
câmbio do renminbi ajudará a restaurar o equilíbrio da
balança de pagamentos da China com os Estados Unidos. Mas o
défice de pagamentos dos EUA é estrutural e portanto não
responde a mudanças de preços. Como observado acima, uma das
principais saídas de pagamentos é a despesa militar
além-mar. Uma outra saída crescente é na conta de capital,
para comprar companhias, acções e títulos estrangeiros. Os
próprios investidores dos EUA estão a abandonar a economia
estado-unidense, a olhar principalmente para a China em busca de rendimentos
mais elevados e por um ganho inesperado de câmbio estrangeiro.
A estratégia dos EUA é comprar activos chineses que rendam 20% ou
mais ao ano, enquanto a China recicla estes dólares para Washington e a
Wall Street a taxas de juro de apenas cerca de 1% (para títulos do
Tesouro) e absorve perdas em muitos investimentos do sector privado. (Esta foi
a estratégia que "funcionou" com o Japão depois de
1985.) Revalorizar o renminbi proporcionaria um ganho inesperado para hedge
funds e especuladores dos EUA. Expectativas de revalorização
já estão a incitar saídas de capital mais altas para a
China.
Uma taxa de câmbio mais alta para o renminbi também resultaria em
ainda mais saídas de dólares dos Estados Unidos para a
Ásia na rubrica comércio, obrigando consumidores americanos a
pagarem um preço do dólar mais elevado. Ao contrário da
maior parte das suposições do "comércio livre",
o facto é que a maior parte do comércio não responde a
pequenas mudanças em valores de divisas. (O jargão
económico chama a isto "inelasticidade de preço.")
Isto tornou-se claro na década de 1980 quando uma taxa de câmbio
ascendente do yen do Japão não reduziu a balança comercial
daquele país. Os consumidores dos EUA simplesmente pagaram mais. Esta
é a razão porque, apesar da recente apreciação em
21% do renminbi, a balança comercial da China aumentou ao invés
de se contrair. Da mesma forma, o yen do Japão tem-se elevado desde o
Outuno de 2009, mas ainda está a acumular reservas.
Mesmo que a China revalorize o renminbi, seus preços de
exportação não se elevarão proporcionalmente. Isto
acontece porque importações de matérias-primas, grande
parte da maquinaria e outros componentes da maior parte das
exportações têm um preço mundial comum (tipicamente
denominado em dólares). Assim, um renminbi mais elevado reduzirá
o preço em dólar destas importações.
Cerca da metade do preço recebido pelas exportações cobre
o preço e a margem gasta com estas importações com um
preço mundial comum. Assim, se a divisa da China se elevar em 10% contra
o dólar, o preço das importações incorporado nestas
exportações (quando valorizadas em renminbi) cairá em 10%.
Metade do preço de exportações não será
afectada, de modo que no todo os preços de exportação
podem elevar-se em 5%.
Dado o facto de que os padrões comerciais estão profundamente
arraigados, seria necessário um salto enorme na
revalorização do renminbi para reduzir o excedente comercial da
China. Pequenas revalorizações não "resolveriam"
o problema que os diplomatas dos EUA pedem. A menos que a
revalorização fosse "enorme" na
vizinhança dos 40% a elevação da taxa de
câmbio tenderia portanto a aumentar ao invés de reduzir o
excedente comercial da China. A moral é que se o objectivo é
realmente mudar os padrões de exportação, não
há razão para desvalorizar excepto em excesso (isto é,
cerca de 40%). Este foi o princípio seguido pelo presidente Franklin
Roosevelt nos EUA, em 1933.
Criar mais crédito interno a taxas de juro baixas desestabilizaria a
China
As consequências de uma revalorização de renminbi seriam
provavelmente aquelas dos acordos de Plaza e do Louvre a que os diplomatas
americanos forçaram o Japão após 1985. Espera-se que
economias com excedentes de pagamentos restaurem o
"equilíbrio" ao facilitar crédito para estimular uma
saída na balança de pagamentos.
O efeito é criar uma bolha financeira, descarrilando a competitividade
industrial e deixando o sistema bancário num pandemónio assolado
por dívida. O Japão aceitou inundar a sua economia com bastante
crédito para desestabilizar a sua indústria e mercados
imobiliários com dívidas que permaneceram durante os vinte anos
após o estouro da bolha em 1990. A China deveria evitar esta
espécie de política a todo custo. Para evitar a sobrecarga de
dívida que agora oprime as economias ocidentais, deveria minimizar a
alavancagem da dívida e limitar a capacidade do sistema bancário
para criar crédito ao comprar activos já existentes. Os bancos de
propriedade estrangeira, em particular, precisam ser restringidos de ajudar a
especulação com divisas do seu país de origem e da
relacionada extracção financeira de rendimento da economia da
China.
Equilibrar os pagamentos internacionais da China pela compra de recursos e
activos estrangeiros
Neste momento a China já procura comprar minerais, combustíveis e
recursos agrícolas no estrangeiro para abastecer-se com os produtos de
que precisa para o seu próprio crescimento. Mas estes esforços
ainda deixam excedentes de divisas externas substanciais. A maior parte dos
países tem utilizado estes excedentes para comprar sectores chave de
economias estrangeiras. Isto é o que a Grã-Bretanha, os Estados
Unidos e a França têm feito durante mais de um século.
Quando a economia dos EUA incide em excedentes de pagamentos com países
estrangeiros, insiste em que paguem pelas suas dívidas externas e
défices comerciais em curso através da abertura dos seus mercados
e pela "restauração do equilíbrio"
através da venda da sua infraestrutura pública chave,
indústrias, direitos minerais e elevadas encomendas a investidores
estado-unidenses. Mas o governo dos EUA tem impedido países estrangeiros
de fazerem o mesmo com os Estados Unidos. Esta assimetria tem sido o factor
principal a provocar a desigualdade entre os altos retornos do sector privado
dos EUA e os baixos retornos oficiais do estrangeiro sobre os seus haveres em
dólares.
A recusa do governo dos EUA a comportar-se simetricamente ao não deixar
a China comprar companhias chave estado-unidenses com os influxos de
dólares que entram na China para comprar as suas próprias
companhias, acima de tudo seu sector financeiro e bancário, é em
grande medida responsável pela situação assimétrica
observada acima, na qual investidores dos EUA ganham 20% na China, mas a China
ganha apenas 1% nos EUA.
Recomprar investimentos estrangeiros na China
A onda do futuro é evitar de todo uma acumulação de
divisas externas. O meio principal para isto é uma opção
que governos europeus têm discutido: utilizar seu excesso de
dólares para comprar os haveres de investimentos dos EUA nos seus
países, ao valor registado na contabilidade. Com efeito, a China diria
aos Estados Unidos:
"Nós vos deixámos investir nas nossas próprias
fábricas e mesmo nos nossos bancos, e vos deixámos participar nos
nossos sectores chave mesmo quando estes têm privilégios internos
especiais. Os vossos economistas aconselharam-nos dizendo que este é o
modo mais eficiente de dirigir a economia. Mas não é avisado que
os próprios Estados Unidos o sigam. Vocês não estão
a deixar-nos utilizar os dólares que investiram aqui e os
dólares que a China ganha ao exportar os produtos do seu trabalho
para comprar investimentos correspondentes no vosso país".
"É naturalmente do direito soberano de todo país determinar
quem possuirá e controlará a sua indústria, os
privilégios bancários de criação de crédito
e outros recursos. Aceitamos este princípio do direito internacional.
Assim, analogamente, estamos a utilizar o excedente de dólares para
comprar investimentos dos EUA e de outros países na China. Estamos
desejosos de fazer isto de acordo com o direito internacional e a pagar o valor
registado na contabilidade com que os vossos próprios contabilistas
relatam ser o valor dos seus investimentos na China".
"Isto estabilizará as taxas de câmbio internacionais ao
restaurar o equilíbrio dos pagamentos internacionais. É
especialmente natural visto que entendemos que o mercado de bens de consumo dos
EUA está a contrair-se, obrigando-nos a nos voltarmos para o nosso
próprio mercado interno".
Obviamente, os detentores estado-unidenses de investimentos na China
queixar-se-iam de que os seus haveres estão a valor mais do que o valor
registado na contabilidade que declararam. Na verdade, esta é a
principal razão porque os actuais investidores na China estão a
tentar impedir o governo dos EUA de se empenhar mais em políticas
proteccionistas anti-chinesas. Mas caso os governos rejeitem o seu conselho e
"avancem sozinhos" tomando medidas anti-China, a China estaria em
posição de responder a uma iniciativa dos EUA ao invés de
actuar independentemente. E certamente teria o apoio de outros países
numa posição semelhante em relação às
tentativas dos EUA de politizar o investimento estrangeiro.
Este problema surgiu nas décadas de 1960 e 70, quando o governo dos EUA
direccionou filiais estrangeiras de firmas estado-unidenses a adoptarem
políticas da Guerra-fria para evitar comércio com a China, a
União Soviética e outras economias alvo. Governos estrangeiros
salientaram, quanto às directivas dos EUA de como filiais em
países estrangeiros podiam actuar, que as filiais estavam sujeitas
às leis do país hospedeiro e não àquelas dos
Estados Unidos.
Esta questão está a ser ressuscitada hoje em
relação às sanções contra o Irão e
outros países. O direito internacional há muito tem há
muito apoiado países hospedeiros em relação a
comércio e política de investimento, política de
crédito e assim por diante. Espero que isto se torne um factor
importante nas recompras estrangeiras de investimentos dos EUA no exterior
na Europa e em outros países asiáticas, inclusive a China.
Talvez venha a ser necessária uma comissão para debater um
preço justo para estas compras futuras. Mas tais casos habitualmente
levam um tempo considerável para resolver. Há
implicações desta política que preferiria discutir
oralmente num momento apropriado ao invés de elaborar mais na presente
carta.
Sumário: A iniquidade do défice do dólar
A China, o resto da Ásia e a Rússia têm estado a financiar
os gastos em dólares dos EUA no estrangeiro para pagar pelo cerco
militar da América do Hemisfério Leste e para investidores dos
EUA comprarem as jóias da coroa da indústria,
instituições financeiras e infraestrutura pública
asiática. Esta situação é assimétrica
não só economicamente como também politicamente. Em 1823,
a Doutrina Monroe dos EUA dizia à Europa para manter-se afastada do
Hemisfério Ocidental, acabando com o colonialismo e a hegemonia
política europeia na América Latina. Os Estados Unidos
substituíram as principais potências europeias como investidor e
influência política e militar.
Hoje, muitas pessoas nos Estados Unidos, Canadá e Europa pretendem ver o
desarmamento global num mundo multi-polar ao invés de num mundo
unipolar. Elas acreditam que nenhum país deveria obter um
benefício sem custo ou dominar o mundo militarmente. Isto não
seria um mercado livre. No fim, relações económicas,
políticas e militares tendem a estabelecer-se com regras comuns
simétricas para todas as partes. Uma geração atrás,
o economista de Harvard Albert Hirschman apelou ao desinvestimento dos EUA na
América Latina e países do terceiro mundo argumentando com o
próprio interesse económico dos EUA. Hoje, a economia dos EUA
está a sofrer de défices crónicos do orçamento
interno que em grande medida são de carácter militar, e
défices de pagamentos crónicos. Desescalar gastos militares
libertaria recursos para utilização na sua própria
economia, enquanto permitiria às economias estrangeiras tornar menos
intensos os seus próprios orçamentos militares.
Esta lógica é endossada por muitos cidadãos e economistas
dos EUA. Ela pode ser promovida por um sistema no qual nenhuma economia
nacional permaneça num sistema monetários baseado nos gastos
militares de um país militarizado em défice crónico e
dívida em ascensão para além da sua previsível
capacidade de pagar. Esta espécie de benefício gratuito
caracterizou os impérios de tempos passados, mas o presente
século promete um mundo mais justo, equitativo e
(esperançosamente) menos militarizado.
12/Julho/2010
[NT]
IOUs: I owe you, acordo para a devolução de uma dívida
[*]
Professor emérito de Ciências Económicas, Universidade do
Missouri (Kansas City), Professor honorário da Huazhong University of
Science and Technology (Wuhan)
O original encontra-se em
http://michael-hudson.com/2010/07/dollar-hegemony-and-the-rise-of-china/
. Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|