Crise sistémica global
2015: O mundo vira para Leste
Nas últimas quatro semanas verificaram-se factos transcendentais. Por um
lado, a China tornou-se a primeira potência económica mundial,
ultrapassando oficialmente os Estados Unidos, com um peso económico
oficial (números do FMI) de 17,61 mil milhões de dólares
(contra 17,4 para os EUA). Apesar de os media "de referência"
não terem dado a mínima importância a esta
informação, nossa equipe, em contrapartida, considera que se
trata de um acontecimento histórico: os Estados Unidos já
não são a primeira potência económica mundial e,
forçosamente, isso muda tudo!
[1]
Tanto mais porque, em paralelo à ultrapassagem deste marco, os Estados
Unidos, depois de terem tentado impressionar o planeta com um militarismo
arrogante durante a crise ucraniana, revelam uma fraqueza estratégica
importante na sua "gestão" da crise iraquiana. A
política musculada, que parecia obrigar o mundo a ficar sob a
tutela americana por um tempo indefinido, torna-se insuficiente.
Estes dois indicadores permitem discernir um ponto de inflexão
importante no desenrolar da crise sistémica global: a passagem de um
mundo americano a um mundo chinês...
Europa, Rússia Estabelecimento de um plano Marshall
"à chinesa"
Este emergir evidente do actor chinês foi precipitado pela crise
ucraniana. Se bem que a China tivesse interesse em ir amadurecendo o seu
emergir de modo discreto, enquanto os russos mantinham a distância uma
China inevitavelmente invasiva, e apesar de os europeus também manterem
condições para um emergir suave deste mega-actor, a crise
ucraniana acelerou a mutação e em parte escapou ao controle dos
actores.
Já fizemos notar que a crise ucraniana e a política de
sanções pressionaram os russos a aceitar assinar um preço
menos interessante do que esperavam no famoso acordo gasista
russo-chinês. A Ucrânia fez com que os russos ficassem em
desvantagem na negociação deste acordo com a China.
Por estes dias, o primeiro-ministro chinês está em visita oficial
à Europa e à Rússia
[2]
. Eles traz molhadas de contratos, projectos de investimentos e perspectivas de
negócios
[3]
, um verdadeiro plano Marshall de reconstrução das economias
europeias e russas, parcialmente destruídas pela guerra ucraniana
[4]
... Um plano irresistível, certamente. Mas estarão agora reunidas
as condições para sermos realmente cauteloso na
preservação da nossa independência em relação
a esta nova potência? Recordemos que o plano Marshall contribuiu para
encadear a Europa do pós-guerra aos Estados Unidos.
A City de Londres já foi salva da falência pela China que dela fez
a primeira praça financeira fora do seu território a poder
obrigações em yuan
[5]
. Por isso, a Inglaterra tornou-se uma fervorosa promotora da
agregação do yuan aos Direitos Especiais de Saque (DES) do FMI. O
próprio BCE começou a considerar acrescentar o yuan às
suas reservas internacionais
[6]
. E a Europa encontra-se a desempenhar o papel que lhe cabe de facilitar da
transição sistémica entre o mundo de antes e o mundo de
depois da crise. Mas para desempenhar tal papel, teria sido preferível
que fosse movida por uma visão
[7]
ao invés da cobiça do ganhou ou mesmo por simples reflexo de
sobrevivência.
Toda esta actividade entre a Europa, a Rússia e a China vai culminar nos
próximos dias com a realização da
cimeira ASEM
, em Milão, dias 16 e 17 de Outubro. Este acontecimento tem toda a
probabilidades de deixar uma marca nos livros de história, uma que vai
reunir a Europa e a Ásia e proporcionar a plataforma de
resolução da crise do Euro, da crise ucranianas, da crise
euro-russa, da crise sistémica global... permitindo assim a
transição para o mundo do pós crise. Teria sido mais
"multipolarizante" que o acto fundador do mundo de depois fosse
selado numa cimeira Euro-BRICS
[8]
, mas há urgência e, afinal de contas, três dos cinco BRICS
estarão presentes (Rússia, Índia e China)... A cimeira
ASEM tem em comum com a ideia de uma cimeira Euro-BRICS sobretudo o facto de
ser representativa das novas realidades globais (peso económico,
comercial, demográfico) e de não contar com os Estados Unidos,
que doravante e até novo aviso apenas lança uma sombra sobre toda
tentativa de adaptação do sistema mundial às novas
realidades.
O êxito deste encontro vai tornar evidente para todos o contraste entre
as perspectivas oferecidas pela aliança com os Estados Unidos (que
tratam sobretudo de questões de guerra) e aquelas oferecidas por uma
aproximação estratégica com a Ásia (ou se trata
sobretudo da questão da recuperação económica)
[9]
. Nossa equipe antecipa que as esperanças trazidas por esta cimeira
terão nomeadamente como efeito dar o golpe de graça ao tratado
transatlântico, o controverso TTIP
[10]
.
Nossos leitores sabem que a nossa equipe não teme a irresistível
ascensão do poder da China. Mas não é possível
fazer antecipação sem por em perspectiva hipóteses de
futuro que incluem mudanças de regimes, derivas próprias
às posições dos todo-poderosos, endurecimentos
conjunturais... Assim, face à chegada de um novo patrão na cena
internacional, a Europa (e todo o mundo) deve ser capaz de simultaneamente
acolher positivamente a nova realidade e cuidar de repensar as
condições de preservação da sua independência.
Nesta matéria, nossa equipe permite-se uma ponta de optimismo. As
primeiras gerações de estudantes formadas na Europa
(graças ao programa Erasmus e às dinâmicas trans-europeias
em matéria de ensino superior) têm agora 45-50 anos, a idade em
que se começa a influenciar, quer nos círculos políticos
quer nos económicos. Sua capacidade para se integrar num mundo
multipolar é infinitamente superior àquelas das elites
saídas das gerações anteriores, formadas nacionalmente ou
nos Estados Unidos, não falando no melhor dos casos senão o
inglês. Graças ao Erasmus, a Europa tem todos os trunfos na
mão para influir à escala global apesar da sua pequena
dimensão relativa: multilinguismo, multiculturalismo natural que
facilita a abertura ao mundo e a compreensão da complexidade, etc.
Em conclusão, a emergência do mundo multipolar retoma seu curso de
acordo com as antecipações do LEAP... A retomada terá sido
apenas mais dolorosa e o mundo será um pouco mais chinês do que
uma transição organizada teria permitido.
Notas:
(1) Menos espalhafatoso, mas ainda assim emblemático de uma
mudança de paradigma, o facto de a China anunciar que adopta um novo
modo de cálculo do PIB, integrando outros parâmetros além
do crescimento. Uma decisão cuja pertinência objectiva e a base de
aplicação (China) pode relegar o velho PIB à categoria das
ferramentas da pré-história económica. O nevoeiro
estatístico vai tender a baixar e a paisagem já não
terá mais nada a ver com o que conhecemos! Fonte:
Europe Solidaire
, 09/10/2014.
(2) Fontes:
China Daily
, 08/10/2014.
(3) Fontes:
Business Insider
, 14/10/2014;
China Daily
, 09/10/2014.
(4) A crise euro-russa e a política de sanções
mútuas são evidentemente as causas principais da
considerável desaceleração económica do continente
nestes últimos meses. Esta realidade, que não é objecto de
qualquer comentário na imprensa, foi no entanto posta em evidência
pelos números catastróficos da economia alemã... como que
por acaso nos últimos seis meses. Fontes:
The Telegraph
, 06/10/2014;
International Business Times
, 09/10/2014.
(5) Fonte:
Wall Street Journal
, 09/10/2014.
(6) Fonte:
Malay Mail
, 11/10/2014.
(7) Ao promover activamente a emergência de uma mundo multipolar
graças a uma aproximação Euro-BRICS
tal como desde 2009 tem preconizado Franck Biancheri e o LEAP.
(8) Tal como temos promovido activamente desde 2009. Ver
projecto Euro-BRICS
do
LEAP.
(9) O GlobalEuromètre o testemunha desde há alguns meses: muitas
pessoas na Europa estão conscientes do facto de que as dinâmica do
futuro se situam mais do lado dos BRICS que dos Estados Unidos.
(10) O TTIP de que sempre antecipamos que não veria a luz, a não
ser sob uma forma totalmente edulcorada (para que Bruxelas e Washington
não percam a face), mas que o deslocamento ideológico
"ocidentalista" destes últimos meses, desconectando a Europa
da realidade e aniquilando sua capacidade de reacção natural aos
acontecimentos, fez realmente correr o risco de uma assinatura forçada
deste acordo.
15/Outubro/2014
[*]
Global Europe Anticipation Bulletin.
O original encontra-se em
www.leap2020.eu/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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