Crise sistémica global 2013
A Grande Névoa Estatística obriga a passar da
navegação por instrumentos para a navegação
à vista
Armadilhas, referências e grelhas de leitura
Nas tendências Up&Down apresentadas no número de Janeiro, nossa
equipe havia colocado em Down "Os indicadores económicos" com
os seguintes argumentos: "Entre indicadores económicos de curto
prazo que descrevem apenas o que se passou na semana, mais os que são
manipulados pelos governos a fim de reflectirem a mensagem que desejam
transmitir e ainda outros que já não têm pertinência
no mundo actual, a realidade económica é pelo menos muito mal
descrita, até mesmo travestida, por estes números que no entanto
são seguidos pelas empresas, pelos bancos e pelos países. Esta
névoa estatística impede uma navegação
fiável, apesar de isto ser fundamental nestes tempos de crise".
Quer seja o fruto de manipulações intencionais por parte dos
actores no seu esforço de sobrevivência ou o resultado da extrema
volatilidade das bases de cálculo (como o valor das moedas e do US
dólar, muito particularmente), esta tendência confirma-se
efectivamente.
Indicadores fiáveis e pertinentes sobre a situação
económica, política e social mundial são contudo
indispensáveis a fim de atravessar a crise sem contratempos. Mas aqueles
utilizados pelos governos ou as empresas no melhor dos casos são
inúteis no período actual de remodelação profunda
e, no pior, nefastos. Eis porque a nossa equipe decidiu neste número do
GEAB pormenorizar quais os indicadores que reflectem a situação
real e quais são enganosos. Este trabalho permite sublinhar igualmente
que nem sempre os próprios indicadores são falseados, mas sim o
modo como são interpretados ou o estudo das razões que os fazem
evoluir.
Num mundo onde circulam tantos "activos fantasmas" ou dívidas
duvidosas, assim como produtos derivados opacos ou sem valor, as
finanças estão cada vez mais desconectadas da realidade. Os
indicadores financeiros (cotação das bolsas, nomeadamente) devem
portanto ser interpretados com a maior precaução como veremos
mais adiante. Da mesma forma, o folhetim semanal da "vida
económica" mantém-nos confiantes tanto com o anúncio
dos números da "confiança", do "sentimento",
como com os discursos dos bancos centrais... Mas não é a este
ritmo que evoluem os dados fundamentais e a realidade não se modifica
com o
método de Coué
;
que consiste em apegar-se a todos os dados de ordem psicológica. Estas
informações de curto prazo antes escondem os males profundos da
economia do que influem realmente sobre a realidade como pretendem,
particularmente neste período de grande crise.
Quanto às verdades estatísticas, o modo de cálculo destes
números por vezes não reflecte inteiramente a verdadeira paisagem
económica: assim acontece, por exemplo, com os números do
desemprego e da inflação, dois critérios bem ancorados na
realidade e que desempenham um papel importante. Mas, como diz a
expressão popular: "Como não pôde baixar a febre,
partiu o termómetro". E toda a questão é então
decifrar as estatísticas para obter uma visão mais precisa, como
fazemos mais abaixo para os Estados Unidos.
Além das estatísticas que descrevem a economia real (emprego,
consumo, volume de comércio internacional, consumo de energia, etc) e a
parte de virtualização da economia
(desindustrialização, endividamento), é igualmente
interessante considerar a realidade social e políticas por indicadores
que reflectem a pobreza, a demografia, os conflitos, o bloqueio
político, etc.
Finalmente, certos indicadores gerais como o Produto Interno Bruto (PIB) ou a
cotação das moedas são, evidente de seguir mas
mantende em mente que o primeiro pode ser artificialmente dopado pela parte
"virtual" da economia (activos apodrecidos dos bancos, por exemplo,
ou acções dos bancos centrais), e a segundo temporariamente
perturbada pela especulação, se bem que a longo prazo ainda
reflicta bem o estado relativo das economias dos diferentes países.
Em resumo, trata-se de conservar um olhar crítico sobre as
estatísticas quotidianas que nos são servidas. Na parte seguinte
aplicaremos este preceito sobretudo ao caso dos Estados Unidos, pois a
distorção ali é a mais caricatural e porque para a Europa
este exercício é efectuado a cada dia pelos media
anglo-saxónicos.
É mais importante encontrar as boas referências e eliminar as
ilusões uma vez que assistimos a uma verdadeira mudança de
paradigma estabelecido pelos Estados Unidos ou, por outras palavras, ao
afundamento do mundo que eles criaram. Desde há algumas décadas
eles de facto mantinham sua categoria unicamente porque se situavam acima das
regras do jogo mundial graça à proeminência e ao
carácter incontornável da sua moeda: o dólar. A
colocação em causa desta vantagem constrange-os a tornarem-se uma
potência como as outras. Isso necessita um ajustamento
considerável que reflicta, por exemplo, o défice comercial
abissal, a desindustrialização ou o endividamento do país,
com consequências imensas sobre a sua capacidade de influência e
sobre o nível de vida dos americanos.
Os países da órbita dos EUA, principalmente Reino Unido e
Japão, totalmente alinhados sobre os princípios do modelo
económico americano e que se aproveitavam da situação
privilegiada do patrão, sofrem igualmente. A Europa, próxima do
modelo económico estado-unidense, em particular desde a queda do muro de
Berlim, mas cujo projecto de integração tinha por objectivo
aumentar a independência em relação aos Estados Unidos,
é em parte arrastada no turbilhão, mas dispõe de
características estruturais que lhe dão ferramentas para poder
desenredar-se. Dito isso, em 2013, não só as potências
ocidentais como o mundo inteiro será sacudido, incluindo as novas
potências representadas pelos BRICs nos quais começam a surgir
bolhas, provocadas pela utilização das injecções de
dinheiro fácil do Fed na economia estado-unidense e a seguir na mundial
[1]
.
A situação europeia está longe de ser perfeita, com um
desemprego elevado, um crescimento fraco (ou negativo) e, agora, uma crise
política que mina o arranque da confiança dos mercados no euro.
Contudo, os países europeus não têm de praticar um
ajustamento tão doloroso quanto os Estados Unidos. No caso da
Eurolândia, a adaptação necessária, longe de estar
terminada, ainda assim está encetada. Recordemos que segundo a nossa
equipe, a UE não tem futuro sob a sua forma actual, constantemente
bloqueada pelos adiamentos britânicos, minada por uma
ampliação descontrolada em grande parte pilotada por Washington,
paralisada por instituições esclerosadas de Bruxelas e a sofrer
além disso de um défice democrático cruel. Uma
Eurolândia poderosa, integrada naturalmente pela moeda comum,
flexível e desembaraçada dos pesos mortos, constitui o novo motor
capaz de insuflar as dinâmicas necessárias para resolver os
problemas europeus quer sejam de ordem financeira, económica, social ou
política neste sentido, ela é a única
solução com futuro neste continente. Como analisamos mais
adiante, estas dinâmicas, antecipadas pelo LEAP e que permitiram vencer a
tempestade que sobre ela se abateu em 2010-2012, vão agora, no momento
em que a crise do euro se torna uma crise política, permitir enfrentar o
grande desafio político da integração europeia: sua
democratização (uma democratização sem a qual ela
não teria, apesar de todos os seus trunfos, qualquer futuro).
Finalmente, antes de apresentar nossas recomendações e o
GlobalEuromètre, proporemos uma análise da situação
geopolítica na Coreia, novo campo de batalha entre a China e os Estados
Unidos.
Mercados financeiros: um indicador a ler ao contrário
Começamos pelo símbolo da retomada americana, a bolsa, que mostra
resultados insolentes: os índices Dow Jones, S&P500 e Nasdaq bateram os
seus recordes de 2008, ou estão muitos próximos disso
[2]
. A única razão desta alta é clara e é mesmo
reconhecida oficialmente
[3]
: as bolsas devem a sua saúde unicamente ao Fed cujas
injecções de liquidez vêm inchar artificialmente as
cotações. Trata-se portanto de um indicador manipulado e
certamente não reflectindo a economia real, sendo o objectivo recuperar
confiança pela alta das cotações e assim relançar o
consumo. Não é seguro que este objectivo seja atingido um dia no
momento em que a confiança dos consumidores permanece inferior às
mais baixas do período 1995-2007 (sem contar que o índice de
confiança a seis meses no futuro ainda está 7 pontos mais baixo
[4]
).
Contudo, mesmo este "embelezamento" a priori indubitável deve
ser posto em perspectiva. Onde está o recorde quando o curso do Dow
Jones é comparado ao ouro, medida sob certos aspectos mais crível
que o US dólar?
Ou como se rejubilar com os desempenhos da bolsa quando os volumes estão
40 a 50% mais fracos que antes da crise e tão fracos que só o
casino da especulação faz evoluir as cotações?
Como se vê, a cotação das bolsas está completamente
desligada da economia real e portanto não é mais um indicador
pertinente. É esclarecedor ver que a distorção é
maior nos Estados Unidos, ao passo que na Europa o índice Euro Stoxx 50
estagnou desde 2009 assim como numerosos outros índice nacionais europeu
(CAC40 por exemplo) e que o índice de Shangai baixa desde há mais
de dois anos (!) apesar do dinamismo chinês. A ausência de
pertinência deste indicador também é ilustrada pela
ascensão súbita do Nikkei (+40% em menos de quatro meses) no
momento em que o Japão está muito mal com dívidas
insustentáveis e um défice comercial elevado desde há
quatro anos. A cotação de bolsa, se é um índice de
alguma coisa, é a do grau de virtualização da economia, da
importância do fenómeno especulativo e do grau de endividamento de
um país. A equipe do LEAP nunca deu grande importância aos
movimentos de bolsa. Contudo, de certa maneira, poderíamos com
legitimidade ler os seus movimentos em sentido inverso do que se supõe
que digam: que quanto mais altos estão os mercados bolsistas, mais a
situação económica real é catastrófica
e o inverso.
Os números assim dissecados no resto do artigo são: o emprego, as
moedas, o imobiliário, a balança comercial e o consumo.
15/Março/2013
Notas
(1) Fonte:
Asia Times
, 25/02/2013
(2) O que não é forçosamente uma boa notícia
quando se sabe o que se passou da última vez que as bolsas atingiram
estes níveis...
(3) Fonte:
The Examiner
, 21/02/2013.
(4) Fonte:
Bloomberg
, 01/03/2013.
[*]
Global Europe Anticipation Bulletin.
O original encontra-se em
www.leap2020.eu/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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