Katrina-Sandy: De um furacão ao outro
O fim da América tal como era conhecida
Tal como antecipado há vários meses pelo LEAP/E2020, o grande
choque para a economia e a estabilidade política global chegou no Outono
de 2012 sob a forma de um acontecimento simbólico que será
assinalado na história mundial: o furacão Sandy.
Em termos de antecipação política, método sobre o
qual o LEAP fundamenta suas análises
[1]
, o Sandy corresponde a duas características: o acontecimento "gota
de água" que torna insuportável as fracturas acumuladas e
rompe um sistema; e o acontecimento simbólico que atinge a
imaginação e transforma definitivamente a imagem de uma realidade
pois é preciso sempre distinguir entre a realidade de uma
mudança sistémica (em marcha desde pelo menos 2008) e sua
aceitação colectiva (no caso presente: a América já
não é o que era).
O mês de Outubro de 2012 permanecerá portanto nos livros de
história como a data do fim da América tal foi conhecida no
século XX. O dia 29 de Outubro, a passagem do furacão Sandy sobre
Nova York, 83 anos após a terça-feira negra da crise de 1929,
revela ao mundo o estado real da sociedade americana e do seu símbolo,
Nova York. A viragem é impressionante à simples leitura dos media
de todo o mundo, que na véspera de uma eleição que tinha
tudo para fascinar o planeta fazia manchetes sobre uma América
"mudada", "dividida", "do terceiro mundo",
"no impasse", "apocalíptica", etc... (ver lista de
links mais adiante). Este espelho americano foi o Sandy que o quebrou
definitivamente.
Confirmando todas as antecipações da equipe do LEAP/2020 desde
há seis anos sobre a degradação da saúde dos
Estados Unidos e, mais particularmente aquelas a partir do GEAB nº 65
[2]
, o furacão Sandy é o acontecimento que data a última
etapa do afundamento do sistema americano. Afectando o centro financeiro do
país, pondo em evidência a incapacidade da cidade mais poderosa do
país mais poderoso para resistir a um "pequeno" furacão
previsto com vários dias de antecedência, ele marca o fim da
América tal como foi conhecida.
Tal como antecipado em Janeiro de 2006, o "muro dólar"
[3]
rachou continuamente ao longo dos últimos seis anos e o Sandy atingiu
este muro rachado com plena força, revelando um "rei nu"
[4]
. A devastação de Nova Orleans em 2005 pelo furacão
Katrina pode ser comparada a Chernobil para a URSS de 1986 (surpreendendo o
mundo inteiro pela fraca gestão da crise e o estado real da economia) e
o muro dólar ao muro de Berlim. Dois anos após a queda do muro de
Berlim, a URSS afundava. Destruído pela crise, o muro dólar
já não está presente e 2013 será o ano do
afundamento da América do século XX.
Do Katrina ao Sany, passando pelo Lehman Brothers, esta sucessão de
choques pôs o poder estado-unidense de rastros: a confiança do
resto do mundo esfumou-se. É preciso ler em particular, a este respeito,
o incrível artigo da
Spiegel,
Divided States of America: Notes on the Decline of a Great Nation
[5]
, um verdadeiro condensado de seis anos de antecipações do
LEAP... numa revista "convicções firmes" como a
Spiegel,
isso não é realmente anódino.
Após o Sandy e a eleição presidencial, os media fizeram
claramente uma meia volta, inclusive os media europeus habitualmente
admiradores dos Estados Unidos, e agora encaram este país com o olho
crítico da realidade
[6]
. A constatação é unânime: a grande potência
saída da segunda guerra mundial já não o é.
No rastro do Sandy, a reeleição de Obama tem um sabor amargo para
metade dos americanos e para o resto do mundo, como se vê nas manchetes
da sua imprensa: aquilo que deveria ser uma boa notícia, pois Obama era
o candidato natural do resto mundo, anuncia claramente a ausência de
mudança, o que é inevitavelmente a pior das coisas à luz
do que se sabe sobre a situação político-económica
dos Estados Unidos. Todos os problemas não resolvidos nestes
últimos quatro anos estão novamente sobre a mesa. O
período de campanha eleitoral tendo-os artificialmente aplainado, eles
ressaltam agora mais poderosos, mais insolúveis.
Com o ressurgimento dos problemas evadidos durante a campanha eleitoral e uma
reeleição de Obama difícil de engolir pelos republicanos,
os Estados Unidos não ultrapassarão os desafios que se anunciam
no fim de 2012 e princípios de 2013: do lado económico,
"precipício fiscal", elevação do tecto da
dívida, "bolha de títulos", bolha dos créditos
para estudantes; do lado social, a fractura explosiva do país entre os
brancos maioritariamente pró Romney e as "minorias"
maioritariamente pró Obama e, como antecipado no GEAB nº 68,
tumultos que se arriscam a degenerar em secessão e guerra civil
considerando a quantidade de armas em circulação no país;
do lado político, um bloqueio que perdura e que corre o risco de
desembocar num golpe de Estado militar num país em que o exército
parece cada vez mais claramente como a única coisa a funcionar
correctamente, a única portanto capaz de retomar o controle.
Desenvolvemos esta análise do afundamento americano neste número
69 do GEAB.
Abordamos igualmente os problemas do grande vizinho dos Estados Unidos, o
Canadá, com a explosão da sua bolha imobiliária e suas
consequências. Se bem que a situação canadiana esteja por
enquanto longe de ser tão grave quanto aquela dos Estados Unidos, a
América do Norte prepara-se para viver momentos difíceis.
Mas a nossa equipe recorda que a crise é mundial e não poupa
sequer os países emergentes, a China à cabeça: revemos
neste número os desafios que aguardam a China, nomeadamente os
movimentos sociais que vão afectá-la em 2013 (como vimos para a
Europa e os Estados Unidos nos dois números anteriores).
Apresentamos também, naturalmente, nossas recomendações
mensais (divisas, bolsas, etc) e o GlobalEuromètre.
Se enfatizamos os Estados Unidos neste número, não há que
perder de vista a situação explosiva mundial e nomeadamente
geopolítica, que também está ligada à perda de
influência americana. Vê-se nomeadamente no papel voluntariamente
secundário que desempenharam na Líbia, no Mali, na Síria:
devido a constrangimentos orçamentais, sua nova estratégia
consiste em "delegar" as suas agendas aos seus parceiros, a
França e o Reino Unido na Líbia, a CEDEAO no Mali
[7]
, Israel na Síria
[8]
, ... A ausência do líder geopolítico dos últimos 80
anos torna a situação no Médio Oriente particularmente
intrincada: todos os interesses, os mais díspares, ali se misturam numa
vasta cacofonia.
É do lado europeu ou russo-chinês que de facto se encontram as
soluções mas os europeus ainda não estão prestes a
dessolidarizar-se do seu antigo aliado americano, auto-neutralizando-se de
facto. Quanto aos russos e aos chineses, eles ainda beneficiam da aura
ideológica das "boas potência", a saber, aquelas cujos
interesses combinam com verdadeiros valores universais. Devido a este facto,
nem a Rússia nem a China, que vão seriamente ter de trabalhar
nestes valores sem os quais não há verdadeira potência,
estão ainda em condições de substituir o líder
perdido... ao menos pela força, o que é a pior das
soluções para eles... e para todo o mundo com certeza.
Outro sinal de enfraquecimento da potência americana, as
sanções sobre o Irão parecem impotentes salvo para
difundir entre os iranianos o ódio para com o Ocidente. Este é
outro espinho que os europeus cravaram voluntariamente no pé ao
invés de comprar o petróleo iraniano em euro. Com efeito, o
Irão agora escoa sem problemas seu petróleo para a China e a
Turquia. Apesar de membro da NATO, a Turquia paga-o em ouro via Dubai
[9]
com toda a legalidade. Este sistema mostra em simultâneo a fragilidade
da aliança ocidental e a facilidade dos países para prescindirem
do dólar a fim de pagar o petróleo, princípio que é
a peça fundamental da hegemonia do dólar e dos Estados Unidos no
mundo. Num futuro número do GEAB faremos um ponto da
situação sobre os desafios mundiais em torno do petróleo,
elemento central da geopolítica actual.
Finalmente, segundo o LEAP/E2020, a influência dos Estados Unidos sobre a
Europa faz-se também sentir cada vez menos. Se a situação
na Europa é pouco brilhante, com um desemprego elevado, um aumento da
pobreza na Grécia e na Espanha, nomeadamente, os media
anglo-saxónicos não agitam senão esporadicamente o
espectro da explosão do Euro e de maneira cada vez menos virulenta,
porque isto é cada vez menos crível e porque os problemas dos
Estados Unidos e os da Inglaterra são cada vez mais
visíveis. As mudanças na Eurolândia iniciadas na dor nestes
últimos quatro anos começam a dar os seus frutos
[10]
. O desligamento em relação à Wall Street e à City
fez-se no decorrer da "crise do Euro" e continua actualmente (11); no
caso da City, é o Reino Unido que se afasta (12). Assim, se a
Eurolândia será como todo o mundo sacudida pelo afundamento do
sistema americano, pelo menos não será aspirada por ele. No
entanto, numerosos desafios aguardam os europeus, nomeadamente o facto de a
atitude de Angela Merkel não facilitar as discussões com os seus
parceiros. Retornaremos ao assunto no GEAB nº 70, sobre o futuro
político da Alemanha em 2013 e posteriormente.
Notas:
(1) Ver Manuel d'Anticipation Politique, Marie-Hélène Caillol,
Editions Anticipolis
(2) Retorno antecipado precisamente para o Outono.
(3) Cf. GEAB n°1 e n°52.
(4) Como no conto de Andersen, As novas roupas do imperador. Fonte:
Wikipedia
(5) Fonte:
Der Spiegel,
05/11/2012
(6) Ler por exemplo: L'avenir sombre de l'Amérique, nouvel adversaire
d'Obama (
Libération
e
Süddeutsche Zeitung
, 07/11/2012), Les
États-Désunis d'Amérique (
La Tribune
, 06/11/2012), Rebuilding America (Foreign Policy, 14/11/2012), Waarom Amerika
niet langer
wereldmacht is ("Pourquoi l'Amérique n'est plus la puissance
mondiale", Elsevier.nl, etc.)
(7) Fonte:
Le Monde
, 11/11/2012
(8) Fonte:
The New York Times,
12/11/2012
(9) Fontes:
Reuters
, 23/10/2012;
ZeroHedge
, 23/10/2012
(10) Último exemplo até à data: um melhor enquadramento
europeu de certos produtos especulativos (CDS "nu" e venda a
descoberto sobre a dívida dos Estados) passou relativamente
desapercebido mas reforça as defesas dos países europeus contra
ofensivas financeiras. Fonte:
Le Monde,
01/11/2012.
(11) No domínio bancário por exemplo, ver
Seeking Alpha
(18/12/2011). Ou o pedido dos alemães para ter o direito de olhar o seu
ouro armazenado nos Estados Unidos (fonte
Der Spiegel,
30/10/2012).
(12) Fontes:
Financial Times
(04/11/2012),
Le Monde
(31/10/2012),
Der Spiegel
(02/11/2012), etc...
15/Novembro/2012
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Global Europe Anticipation Bulletin.
O original encontra-se em
www.leap2020.eu/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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