Crise sistémica global
Os cinco furacões devastadores do Verão de 2012
no centro do abalo geopolítico mundial
No seu número de Janeiro de 2012, o LEAP/2010 colocou o ano em curso sob
o signo do abalo geopolítico mundial. O primeiro trimestre de 2012
começou em grande medida a estabelecer que uma época estava com
efeito em vias de terminar com, nomeadamente: as decisões da
Rússia e da China de bloquear toda tentativa ocidental de
ingerência na Síria
[1]
; a vontade de afirmada dos mesmos, associados à Índia
[2]
em particular, de ignorar ou contornar o embargo petrolífero decidido
pelos Estados Unidos e a UE
[3]
contra o Irão; as tensões crescentes nas relações
entre os Estados Unidos e Israel
[4]
; a aceleração da política de diversificação
em afastamento do US dólar conduzida pela China
[5]
e os BRICs (mas igualmente pelo Japão e a Eurolândia
[6]
); as premissas da mudança de estratégia política da
Eurolândia por ocasião da campanha eleitoral francesa
[7]
; e a intensificação dos actos e discursos alimentando a
ascensão de potência de guerras comerciais trans-blocos
[8]
. Em Março de 2012 está-se longe de Março de 2011 e do
"assalto" à ONU pelo trio EUA/Reino Unido/França para
atacar a Líbia. Março de 2011 ainda estava no mundo unipolar
pós 1989. Março de 2012 já está no mundo multipolar
pós crise a hesitar entre confrontações e parcerias.
Assim, tal como antecipado pelo LEAP/E2020, o tratamento da "crise
grega"
[9]
fez desaparecer rapidamente a chamada "crise do Euro" das manchetes
dos media e das inquietações dos operadores. A histeria colectiva
mantida a respeito no decorrer do segundo semestre de 2011 pelos media
anglo-saxónicos e os euro-cépticos extinguiu-se lentamente: a
Eurolândia impõe-se cada vez mais como uma estrutura perene
[10]
, o Euro está novamente em voga nos mercados e para os bancos centrais
dos países emergentes
[11]
, o duo Eurogrupo/BCE funcionou eficazmente e os investidores privados tiveram
de aceitar um desconto indo até 70% dos seus haveres gregos, confirmando
assim a antecipação do LEAP/E2020 que falava então de um
desconto de 50% quando quase ninguém imaginava que a coisa fosse
possível sem uma "catástrofe" significando o fim do
Euro
[12]
. Finalmente, os mercados dobram-se sempre à lei do mais forte ... e ao
medo de perder mais, seja o que for que digam os teólogos do
ultra-liberalismo. Trata-se de uma lição que os dirigentes
políticos vão guardar cuidadosamente na memória pois
há outros descontos que estão para vir, nos Estados, no
Japão e na Europa. Aí voltaremos neste GEAB nº 63.
Paralelamente, e isso contribui para explicar a doce euforia que alimenta os
mercados e certo número de actores económicos e financeiros
nestes últimos meses, por causa do ano eleitoral e por necessidade de
fazer boa figura a qualquer custo numa zona Euro que não afunda
[13]
, os media financeiros americanos relançam o golpe dos
"green shoots"
do princípio de 2010 e da "retomada"
[14]
do princípio de 2011 a fim de pintar uma América em
"saída da crise". Contudo, neste princípio de 2012 os
Estados Unidos parecem uma decoração deprimente pintada por
Edward Hooper
[15]
e não com um cromo rutilante da década de 60 estilo
Andy Warhol
. Tal como em 2010 e 2011, a Primavera vai igualmente ser o momento do retorno
ao
mundo real.
Neste contexto, tanto mais perigoso porque todos os actores estão
adormecidos numa perigosa ilusão de "retorno à
normalidade", em particular do "re-arranque do motor económico
estado-unidense"
[16]
, o LEAP/E2020 considera necessário alertar seus leitores sobre o facto
de que o Verão de 2012 verá esta ilusão voar em
estilhaços. Com efeito, antecipamos que o Verão de 2012
verá a concretização de cinco choques devastadores que
estão no cerne do processo de abalo geopolítico mundial em curso.
As nuvens negras que se deslocam desde o princípio da crise em
matéria económica e financeira são agora reunidas pelas
nuvens sombrias dos afrontamentos geopolíticos.
São estes, segundo o LEAP/E2020, os cinco furacões devastadores
que vão marcar o Verão de 2012 e acelerar assim o processo de
abalo geopolítico mundial:
-
nova queda dos EUA na recessão, sobre o fundo da
estagnação europeia e do enfraquecimento dos BRICs
-
impasse para os bancos centrais e re-elevação das taxas
-
tempestade nos mercados de divisas e das dívidas públicas
ocidentais
-
Irão, a guerra "desnecessária"
-
novo krach dos mercados e das instituições financeiras.
Neste GEAB nº 63 a nossa equipa analisa portanto, em pormenor, estes cinco
choques do Verão de 2012.
Paralelamente, em parceira com as Editions Anticipolis, publicamos um novo
extracto do livro de Sylvain Périfel e Philippe Schneider, "2015
La grande chute de l'immobilier occidental", por ocasião da
colocação à venda da sua versão francesa. O livro
trata das perspectivas do mercado imobiliário residencial americano.
Finalmente, apresentamos nossas recomendações mensais focadas
neste número sobre o ouro, as divisas, os activos financeiros, as bolsas
e as matérias-primas.
Notas:
(1) Um artigo de
CameroonVoice
, publicado em 06/03/2012, apresenta uma vista
panorâmica interessante acerca desta situação de bloqueio
que nos parece útil analisar tanto sob o ângulo geopolítico
como sob o ângulo humanitário que tende a camuflar numerosos
parâmetros atrás das "evidências da justa causa".
Recordemo-nos do ataque à Líbia e das consequências
desastrosas que implica hoje para numerosos líbios e para toda a
região; a última até à data: a
desestabilização de toda uma parte da África sub-saariana,
como por exemplo o Mali. A este respeito, pode-se ler uma análise muito
interessante de Bernard Lugan em
Le Monde
de 12/03/2012.
(2) E o Japão que se mantém discreto mas não tem
intenção de cessar de abastecer-se de petróleo iraniano. A
China e a Índia por sua vez aumentam seus abastecimentos de
petróleo iraniano e saciam-se no vazio deixado pelos ocidentais.
Doravante os indianos utilizam mesmo o Irão como uma porta para o
petróleo da Ásia Central. Fontes:
Asahi Shimbun
, 29/02/2012;
Times of India
, 13/03/2012;
IndianPunchline
, 18/02/2012
(3) Aguardemos para ver no segundo semestre de 2012 qual será a vontade
da UE na matéria . Com o fim da tutela estado-unidense sobre a
política externa francesa seguida da mudança de presidente
francês, numerosos aspectos da política internacional da Europa
vão mudar.
(4) Numerosos são os responsáveis israelenses e americanos que
se perguntam em que estado vão estar as relações entre os
dois países no fim desta confrontação sem precedente sobre
a questão de um eventual ataque ao Irão. Para alguns, aproxima-se
do momento de "exaustão" de Israel por parte dos Estados
Unidos, como analisa o artigo de Gideon Levy no
Haaretz
de 04/03/2012.
(5) Últimos exemplos até à data: o acordo dos BRICs para
organizar entre si intercâmbios em divisas nacionais, e particularmente
em Yuan devido à vontade de Pequim de internacionalizar a sua divisa; e
a decisão do Japão de comprar títulos do tesouro
chinês em acordo com Pequim. Pequim age assim de modo oposto ao
Japão "dominante" dos anos 1980 que jamais ousou promover a
internacionalização do Yen. Basta este aspecto para reduzir a
nada todas as comparações entre a ascensão abortada do
Japão e a situação da China hoje. Tóquio estava sob
controle de Washington; Pequim não está. Fontes:
FT,
07/03/2012;
JapanToday
. 13/03/2012
(6) Os bancos da Eurolândia estão a retirar-se das suas
actividades de empréstimos em US$. Fonte:
JournalduNet
, 23/02/2012
(7) Nomeadamente o fim do social-liberalismo que ocupou o lugar da
social-democracia europeia durante estas duas últimas décadas; e
o retorno da "economia social de mercado" no cerne do modelo renano,
modelo histórico europeu continental. Da Eslováquia do novo
primeiro-ministro Fico à França do futuro presidente Hollande
(isto não é uma opção política mas o
resultado das nossas antecipações publicadas desde Novembro de
2010 no GEAB nº 49) passando pela Itália de Mario Monti e uma
Alemanha onde conservadores e sociais-democratas devem doravante fazer em
conjunto o caminho europeu uma vez que é preciso para obter a maioria
necessária à ratificação dos novos tratados
europeus, vê-se desenharem-se os contornos da futura estratégia
económica e social da Eurolândia: fiscalidade progressiva
reforçada, solidariedade social, eficácia económica,
colocação sob controle do sector financeiro, vigilância
aduaneira, ... em resumo: afastamento a grande velocidade do modelo
anglo-saxónico em moda desde há 20 anos entre as elites do
continente europeu.
(8) Últimos episódios até à data: o ataque diante
da OMC da política comercial chinesa quanto às "terras
raras" por parte dos Estados Unidos, apoiados pela UE e o Japão; os
novos desenvolvimentos das acusações recíprocas EUA/UE
sempre diante da OMC referentes às subvenções à
Boeing e Airbus; a "guerra monetária" desencadeada pelo Brasil
contra os Estados Unidos e a Europa. Fontes:
CNNMoney
, 12/03/2012 ; Bloomberg,
13/03/2012 ;
Mish's GETA
, 03/03/2012
(9) Igualmente, impensável para muitos há apenas três
meses, a agência Fitch de classificação acaba de subir a
nota
da Grécia. Fonte:
Le Monde
, 13/03/2012
(10) As questões de democratização destas estruturas
colocam-se como havíamos sublinhado. Mas estas estruturas (MEE, BCE,
...) doravante estão estabelecidas. Cabe aos actores e forças
políticas dos dois próximos anos encetar a sua
colocação sob controle pelos cidadãos ao invés de
passarem o seu tempo a lamentar um tempo maravilhoso ... em que os
cidadãos não tinham sequer a menor ideia de como o seu
país geria a sua dívida. E não é atacado os
tecnocratas que fizeram o "trabalho sujo" no meio da tempestade que
os políticos encontrarão o caminho da legitimação
democrática das instituições da Eurolândia, mas
propondo novos mecanismos e processos de implicação dos povos nas
decisões. A este respeito, é útil saber que no Parlamento
Europeu o grupo PPE (em que tem assento nomeadamente os partidos de Nicolas
Sarkozy e Angela Merkel) tenta matar no ovo uma proposta
trans-partidária de criação de 25 cadeiras do Parlamento
Europeu que seriam eleitas em listas transnacionais com a UE como
circunscrição única. Segundo o LEAP/E2020 esta proposta
é um pequeno passo no único caminho que pode conduzir a um
controle cidadão das decisões europeias. É
lamentável que cantores da necessidade da aproximação da
Europa dos povos sejam de facto cúmplices do bloqueio de uma primeira
tentativa séria nesta direcção. Fonte: European Voice,
11/03/2012
(11) Mesmo o
Financial Times,
apesar de ser um dos actores chave da histeria anti-euro, deve doravante
reconhecer que os mercados emergentes (actores públicos e privados)
reencontraram o seu apetite pela divisa europeia. Fonte:
Financial Times,
26/02/2012
(12) Insistimos sobre estes pontos pois não se pode esquecer demasiado
rapidamente os discursos dominantes de 2010 e 2011 que instigaram os
investidores a comprarem da dívida grega pois era uma "oportunidade
de ouro"! A seguir os mesmos "peritos" também
prognosticaram uma paridade /US$ o que levou muitos operadores a venderem
seus euros para comprar dólares de acordo com esta mesma lógica.
Resultado: estes "peritos", que pululam nas manchetes dos media e as
emissões financeiras, fizeram perder muito dinheiro a uns e outros. Para
saber antecipar o futuro também é preciso preservar a sua
memória!
(13) Não esquecemos que sem a histeria colectiva mantida em torno da
"crise do euro", desde o fim de 2011, os Estados Unidos teriam sido
incapazes de financiar os seus enormes défices. A Wall Street e a City
tiveram de pintar uma Europa à beira do precipício para poderem
manter o fluxo de compras dos seus títulos. Agora que esta propaganda
já não funciona, é pois vital tentar embelezar a
situação dos EUA para que a fonte externa de financiamento da
economia americana não seque. Ver GEAB n°58 à 61.
(14) Para registo: em meados de 2010 o FMI preocupava-se em não
"prejudicar a retomada". E em Janeiro de 2011 os peritos perguntavam
como aproveitar da "recuperação" demonstrada pelos
famosos "indicadores chave"! Fontes:
FMI
, 07/07/2010;
CreditInfocenter
, 27/01/2011
(15) Nossa equipe quer deixar claro que não aprecia o talento de Hopper
e que ele é aqui citado apenas porque é o pintor por
excelência da classe média da "era dourada" dos Estados
Unidos, que ele contudo em geral mostrou numa atmosfera muito depressiva.
Não podemos imaginar o que seria o ambiente dos seus quadros nos dias de
hoje com uma classe média em perdição numa "era de
ferro" do país.
(16) Recordamos que este é o credo fundamental sobre o qual repousa
todo o sistema económico e financeiro global. E em três anos de
crise, pela primeira vez desde 1945, este motor já não funciona.
Assim, é necessário afirmá-lo durante tanto tempo quanto
possível, à espera de um milagre. No Verão de 2012, as
tempestades provocarão relâmpagos mas nenhum deles será
miraculosos, muito pelo contrário.
15/Março/2012
NR: resistir.info ao publicar um texto não tem necessariamente de
concordar com todo o seu conteúdo.
[*]
Global Europe Anticipation Bulletin.
O original encontra-se em
www.leap2020.eu/...
Este comunicado encontra-se em
http://resistir.info/
.
|