Um pormenor esquecido:
A finitude dos recursos explica a crise financeira
por Gail, o Actuário
Recentemente, duas das maiores empresas actuariais pediram aos seus membros
para apresentarem estudos sobre a crise financeira. A única
limitação era que os estudos tinham de ser muito curtos
deveriam caber em duas folhas de papel.
Uma vez que já escrevi no passado sobre a crise financeira, aproveitei a
oportunidade para responder. Este é o meu resumo da actual
situação financeira, a sua ligação com os nossos
recursos limitados e o que precisamos fazer para acabar com a crise. Na verdade
não utilizei as palavras "pico de petróleo" e, na
verdade, o 'timing' deste pico é irrelevante. O problema é na
realidade o aperto financeiro que ocorre quando os recursos começam a
ficar caros, e para isso não é necessário um pico de
petróleo.
O nosso mundo é finito.
Todos sabemos que o mundo não é plano. Todos se ririam de
nós se construíssemos um modelo onde um planeta plano fosse uma
das maiores hipóteses de base.
Também sabemos que o mundo não é infinito. Há um
número finito de átomos na Terra e na sua atmosfera. A capacidade
que a atmosfera tem de absorver poluentes é limitada. A capacidade do
nosso solo para aguentar agressões repetidas também é
limitada. A quantidade de recursos não-renováveis também
é limitada.
Os combustíveis fósseis, em particular o petróleo,
são um problema especial. Apesar da quantidade de recursos parecer
gigantesca, o custo de extracção (em termos dos recursos
fósseis, homem-hora e água doce) aumenta fortemente após
termos extraído o petróleo facilmente extraível, o
gás natural e até o carvão. Os substitutos (tais como o
etanol e a energia fotovoltaica) são caros em termos de
utilização de combustíveis fósseis, homem-hora e
água doce. Também é difícil conseguir as
quantidades necessárias para substituir o nível de
combustíveis fósseis utilizados.
Recursos finitos mas crescimento eterno
Apesar do claro problema de um mundo finito, a comunidade financeira adoptou
como uma das suas crenças centrais que
o Crescimento económico é bom,
e de facto desejável. Um corolário subsequente é que a
Alavancagem financeira é boa.
O nosso sistema monetário está fortemente ligado à
dívida, e chegaria a uma paragem desastrosa se cessasse a
concessão de empréstimos. Os nossos bancos e companhias de seguro
dependem dos empréstimos, com a principal fonte de receita dos bancos a
serem os seus empréstimos, e as companhias de seguros a utilizarem
títulos para grande parte do lado do activo dos seus balanços.
Como chegámos nós à crença de que o crescimento
eterno era possível? Uma maneira foi simplesmente olhar para
trás. O crescimento tem continuado desde a revolução
industrial. Houve uma ligação inequívoca com os recursos
energéticos durante todo este tempo. A revolução
industrial utilizou o carvão para facilitar a criação de
bens. Mais tarde adicionámos petróleo, gás natural e
urânio como fonte energéticas adicionais. A
utilização de energia pelo mundo tem subido a longo prazo,
praticamente sem interrupção.
Outra maneira de justificarmos a ideia de crescimento eterno foi através
de modelos económicos que ignoram a contribuição da
energia e, claro, o facto de vivermos num mundo finito. Modelos
económicos deste tipo incluem o Modelo de Crescimento de Solow-Swan, que
considera as contribuições do trabalho e do capital, e a
Função de Produção de Cobb-Douglas que considera o
trabalho, o capital e a produtividade. Nenhum destes modelos foi
construído considerando limites.
A ligação entre os recursos energéticos e o crescimento
económico
Robert Ayres e Benjamin Warr
mostraram
em 2004 uma forte ligação entre os recursos energéticos e
o crescimento económico. Descobriram-na quando usaram um modelo
económico que considera ao mesmo tempo o aumento do uso da energia com o
aumento da eficiência energética. É explicativa do vasto
crescimento da economia dos EUA entre 1900 e 2000, excepto por um
resíduo de cerca de 12% após 1975.
O senso comum também nos diz que os recursos energéticos
são necessários para o crescimento, e até para manter a
nossa economia a funcionar. Há muito pouca actividade económica
que possamos desenvolver sem gasóleo, gasolina ou electricidade. O senso
comum diz-nos que modelos como o Modelo de Crescimento de Solow-Swan e a
Função de Produção de Cobb-Douglas são
incompletos.
A aproximação aos limites
Não interessa de que tipo de recursos estamos a falar, eles simplesmente
não "acabam", enquanto nós os utilizamos cada vez mais.
Em vez disso, começam a ser mais e mais difíceis de extrair. No
caso dos minerais, as concentrações dos minérios tornam-se
cada vez mais baixas, as minas precisam ser cavadas cada vez mais fundo. Os
combustíveis fósseis passam a ter qualidade inferior e a serem
mais difíceis de extrair.
Durante muitos anos, o esgotamento não foi um problema. Os recursos eram
tão vastos e a alavancagem proporcionada pelos combustíveis
fósseis era tão grande que poderíamos extrair tanto de
qualquer material quanto quiséssemos (petróleo, gás
natural, carvão, urânio, cobre, fósforo, ouro, platina,
índio, gálio, água doce e muitas outras coisas) a baixos
custos, nas quantidades necessárias, para qualquer uso que se desejasse.
O que tem acontecido nos últimos anos é que
começámos a chegar a um ponto onde a extracção
destes recursos está a ficar cada vez mais difícil. Em Abril de
2007, os presidentes da Royal Dutch Shell e da francesa Total SA
afirmaram
que os dias do "petróleo fácil" acabaram. Na semana
passada a Agência Internacional de Energia publicou um relatório
cujo
sumário executivo
começa assim "O sistema energético mundial está numa
encruzilhada. As tendências mundiais em termos de disponibilidade e
consumo de energia são claramente insustentáveis ambiental,
económica e socialmente.".
A nossa actual crise económica
Agora que estamos a chegar a um ponto onde a extracção de
combustíveis fósseis e minerais de todos os tipos está a
começar a atingir os seus limites, vemos que a economia começa a
aquecer, com o preço de muito bens a atingir valores
elevadíssimos. Parte disto deve-se à competição por
recursos limitados. Outra parte deve-se ao elevado custo de
extracção destes recursos, agora que estamos cada vez mais a
atingir limites. Os preços dos alimentos foram também afectados,
em parte por causa do petróleo (para a maquinaria) e gás natural
(para o fertilizantes azotados) usados na produção dos alimentos
e em parte por causa da competição com a produção
de milho utilizada para a produção de etanol, que aumenta o
preço da terra.
Uma vez que os preços dos alimentos e dos combustíveis aumentam,
as pessoas começam a ter dificuldade em pagar as suas dívidas, e
os créditos mal parados aumentam. Agora os créditos mal parados
começam a surgir um pouco por toda a economia. A fraca
condição financeira dos bancos predispõe-nos a não
emprestarem dinheiro. Esta falta de créditos faz com que seja difícil
para muito compradores directos ou indirectos de bens comprarem produtos de
muitos tipos (petróleo, gás natural, urânio e cobre, por
exemplo). Os preços começam aí a baixar acentuadamente
para uma vasta gama de produtos, porque os preços são
relativamente inelásticos.
Estes preços baixos têm um efeito de feedback na nova
produção de bens. Num trabalho a ser publicado em breve no
Journal of Energy Security
, demonstro que a crise de crédito e os resultantes preços em
decréscimo de bens estão a levar a cortes na
produção de produtos energéticos de todos os tipos
(combustíveis fósseis, renováveis e urânio). Como
resultado, se a economia voltar a ganhar ritmo, teremos mais uma ronda de
aumentos nos preços dos produtos. A isto seguir-se-á nova ronda
de créditos mal parados.
Qual é a solução?
Num mundo finito, em breve encontrar-nos-emos numa economia estacionária
ou em declínio, simplesmente porque não existem recursos
facilmente extraíveis para suportar o crescimento sem causar grandes
subidas de preços, seguidas de créditos mal parados e outras
rondas de contracção de crédito e quedas dos preços
dos produtos. A única solução que vejo é
desenvolver um novo sistema monetário que não se baseie em
dívidas e do qual não se espere crescimento. Idealmente,
decresceria na medida em que houvesse menos recursos e que a economia
declinasse naturalmente.
Com uma economia estagnada ou em declínio, dívidas de longo prazo
não fariam mais sentido. A probabilidade de os devedores serem capazes
de pagar os seus empréstimos com juros tornar-se-ia bastante baixa,
porque o sistema económico como um todo não cresceria nem
produziria excedentes que pudessem ser utilizados para pagamento de juros.
É muito mais fácil para um devedor pagar uma hipoteca de 20 anos
com juros quando recebe promoções e aumentos de salário do
que quando o seu empregador está a fazer despedimentos e reduzindo as
horas.
De algum modo, um sistema monetário necessita ser projectado para operar
sem dívida, excepto com a dívida de muito curto prazo para
facilitar as transacções comerciais. Temos ainda de nos livrar do
pântano de dívidas que criámos. Há hoje muito mais
dívida e muito mais promessas como a Segurança Social e a
Medicare do que existem recursos para supri-las.
A única maneira que consigo imaginar esta transição para
uma nova forma de sistema monetário é tendo um período
transitório em que ambos os sistemas monetários coexistam. O novo
dinheiro poderia inicialmente ser limitado no seu fornecimento e funcionar
apenas para produtos como a comida e a energia (algo como um sistema de
racionamento). As pessoas receberiam pagamentos nos dois sistemas
monetários. Finalmente o novo sistema monetário substituiria o
nosso problemático sistema actual.
21/Novembro/2008
O original encontra-se em
http://www.theoildrum.com/node/4770#more
. Traduzido por João Camargo.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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