Um pânico do Federal Reserve e uma operação maciça
de salvamento de bancos americanos paga pelo mundo inteiro
por Rodrigue Tremblay
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"As loucuras, os pânicos e as quedas das bolsas são
consequência de uma economia que cultiva a cupidez, a
conspiração e a ganância em vez de uma fé devota na
Regra de Ouro".
Peter L. Bernstein, Foreword to Manias, Panics, and Crashes (4th ed.) by C. P.
Kindleberger
"Numa crise, reduzam os preços e reduzam-nos fortemente".
Walter Bagehot (1826-1877), economista britânico
"O papel da Reserva Federal é esconder a taça do ponche logo
que a festa começa a ficar animada".
William McChesney Martin (1906-1998), Presidente do Fed (1951-1970)
"O estado da disfuncional política americana não me
dá grande confiança no futuro próximo".
Alan Greenspan, Presidente do Fed (1987-2006)
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A má gestão do dinheiro e do crédito sempre levou a
explosões financeiras ao longo dos séculos. As causas, curas e
consequências dessas catástrofes financeiras são quase
sempre repetitivas. Com efeito, esses colapsos financeiros são
normalmente resultado da avidez e da ganância desenfreada dos operadores
financeiros e da falta da indispensável supervisão pelas
instituições oficiais que deviam proteger os bens públicos
e comuns. Por exemplo, depois da crise financeira de Outubro/Novembro de 1907
nos Estados Unidos, acabou por ser aceite em 1913 a ideia avançada
inicialmente pelo banqueiro Paul Warburg para instituição de um
sistema bancário da Reserva Federal (Fed) em parte privado e em parte
público. O Fed tornou-se assim o prestamista de último recurso
para os bancos que chegam a uma posição de perda de liquidez. Mas
foi só depois da queda da bolsa de 1929 é que foi fundada a
Security and Exchange Commission (SEC).
Mas mesmos com instituições e regulamentações
estabelecidas, se elas forem inoperantes, corruptas ou desadaptadas, podem
continuar a ocorrer crises financeiras. E a actual crise financeira aí
está para nos recordar esse facto.
Em 18 de Setembro (2007), o Fed demonstrou algum pânico e anunciou o
corte de meio ponto percentual, mais do que era esperado, na taxa de fundos
federais e na taxa de desconto, isto depois de ter reduzido a taxa de desconto
de meio ponto, em 17 de Agosto, a fim de facilitar que os maiores bancos da
América contraíssem empréstimos e a fim de facilitar uma
operação de salvamento das suas afiliadas e de outros operadores,
tais como os hedge-funds
[1]
, apanhados pela crise dos empréstimos secundários. Com esta
atitude, o Fed de Bernanke
[2]
está a seguir o conselho de Bagehot para uma agressiva
redução de preços em situação de crise
financeira. Só que o problema é que a regra de Bahegot exige que
o banco central faça abundantes empréstimos em tempos de escassez
crítica de créditos
mas com uma taxa de juros alta. Ao
emprestar a prestamistas em dificuldade a taxas preferenciais reduzidas, o Fed
está a agir como "governo" deles, isto é, a subsidiar
as suas arriscadas operações de empréstimos e a carregar
de impostos apenas os que possuem dólares americanos. Não
está a tentar apenas torná-los mais "líquidos",
mas também mais "resolúveis" e com menos probabilidades
de falir.
Isto coloca três questões interessantes. Primeira, quem paga a
operação de salvamento das instituições financeiras
americanas; segunda, quais são as consequências a longo prazo da
maciça operação de salvamento empreendida pelo Fed; e
terceira, porque é que o Fed deixou que a situação
financeira se deteriorasse a um ponto tal que há um sector inteiro da
economia que se está a desmoronar e o seu colapso ameaça toda a
economia.
Em primeiro lugar, temos que considerar que o dólar americano ainda
continua a ser uma divisa de reserva chave, embora esteja a perder terreno para
o euro, e a maior parte dos bancos centrais ainda continua a mantê-lo em
quantidades enormes nas suas reservas de divisas estrangeiras, tal como
acontece com bancos privados, entidades comerciais e económicas e
pessoas por todo o mundo. Por exemplo, no início de 2007, os bancos
centrais estrangeiros, só por si, detinham cerca de 2 250 milhares de
milhões de reservas em dólares americanos, o que representava
cerca de 66 por cento das suas reservas oficiais totais de divisas
estrangeiras, ao lado de um pouco mais de 25 por cento de reservas em euros.
Como o dólar está a perder o seu poder de compra, tanto em termos
absolutos como relativos, os bancos centrais e outros investidores estrangeiros
têm vindo a ser "colectados" pela política de pouca
preocupação com o dólar do Fed americano. Em termos reais,
pode medir-se o imposto de
seigneurage
[3]
sobre os possuidores estrangeiros de dólares calculando a
diferença entre a taxa anual da depreciação do
dólar vis-à-vis as principais divisas convertíveis e a
taxa de juro a curto prazo sobre essas reservas. Por exemplo, se a taxa anual
de depreciação do dólar é de cinco por cento e a
taxa a curto prazo do retorno dos títulos de tesouro americano é
de quatro por cento, os bancos centrais estão a perder cerca de 22,5 mil
milhões de dólares por ano. Como os estrangeiros privados
detêm uma dívida de mais de 2 milhões de milhões de
dólares, a perda líquida anual dos possuidores estrangeiros de
dólares americanos pode atingir facilmente os 50 mil milhões de
dólares por ano. A conclusão é fácil de tirar:
Não só os estrangeiros têm vindo a financiar fortemente os
enormes défices do governo dos EUA nos últimos seis anos, como
estão agora a impor-lhes que ajudem a financiar a generosa
operação de salvamento das instituições financeiras
americanas.
Os investidores, tanto no estrangeiro como nos EUA, sabem que, para muita
gente, os números oficiais da inflação estão
subestimados, essencialmente porque com isso pretende-se reduzir o peso dado
nos indicadores aos bens e serviços cujos preços aumentam mais
rapidamente, mas também porque os custos da habitação e os
preços das propriedades só são tidos em
consideração parcialmente. Isto pode explicar porque é que
as expectativas de inflação apontam para uma subida, apesar de os
números oficiais da mesma não apresentarem uma subida. Há
dinheiro fácil a mais conforme se viu nos últimos anos aquando da
primeira inflação dos produtos petrolíferos, mas mais
tarde ou mais cedo surge a subida dos preços de todas as mercadorias e
dos preços de todos os bens e serviços. Com a actual queda do
dólar, é de esperar que os americanos venham a pagar mais por uma
série de artigos, tais como o combustível e a
alimentação. Isso traduzir-se-á num padrão de vida
mais baixo.
O preço do ouro, o preço do petróleo e os preços de
outras mercadorias estão a subir e podem servir de campainhas de alarme
da inflação. O comportamento das taxas de juro a longo prazo que
incorporam expectativas de inflação é também um bom
indicador da futura inflação. Com o Fed a imprimir dinheiro e a
aumentar a disponibilidade de dinheiro a alta escala, como se estivesse a ser
lançado do céu por um helicóptero (daí a alcunha de
"Helicóptero" para Ben Bernanke, presidente do Fed), as taxas
de juro a curto prazo irão cair durante algum tempo, mas as taxas de
juro a longo prazo terão tendência a subir lentamente, a
não ser que se desencadeie uma profunda recessão.
Em segundo lugar, uma maciça operação de salvamento tal
como o Fed de Bernanke desencadeou coloca a questão do risco moral
presente em qualquer operação desse tipo feita pelo banco
central, depois de não ter conseguido regular devidamente as actividades
de risco dos bancos que supervisiona. Na verdade, ao aceitar
acções e obrigações sustentadas por hipotecas como
garantia para gigantescos empréstimos a prazo mais ou menos longo,
empréstimos esses contraídos pelos bancos e corretores
americanos, o Fed está mas é a recompensar as próprias
instituições que agiram de forma extremamente
irresponsável durante os últimos quatro a cinco anos, enquanto
limpa a sua própria imagem por ter fracassado na sua missão
reguladora. A mensagem é muito clara: As instituições
financeiras americanas podem entregar-se à criação de
instrumentos "inovadores" de crédito artificial de alto risco,
atirando os riscos para cima de mutuários e investidores inocentes e
arrecadando comissões e prémios chorudos, e quando as coisas
dão para o torto, como é de esperar, aparece o Fed em seu socorro
e salva-os com empréstimos baratos e prolongados. É uma boa forma
de encorajar descuidadamente qualquer instituição financeira
gananciosa e fora de controlo a fomentar sucessivas crises financeiras
desordenadamente e de forma perturbadora.
Na verdade, o Fed de Bernanke está agora a livrar da dor das
consequências as instituições financeiras que agiram
irresponsavelmente, algumas delas que agiram mesmo criminosamente, conforme
disse Alan Greenspan, antigo presidente do Fed. É um caso evidente de
risco moral.
Se não forem implementados novos regulamentos ou se não forem
postos em marcha novos regulamentos, uma operação maciça
como esta assegura que as instituições financeiras americanas
vão continuar no futuro a tentar ganhar dólares rápidos
criando capital artificial de risco, sem pesar devidamente os riscos envolvidos
para os pequenos investidores e pequenas poupanças, enquanto que o Fed
assumirá a responsabilidade de desviar as perdas em parte para si
próprio mas principalmente para os possuidores de dólares
americanos. Com efeito, o Fed está a manter em suspenso a disciplina de
mercado a favor dos grandes jogadores financeiros que coloca sob sua
protecção, enquanto deixa que a disciplina de mercado esmague os
pequenos proprietários de habitações e os pequenos
investidores que compraram casas, agora com hipotecas instáveis, ou que
investiram as suas poupanças em títulos de dívida com
garantias fraudulentas e de alto risco (CDO's). É este o resultado
líquido da aplicação parcial da regra de Bagehot.
A terceira questão é: porque é que o Fed de Greenspan e de
Bernanke não escondeu mais cedo a taça de ponche do dinheiro
fácil e do crédito fácil, quando as coisas
começaram a ficar feias no mercado de hipotecas secundárias
durante o período de 2003-2007. Porque é que parecia paralisado e
nada fez? O antigo presidente do Fed, Alan Greenspan, tem uma
explicação simples e conveniente. Antes de 2003, receou um
início da deflação e foi por isso que o Fed elevou a sua
taxa principal de empréstimo de 1 por cento (de Junho de 2003 a Junho de
2004) apenas pela segunda vez na história. Também afirma que
havia demasiadas "poupanças globais" pelo mundo afora e que
foi isso que fez descer as taxas de juro. Isto é uma
explicação deslavada, porque, se a globalização e
as poupanças globais mantiveram a inflação baixa e as
taxas de juro a prazo baixas, a subida das taxas de juro a curto prazo e o
aumento do fornecimento de moeda estiveram sempre sob o controlo do Fed. O Fed
não tinha obrigação, depois de 2003, de manter as taxas de
juro a curto prazo tão negativas durante tanto tempo. Claro que, como a
administração Bush andava a cortar as taxas dos impostos para
reforçar as perspectivas de reeleição em 2004, e andava a
gastar dinheiro à maluca em guerras travadas em terras distantes, o Fed
devia ter percorrido a via contrária para contrabalançar o
ímpeto fiscal que isso criava para a macro economia. Por outras
palavras, devia ter escondido a taça do ponche. Mas não o fez.
Em consequência, a dívida hipotecária como percentagem da
renda disponível nos EUA encontra-se ao nível mais alto dos
últimos setenta e cinco anos, atingindo 100 por cento, enquanto que a
dívida de consumo subiu para o nível mais alto da
história. Tudo isto torna a economia mais vulnerável do que nunca
desde a depressão de 1929-39. Outra consequência desta farra de
dinheiro fácil é o frenesi de
leveraged buy-outs
[4]
e a concentração industrial que temos vindo a observar nos
últimos anos.
Por fim, ponhamos a cereja em cima do bolo. Com efeito, há um trecho
muito inquietante no recente livro de memórias
(The Age of Turbulence)
do antigo presidente do Fed, Alan Greenspan, e nas explicações
que ele deu em entrevistas concedidas para divulgação do livro:
é a sua confissão de que, enquanto desempenhou o cargo de
presidente do Fed, incitou activamente o vice-presidente Dick Cheney para um
ataque dos EUA ao Iraque. Se isto aconteceu, foi muito incorrecto que um
banqueiro central agisse desta forma, principalmente quando tinha mais que
fazer do que pressionar a favor de uma guerra ilegal. Quer isto dizer que
Greenspan foi um membro activo do grupo de pressão pró Israel no
interior do governo dos EUA e se juntou à quadrilha de
Wolfowitz-Feith-Abrams-Perle-Kissinger? Parece-me que uma atitude destas devia
ser objecto de investigação.
Na verdade, até que ponto é que o grupo de pressão
pró Israel foi responsável pela guerra do Iraque e pelos
défices que ela gerou? Já existem neste momento sondagens que
indicam que 40 por cento dos eleitores americanos acreditam que o grupo de
pressão pró Israel foi um factor chave na entrada da guerra com o
Iraque e que o mesmo está de novo muito activo na promoção
de uma nova guerra contra o Irão. Este número tende a aumentar
à medida que cada vez há mais pessoas a perceber os factos que
estão por detrás desta guerra tão desastrosa e mal
concebida. Com efeito, quantas guerras é que este grupo pode engendrar
antes de ser detido? E até que ponto o turbilhão financeiro nos
EUA e nos mercados mundiais pode vir a ser relacionado com a influência
deste grupo tão corrosivo?
21/Setembro/2007
Notas
(1) hedge-funds fundos que investem no comércio a prazo de
mercadorias visando diminuir os riscos e reduzir os prejuízos (N.T.)
(2) Bernanke Ben Shalom Bernanke é um economista, presidente do
Conselho de Governadores da Reserva Federal dos Estados Unidos (N.T.)
(3) seigneurage receita líquida decorrente da emissão de
divisas. É uma importante fonte de receita para os bancos nacionais
(N.T.)
(4) leveraged buy-out aquisição da totalidade ou da
maioria das acções de uma empresa com recurso a capitais de
empréstimo (N.T.)
[*]
Economista canadiano, colaborador frequente de Global
Research, autor de
The New American Empire
. O seu próximo livro intitula-se "The Code for Global Ethics".
O original encontra-se em
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=6832
.
Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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